Legado de Semideuses! escrita por Lucas Lyu Santos


Capítulo 7
Reino dos horrores.




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– Eu vou dizer como as coisas irão funcionar daqui pra frente. – Orsi marchava para o lado e para o outro. – Os dois vão seguir minhas instruções sem qualquer questionamento. – Ela nos fitou. – Se caso errarem, vocês pagarão flexões.

– E por que errar é motivo de flexões? – Alinne estranhou.

– Por que é engraçado e sou eu que mando. – Orsi sorriu. – Alguma pergunta antes de começarmos? – Ela nos olhou de forma inexpressiva.

Mais um pégaso veio dos céus e pousou aos trotes longos na areia. As instruções de Orsi foram; para conseguir subir num cavalo você primeiro deve deixá-lo sentir a sua segurança. Não faça movimentos bruscos até ele se sentir totalmente à vontade com a sua presença. E assim que for se aproximar estique a mão e deixe-o ir sozinho até ela, assim ele pedirá carinho. Só mesmo com essas maneiras eles estarão prontos para serem domados. Por isso a necessidade de seguir essas três lições - segundo nossa instrutora – era de suma importância para o sucesso, caso contrário as chances de tomar coices eram grandes.

Eu confesso que me senti medroso em errar ou tomar um coice no meio da fuça, mas era necessário domar esses cavalos-de-asas e assim fui em silêncio até um deles. Estiquei minha mão direita e fui arrastando um pouco de areia sobre meus pés que travaram quando o pégaso veio se aproximando sorrateiramente. Eu baixei meus olhos na esperança de que ele não se sentisse confuso ou com medo da minha atitude em querer me aproximar, mas eu estava muito errado. Assim que senti a respiração dele, meu corpo ficou totalmente imóvel e só consegui me mover quando ele abocanhou meus dedos e eu urrei de dor e sai de perto aos pulos.

– Sua mão está bem? – Orsi falou aparentemente preocupada.

– Não, ele quase arrancou meus dedos. – A baba do cavalo escorria por entre eles. – O que eu fiz de errado?

– Estava inseguro. – A filha de Poseidon se sentou numa cadeira de praia a sete metros atrás de nós. – Se sua mão está boa. Não vejo problemas em começar a pagar vinte flexões pelo seu erro. – E tudo que ela fez foi colocar um óculos escuro, cruzar as pernas e tomar sol.

Passamos cerca de quatro horas tentando subir nas costas dos pégasos. Alinne claramente teve uma vantagem maior que eu e conseguiu voar por cerca de quarenta segundos sem o cavalo relinchar e a jogar para o lago. A cada erro cometido mais vinte daquelas punições deixavam nossos corpos encharcados de suor até que desabamos completamente no chão, cansados.

– Isso foi exaustivo. – Orsi demonstrava tédio nos olhos.

– Aé? – Ofeguei. – Não me diga.

– Sim, foi exaustivo olhar tudo isso. – Ela se levantou da cadeira e veio até nós. – Vocês realmente não conseguiram nem sequer subir vinte metros do chão nas costas deles. – Ela olhou com cara de desdém a nós dois. – Mas tudo bem, garanto que mais algumas aulas vocês conseguirão. – Ela acariciou os dois pégasos que imediatamente chiaram quando ela tocou por entre as crinas.

Orsi rapidamente examinou os dois cavalos que tinham marcas de queimadura por onde Alinne e eu havíamos tocado – sabemos disso por que também ficamos prestando atenção, enquanto ela estava tentando aliviar o calor do machucado com água.

– Eu vou precisar levar esses dois para fazer alguns exames. – Ela disse, preocupada. – Até eu diagnosticar o que deu origem a essas queimaduras, vocês estão suspensos do meu treinamento.

– Ah, não quer ajuda? Fizemos algo de errado? – Alinne tentou se aproximar. – Fomos nós que fizemos isso com eles?

– Não sei. – Orsi conduziu-os para longe de nós. – Só não fique perto deles por enquanto.

Eu não sabia se agradecia por ter sido dispensado da aula de montaria ou preocupado com os ferimentos dos pégasos. Ainda sim, Alinne e eu nos entreolhamos e partimos para o refeitório, pois nossos estômagos roncavam numa sinfonia imperfeita.

– O que será que houve? – A loira disse para si mesmo até seu estômago roncar novamente. – O que tem pra comer essa hora? – Era praticamente cinco e meia e havia poucos campistas no refeitório.

– Tomará que tenha Lasanha. – Fiquei esperançoso em sentir o queijo derreter por entre meus dentes que não notei que uma figura se aproximava de nós.

– Oi, vocês são os dois sóis, certo? – Notei dentes perfeitamente brancos e alinhados sibilarem conforme a garota nos questionava. Ela tinha olhos expressivos e escuros que também eram cobertos pelos óculos redondos, assim como os da Munhoz. Seu rosto era tão fofo que mais parecia um gatinho manhoso quando sorria. – Desculpe. Eu cheguei falando e não me apresentei, eu sou a Letkaske. – Ela mexeu o cabelo. – Filha de Poseidon.

– Ah, aconteceu alguma coisa? – Eu disse.

– Sim. – Ela pegou um prato e se serviu com a comida dos recipientes. – Eu estava voltando do meu treinamento perto da grande mansão e vi Orsi com dois cavalos caídos no chão. – Ela nos olhou de forma lamentadora. – Eles foram sacrificados. Eu não sei exatamente o que aconteceu, mas pelo que pude ver eles tinham muitas queimaduras nas partes do corpo, vocês sabem de algo?

– deuses... – Alinne me olhou.

– Não sabemos.

– Tudo bem. Orsi não sabe que eu os contei, então sejam discretos, okay? – Letkaske finalizou e foi até a mesa de número três.

– É Lyu, acho que perdi a fome.

– Eu também.

Saímos pelo refeitório e fomos caminhar até as dunas que possuíam flores com tonalidades diferentes de cores e formas encantadoras. Eu peguei duas e coloquei atrás das orelhas da loira, que por sinal havia ficado muito engraçada. Sentamos numa árvore e ficamos lá sem dizer qualquer palavra, apenas observando a imensidão de todo o acampamento. As palavras da filha de Poseidon haviam machucado ambos os filhos de Apolo, tanto eu como ela tomamos um baque surdo no meio do peito e aquilo encheu nossos olhos de lágrimas com aquela notícia inesperada, afinal, tínhamos culpa da morte daqueles pégasos? Se sim, por quê? Eu engoli essa pergunta nos confins da minha mente e me amaldiçoei por não saber a resposta.

– Nossa, mas que desanimo é esse? – Mama estava com muitos papéis na mão e vinha com mais duas pessoas atrás. Eles carregavam alguns acessórios de festa.

– Ah, longa história Mama.

– Vocês estão precisando tomar alguma bebida. Querem algum tipo de vinho ou algum suco de uva pra melhorar esse mau humor? – Rô olhou para a garota que possuía cabelos curtos. – Laura, tem alguma garrafa reserva ai dentro dessa caixa?

– Vish, eu acho que bebi a última, desculpa Rô. – A garota levantou os ombros em forma de lamentação.

– Ah, tudo bem. Não estamos no clima pra beber nem comer. – Alinne tranquilizou-os.

– Vamos gente, sorriem, pulem, gritem, façam algo! – Mama pegou em nossas mãos e tentou nos animar. – Isso é pra vocês, é um baile que vai ter amanhã. – Ela nos entregou um papel com informações. – Vai ser legal, e além do mais são os filhos de Dionísio que estão organizando.

– Pode ter certeza que vamos mostrar como se faz um tuns tuns. – Rodrigo disse. – Festas de Dionísio são outro nível.

– Hahaha! E como são. – Laura mastigou um chiclete. – Teve uma vez que nossa festa até conseguiu trazer nosso pai para cá. – Os olhos dela brilharam. Assim como Rô ela também era do chalé doze. – Foi foda.

– Tudo bem, vamos sim.

Naquele momento já estava escurecendo e meus olhos já estavam quase se negando a permanecer aberto. Mesmo assim ainda ficamos algum tempo sentados naquele terreno apreciando a vista e o vento que nos refrescávamos. Durante esse tempo algumas ninfas nos rodearam para nos fazer algumas perguntas de como era o mundo lá fora, mas as perguntas só nos deixavam ainda mais tristes. A dor de ficar fora de casa e longe dos familiares era realmente uma das armas mais eficientes contra semideuses. E assim que as ninfas pararam de tagarelar, pedimos licença e nos dirigimos para o nosso chalé. Agora já estava muito mais escuro, era cerca de nove horas da noite e ao longe duas silhuetas eram vistas vindo até a grande mansão. Uma delas eu reconheci por ter pernas de bode e dois pequenos chifres brancos sobressaindo pelos cabelos negros, era Tomi. A outra presença tinha madeixas loiras, porém sua raiz era um pouco escura. Ela tinha olhares penetrantes e castanhos, seu capuz negro abaixado limitou-me de analisá-la mais. Ao que me parecia ela estava chegando hoje no acampamento - julgando pela sua expressão de assustada e por passos recuados assim que nos aproximamos deles.

– Tomi? O que fazia a essa hora fora do acampamento? – Eu disse surpreso.

– Nós sátiros temos o trabalho de buscar semideuses espalhados pelo mundo e trazê-los para cá. – Ele olhou para a menina do lado. – Como ela. Eu estava tomando um café na Starbucks hoje cedo na paulista quando notei um cheiro diferente nessa garota. – Ele cruzou os braços. – Ela só acreditou que eu a queria proteger quando dei com uma flauta na cabeça de um homem-mosquito que a encurralou, ele virou poeira. – Ele mostrou os músculos achando ser forte.

– Qual é o seu nome menina?

– Júlia, mas pode me chamar de Gugliemo.

– Quantos anos você tem, Gugli? – Eu tentei deixá-la confortável com um novo apelido, esperava que ela não achasse estranho a minha comodidade para com a intimidade que eu empregava.

– Tenho dezoi... Desesseis – Ela tossiu.

– Estranho, geralmente com essa idade os semideuses já são reclamados Á muito tempo. – Tomi disse com a mão no queixo. – Só esses dois são exceção. Você já sabe quem é seu pai?

– Sim, minha mãe disse que ele fugiu com uma mulher antes de eu nascer, ele é medico e deve estar morando em algum buraco longe de nós. É até melhor assim.

– Eu quis dizer... Ah, esquece.

Depois dessa frase me peguei pensando no por que de nunca ver o meu pai; todos nós fomos abandonados. Nem sequer uma pequena visita recebíamos, nem no nosso próprio aniversário. Isso era um comportamento aceitável para os deuses? Éramos o que eles não queriam ter e por isso nos abandonaram?

– Há uma regra. – O sátiro me tirou do meu devaneio. – Deuses não podem ver os filhos, muito menos interferirem nas vidas deles. Por isso todos vocês não receberam nem um pequeno bilhete de parabéns nos aniversários. – Tomi parecia que tinha lido minha mente. – Mas enfim, preciso levar essa garota á Helena. Boa noite para vocês dois.

E assim nos despedimos. Não pude notar aqueles olhos castanhos me encarando após um passo e outro. Ela jogou os cabelos para frente e sumiu junto a Tomi no breu da escuridão. Entramos no chalé e fomos diretamente para nossas camas, dei tchau a Alinne e dessa vez não usei nenhuma tecnologia para dormir. Simplesmente caí no sono.

[...]

Nessa noite eu não pude ignorar o sonho que tive, ou seria um pesadelo? Eu estava numa festa e logo depois tinha uma figura enorme protegendo uma espécie de pilar que estava prestes a desabar. Eu tinha uma chave na mão para fechar aquela pilastra e assim impedir o seu curso de desabamento, mas ele não me deixava passar. Foi então que vieram dois olhos castanhos no meu sonho e abruptamente acordei com o suor no rosto.

Levantei-me assim que percebi a escuridão dentro do chalé e os roncos em conjunto com o vento sereno e calmo que esfriava o meu corpo. Coloquei os chinelos e fui até a porta, abrindo-a e sentando na ponta dos degraus, olhando a pouca paisagem que era iluminada por algumas luzes no caminho.

– Hey solzinho. – Alguém sussurrou. – Por que está acordado essa hora? Teve algum pesadelo com a comida da cantina? – Thalles e Bieringuer apareceram sobre as folhagens com algumas tintas e papel higiênico.

– É, pesadelo. – Os olhei. – E vocês? Pegadinhas essa hora?

– Sabe como é né... – Felipe guardou os instrumentos no mato. – Podemos te levar ao chalé de Hypnus, como filhos do deus do sono eles podem te ajudar, isso é, se conseguirmos acordar eles. Venha.

Eu os segui até o penúltimo chalé que tinha formato de travesseiros e camas. Tudo naquele chalé era forrado de almofada, até mesmo o chão. Nós entramos com cuidado e muito espertos para não fazer tantos barulhos.

– O chalé de Hypnus só tem dois semideuses. – Felipe disse.

– Quando se está dormindo não da pra fazer filhos, se é que me entende. – Thalles caçoou.

Víamos uma figura com um rocambole na boca esparramado de cabeça pra baixo num sofá. O bolinho derretia e ele se lambuzava todo sem ao menos estar acordado para perceber. Thalles cutucou a orelha dele e Felipe pegou um fino papel e o colocou na orelha. O conselheiro acordou, arrotou e mastigou o rocambole até engolir completamente. Seus olhos vacilaram por um momento e ele quase voltou a dormir, quando a voz rouca e sonâmbula saiu fazendo eco.

– Que merda estão fazendo aqui? Não está na hora de crianças estarem na cama? – Well desferiu cada palavra cuidando para que o sono não o levasse para o seu mundo.

– Desculpa ai Sr. Adulto, só precisamos de uma poção para cortar sonhos. – Thalles apontou para mim. – Ele ta tendo alguns pesadelos.

– Ah, como sempre né? Pior que esses sonhos de vocês sempre têm alguma mensagem que fode todo mundo no acampamento. – Novamente, o conselheiro de Hypnus esbravejou. Ele tinha cabelos escuros e um topete que não caía nem mesmo quando estava dormindo. Parecia que não bebia água algum tempo, mas também sua boca escorria recheio de rocambole. – Está vendo aquela menina jogada na escada? Ela se chama Benvengo, ela tem três poções no bolso que só tem efeito se você bebê-lo aqui dentro. Peguem um e caiam fora, ainda estou com fome. – E ele novamente colocou um rocambole na boca.

Eu fui pessoalmente pegar a poção nos bolsos da garota que estava com a cabeça na grade da escada, por sorte aquilo também tinha um forro de almofada. Eu entendia que aquele chalé era forrado por almofadas, por que aqueles dois devem arrebentar a cara no chão quando dormem de uma hora pra outra. Quando voltamos para agradecer Well, ele já tinha caído novamente no sono com o rocambole nos lábios. Seguimos até a porta, retirei a tampa do frasco e o bebi completamente antes de sair.

– Obrigado.

– Não tem do que, boa noite ai Lyu. – Um deles falou.

– Se cuida. – Agora minha vista estava tão pesada que parecia que eu estava vendo dois Felipes.

Eu andei até o meu chalé – fiquei em dúvida em saber se aquele era realmente o sete, pois já não conseguia pensar. Olhei para trás e vi uma espécie de capuz cruzando a floresta, mas achei que estava delirando. Assim que entrei no dormitório caí diretamente com a cabeça no meu travesseiro e fui para o mundo dos sonhos.


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