Winter Soldier - Retomando o Passado escrita por Vendetta23


Capítulo 11
Como Matar um Fantasma




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“James Bucky Barnes” ele disse, sua voz cortando o escuro “Bucky” ele repetiu, engolindo com dificuldade por causa da faca pressionada contra sua garganta “Bucky”, ele disse com a voz falhando no final do nome. Eu mal consigo vê-lo no escuro, mas eu sei que ele está me olhando diretamente nos olhos, consigo ver seu brilho, consigo sentir seu peso.

Em cima dele, com um joelho em sua barriga e faca pressionada contra o seu pescoço, minha respiração começa a ficar pesada e minha visão fora de foco. Forço um pouco mais a lâmina contra sua pele, eu quero uma reação, ‘alguma coisa pra me divertir’. Mas ele continua deitado na cama sem se mover, como se não me levasse à sério, talvez eu não me leve a sério. Cada respiração que ele dá zomba de mim, do soldado que não consegue cumprir sua meta, eu sinto o ar entrar e sair de seus pulmões, minhas mãos tremem, incapazes de levarem a faca à frente e a fúria cresce dentro de mim, ‘eu sou o inverno’ eu grito na minha cabeça, um filete de sangue escorre do pescoço do alvo, que ainda não fez um movimento para se defender.

Então por que me sinto tão quente?

Eu segurei aquele garoto no chão pela gola de sua camisa, colocando o joelho no seu tronco e erguendo meu punho, pronto para desferir um soco nele. O tempo passava lentamente e eu podia sentir o sangue escorrendo pelo meu nariz e o medo nos olhos do garoto à medida que a sombra do meu braço se projetava no seu rosto, pude ouvir um de seus amigos se levantando rapidamente do chão aonde eu o tinha jogado e correr na direção oposta. Mas o tempo parou quando eu ouvi o baque metálico da latas de lixo caindo no chão, e me virei para a parede do beco. Steve tinha empurrado a lata que estava em cima dele e se colocou de pé, sacudindo o lixo de cima dele e olhando pra mim. Eu não gostei do que vi naqueles olhos.

“Bucky, deixa ele ir” a desaprovação no seu olhar junto com a minha indignação queimavam por dentro. Trinquei meus dentes diante de um ódio cego.

“Ele te machucou” eu disse, a lógica era tão simples, eles machucavam o Steve, eu machucava eles “É justo” mas Steve não entendia, ele balançou a cabeça.

“Bucky, eu estou te pedindo, para” e agora, além de bravo, ele parecia triste comigo. Virei-me para o garoto e abri a mão que segurava sua gola lentamente, eu realmente não queria soltar, fiz questão de marcar seu rosto na memória. O pequeno brilho de vitória que vi em seus olhos quando percebeu que eu iria deixa-lo impune só deixou tudo isso mais difícil.

“Próxima vez eu não vou soltar” eu disse enquanto ele se levantava e deixava o beco mais rápido do que eu imaginava ser possível. Virei para trás. Steve ainda removia partes de gosma e lixo das ruas roupas, ele olhava para o chão tentando disfarçar o quanto ele tinha apanhado, o quão ruim estavam os cortes e hematomas que cobriam a sua pele clara, o quão cansado ele estava de se sentir fraco. Mas eu via tudo, eu sempre veria tudo. Me aproximei, se senti alguma raiva dele na hora em que ele me pediu para deixar o garoto ir, ela não existia mais, e o envolvi em um abraço apertado. “... eu não vou soltar” repeti, dessa vez em um contexto completamente diferente.

Não.

Saltei de cima da cama, andando para trás até dar com as costas na porta do guarda-roupa. Minhas mãos estão molhadas e sinto o suor frio escorrendo de trás do meu pescoço. Eu não sei aonde eu estou e o terror não é suficiente para ajustar meus olhos ao escuro, tateio a parede, derrubando alguns objetos que caem com baques secos no chão, procurando um interruptor ou uma lâmpada, depois de alguns segundos consigo acender a luz com meus dedos que não paravam de tremer e deslizavam, úmidos, pelo interruptor. Só então vejo o rastro vermelho que deixei por onde passei.

Minhas mãos deixaram impressões de sangue por toda a parede branca, um nó se forma no meu estômago quando percebo que não sei de onde esse sangue todo veio. Sinto o cabo da faca em minhas mãos, ele desliza por entre meus dedos enquanto olho completamente perdido para todo o sangue que mancha cada centímetro de pele e metal. Então ergo os olhos.

Steve está deitado na cama, um braço pressionando o seu pescoço enquanto lutava por ar. Eu não posso ter feito isso. ‘Você fez e não terminou’ CALA A BOCA! Eu grito, pressionando as mãos contra os ouvidos, tentando fazer as vozes pararem, manchando meu cabelo e rosto de vermelho. Não importa o que eu faça, ele não sai da minha pele, me segue por onde quer que eu vá. Steve levanta ligeiramente a cabeça e me olha do outro lado do quarto. Eu não gosto do que vejo naqueles olhos.

“Eu sabia” e o brilho de felicidade sincera junto com sua expressão de dor só fez crescer a fúria dentro de mim. Ele falava tão baixo que tive que me aproximar, contra todos os instintos que eu tenho de protegê-lo, eu tive que me aproximar “Eu sabia que você iria se lembrar” ele tossiu algumas vezes e apertou ainda mais a mão coberta de sangue contra o seu pescoço.

Eu não podia ficar parado. Rapidamente rasguei um pedaço de pano do lençol e enrolei-o, estendendo-o para Steve com minha mão direita. Ele pressionou o pano contra o corte que para meu alívio não era tão profundo quanto eu pensava enquanto eu o ajudava a se sentar na cama. Depois de cada movimento que eu fazia para ajuda-lo, eu me retraía para o outro lado da cama até que minha ajuda fosse necessária de novo. Eu me obrigava a olhar. Depois de dar outro pano limpo para Steve, enrolei o coberto de sangue na minha mão e estava prestes a voltar para o outro canto da cama quanto senti a pressão da pele de Steve contra o metal frio da minha mão.

“Fica” a voz dele não oscilava tanto, não sei por quanto tempo ficamos contendo o sangue, mas a cura rápida dele já devia estar fazendo efeito pela queda da quantidade de sangue que brotava pelo corte. Fiquei parado por alguns segundos, olhando hora para o corte, hora para Steve, hora com os olhos do soldado, hora com os olhos de um homem que se perdeu, há muito, na escuridão da minha cabeça. Eu não sei o que me deixa mais furioso, eu ter perdido o controle ou não ter encontrado nenhum sinal de medo naqueles olhos claros.

“Eu tentei te matar” é inacreditável que eu tenha de esclarecer isso, ainda mais porque ele não deu nenhum sinal de ter entendido “Se não foi agora que eu consegui, vai ser algum dia” eu não posso ficar aqui, se pelo menos ele demonstrasse qualquer sinal de ódio por mim, nojo, seria mais fácil sair por aquela porta.

Porque eu tenho nojo. Eu sinto vermes rastejando por baixo da minha pele todo o maldito segundo, me lembrando de que estou morto para todos.

“Por que você não acredita em mim?” eu abaixo a cabeça, cobrindo as lágrimas com o cabelo “Eu morri, Steve”. Não vejo sua reação, mas sinto sua respiração mudando, ela se torna mais acelerada, assim como seus batimentos.

“Não pra mim” ele sussurra, me fazendo desejar voltar à vida ‘Comido por vermes, nenhum homem volta da morte’ e me fazendo ver que eu persegui o alvo errado o tempo todo.

Levanto da cama e saio do quarto, pegando a faca do, minha cabeça além de estar explodindo em um milhão de vozes agora também me infernizava com barulhos altíssimos, com se alguma coisa lá dentro estivesse quebrando. Quase arranco um pedaço da porta do banheiro ao entrar, encostando os pés no chão frio, tremendo a cada passo. Meu peito queima quando me encontro frente à frente com ele.

“Você não vai tirá-lo de mim” eu olho diretamente nos olhos do soldado, tentando não deixar transparecer o medo profundo que eu sinto “Eu tenho o controle” minha boca se torce em desgosto quando a única resposta que ele me dá é uma gargalhada de deboche.

Steve alcança o arco da porta e se apoia nele, arfando e ainda segurando o pano ensopado de sangue, parecendo à ponto de desmaiar. Olho para ele de dentro do banheiro e faço um sinal com a mão para que espere, implorando com o olhar, ele me responde com uma expressão confusa que ignoro assim que pouso novamente meus olhos no espelho.

Naquela superfície não me vejo refletido, mas uma imagem distorcida e repugnante de algo que nem eu sei o que é. Seguro a faca com ainda mais força na minha mão.

‘Como se mata um fantasma?’

“Eu não sei” respondi com uma voz fraca, que temia se impor às tantas outras. Pouco à pouco a imagem disforme no espelho foi dando lugar à uma figura muito parecida comigo, seus olhos queimavam como o fogo no campo de batalha.

“Bucky, não é real” ouvi a voz de Steve ao fundo, mas não me virei para olhá-lo, é real, Steve, tão real quanto o sangue em minhas mãos “Solta a faca, vai ficar tudo bem” ele disse, mão estendida à frente do corpo, estendida para mim.

“Não, eu não vou soltar. Não dessa vez, você não está certo” e fui eu quem abaixou a cabeça para esconder o quão cansado eu estava de ser fraco, de não estar no controle.

“Você é meu melhor amigo, nós vamos passar por isso juntos, eu sei que você pode matar esses demônios sozinho, Bucky, mas a questão é que...” sua voz já transparecia pânico, ele suava frio, se aproximando de mim lentamente “...você não precisa”.

‘Rasgue a garganta dele’ segurei a faca com mais força ainda, fazendo seu cabo tremer, meus olhos se voltavam para Steve e depois para o espelho, repetitivamente e desesperadamente. Ele estava lá, à distância de um braço de mim, oferecendo segurança, pedindo por um recomeço, mas tudo o que consegui ver foi um garoto pequeno e doente do Brooklyn, sangrando pelo nariz depois de ter apanhado de garotos maiores que ele, dependendo de mim para protegê-lo.

E eu não estaria fazendo trabalho melhor ao protegê-lo de mim mesmo.

Surgiu no meu abdômen um foco de calor, levei a mão esquerda à ele e o metal retornou manchado de sangue fresco e mais escuro do que o que estava lá anteriormente. Virei minha cabeça lentamente para Steve que me olhava em estado de choque, o sangue tinha fugido totalmente de seu rosto e agora ele corria até mim, me pegando pela cintura antes que eu percebesse que estava caindo. Eu senti suas mãos me chacoalhando e se movendo ao redor da faca enterrada em mim. A faca que eu enterrei.

Eu não ouvia mais nada, finalmente as vozes tinham se silenciado. O gosto da vitória se transformou em sangue na minha boca à medida que eu era arrastado para a escuridão.


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