Legado de Semideuses! escrita por Lucas Lyu Santos


Capítulo 21
Encruzilhada; a deusa nos oferece dois caminhos.




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O progresso finalmente estava nos encaminhando para algo produtivo, contudo, da mesma forma que nós estávamos nos mexendo, os renegados também. Principalmente por Yokota ter conseguido se desvencilhar das amarras e ter entrado na sala de reunião. Logo, uma ordem de busca de nossas cabeças havia começado. E a dona dessa ordem se chamava Anna Englert, “Quero todos eles vivos e capturados, se não, eu vou enfiar a porra da minha espada nos órgãos de cada um de vocês”. Ela falou da forma mais calma do mundo. E logo não tardou para que todos saíssem da sala com as armas em punho. Todos, porém, Mesquita era a exceção.

– Se isso não funcionar sua credibilidade estará em risco comigo, Vito. – Anna se sentou na cadeira e colocou os pés sobre ela.

– Nunca houve um questionamento sobre as minhas habilidades antes, por que agora? – Notei um discreto sorriso se formando no rosto dele. Fiquei em dúvida se era de nervosismo ou de ironia.

– Por que a brincadeira de criança acabou. – A troca de olhares continuou intensa. – Não vamos nos dar ao luxo de perder daqui pra frente. Vamos tomar cada portarius deles nem que eu mesma tenha que ir atrás.

– Esse sempre foi o nosso objetivo. Contudo, antes de qualquer coisa peço que tenha confiança no que eu faço. – Mesquita perambulou o bule de café e os serviu.

– E eu tenho.

– Não parece.

– As coisas estão além de um simples joguete, você sabe disso.

– Sim, eu sei muito bem.

– Só mantenha o plano em curso. – Anna tomou um gole do café. – Em breve uniremos vínculos com forças além do alcance. – Os olhos dela brilharam por meio dos óculos redondos.

O que os olhos não veem o coração não sente – e assim não seremos mortos. Essa célere frase e adaptação faz jus ao que fizemos: desligamos todas as câmeras depois de ouvirmos o necessário. Alguns fios desconectados aqui e algumas faíscas ali, isso fora o suficiente para que nada mais pudesse ser filmado dali a diante. O motivo disso era que Vitória e eu conseguimos encontrar a localização de Letkaske, mas os outros já estavam a caminho para salvá-la – nós os vimos indo diretamente ao local pela câmera 5K. Entretanto, antes que realizássemos tal feito, deveríamos ficar de olhos bem abertos por conta dos planos oriundos dos renegados. Como a própria líder deles deixou claro “a brincadeira de criança acabou”.

A cor verde o acesso liberado, a porta de metal abriu como se nós fossemos membros dos renegados. As portas de metal só eram respondidas pelos cartões, e não por qualquer identificador pessoal - que por sinal nos trouxe sorte. Bem, na verdade sorte entre aspas né, por que no primeiro momento que viramos para a direita e vimos à escadaria, notamos quatro minotauros marchando em nossa direção. E para piorar uma horda de seis harpias voavam do mesmo lugar que viemos – dentro das salas das estatuas no corredor da frente. A única opção e menos deplorável escolha seria o caminho da esquerda, e por lá fomos. Aquelas escadas nos levavam ainda mais para baixo, e quando pisamos no último degrau novamente um corredor com tapete sintético sublinhando-o apareceu com suas tortuosas curvas estranhas. Não tínhamos tempo para se quer amarrar os tênis, e, lá na frente uma porta de aço impedia-nos de prosseguir. No entanto, nós possuíamos tal autoridade, digo, possuíamos o cartão de acesso – e com ele nenhuma porta seria uma barreira. E de fato, não foi.

– Eu vou atrasá-los um pouco, não feche a porta. – O barulho dos touros e harpias crescia em meio aos ecos.

Meu arco turvo e dourado fora retirado com força pela minha mão canhota. Tal movimento; rápido e especialmente pronto para alojar uma flecha nas linhas finas e resistentes do arco. O calor do momento fervilha meu sangue tão forte quanto à vontade de chamuscar alguns daqueles cancros do tártaro. E segundos antes das sombras deles se projetarem sobre a curva do corredor eu deixei que meus lábios fossem o percursor do tipo de flecha que eu queria; explosiva. Não tardou para que o objeto se materializasse dentro da minha aljava mágica, e, tampouco demorei em pegá-la. De súbito, eu a trouxe até as linhas flexíveis que a acolheram com muito cuidado. Os barulhos macabros ficaram insuportáveis; os gritos finos de harpias e o som de touros rugindo só fez aumentar minha atenção, para então disparar a flecha. Eu, porém, não fiz questão de abater alguma harpia no ar ou algum touro que batia seus cascos velozmente. Mas, para sua vez eu mirei exatamente no teto – dois metros antes deles. A flecha fincou tão facilmente no teto como teria sido se eu tivesse acertado algum daqueles monstros.

– Lyu, vem!

Vitoria tinha finalmente aberto à porta de aço, Ela estava com o cartão pressionado no leitor para que a porta continuasse aberta até o momento que eu passasse, e de fato, ficou. Alguns passos para trás e eu já estava junto a Vitória, mas, aproveitando a lentidão da porta em completar o seu percurso até nos proteger novamente, eu fiquei curiosamente interessado nos estragos que eu causaria. E quando a porta estava prestes a se fechar definitivamente, houve a explosão. Por sorte eu ainda consegui ver os entulhos caindo sobre as asas das harpias que desabaram sobre os minotauros, e depois uma densa fumaça negra cobriu o corredor – foi quando a porta de aço se fechou. Houve a reverberação e as paredes por um segundo tremeram com o impacto fumegante que minha flecha causou, mas isso realmente não seria problema nosso. Nós já tínhamos sido descobertos, por isso, não havia qualquer problema se fizéssemos barulho daqui pra frente.

Meu sutil sorriso era claramente uma forma de demonstrar minha satisfação sobre a situação que eu proporcionei no momento, mas, tudo que é bom não dura muito. Tal que, eu estive tão hipnotizado na minha flecha acabar com a raça daqueles oriundos que eu acabei desviando completamente minha atenção, e, por esse motivo não percebi que Vitória estava cerca de três metros a frente com os pés presos ao solo.

– Não chegue perto, esse chão é movediço. – No segundo seguinte que eu coloquei meu pé a frente ela avisou, por sorte eu consegui fugir daquela área perigosa.

Uma gosma se desprendeu do meu pé assim que eu o trouxe de volta para trás, e assim que olhei para frente notei que o chão que estava forrado com tapetes sintéticos tinha duas cores diferentes – ao que indicava o perigoso e movediço solo. Se eu não tivesse parado e observado dificilmente teria notado, e como Vitória tinha dito o que estava acontecendo, graças a ela me livrei. Ela me ajudou e eu teria que ajudar ela, política da boa vizinhança. De qual forma eu poderia ajudar alguém que estava afundando? Bem, eu teria que puxá-la, mas como? Ah, é verdade, eu ainda possuía os vans que grudavam na parede – seria uma boa usá-los.

Guardei meu arco nas costas no encaixe junto à aljava, tal que, ele nem se quer balançava – estava bem preso. Tomei um pouco de distância e pulei com o pé direito na parede e logo em seguida coloquei o outro ainda mais para frente, logo eu estava suficientemente preso na lateral. O teto não era tão baixo, e mesmo com as pernas de Vitória sendo sugadas pouco a pouco, se eu ficasse sobre ela – preso no teto – eu conseguiria puxá-la para cima. Eu não tenho tanta força nos músculos, mas eu só precisava balança-la para que ela conseguisse tocar os pés os vans na parede estreita.

– Se segure em minhas mãos. – Estiquei-as e tentei tocar nos dedos escorregadios dela.

O problema em geral não era ela ter ficado naquele estado, muito menos os seus dedos estarem suados a ponto de ficarmos alguns segundos tentando encontrar nossas mãos. O problema era que; os minotauros e harpias já tinham se recuperado – e os que não viraram cinzas – já estavam prontos para derrubar a porta de aço. Óbvio que sendo uma porta daquele calibre, tão prateada como um cofre de um banco, eles demorariam muito tempo para abri-la. Bem, era isso que eu pensava até dois chifres amassarem a plaqueta e afundar centímetros para dentro. Eu teria que ser rápido, mas como conseguiria levantá-la?

– Espera, eu tenho uma ideia. – Vitoria falou e colocou as mãos dentro da bolsa na altura de sua cintura.

– Eu tenho todo o tempo do mundo, e você?

– Pronto, as luvas, elas vão grudar em suas mãos.

Digamos que ela seja esperta, pois para conseguir pensar num momento como esse teria que ser. Até por que se fossem algumas pessoas que eu conheço estariam se debatendo de medo, e isso só ajudaria para afundar mais rápido. E foi dito e feito, assim que as luvas escaladoras dela grudaram em minhas mãos – que já não tinham aquele traje por conta daquele touro maldito que enfiou a lâmina e quebrou o mecanismo de camuflagem – eu consegui flexionar meus pés para baixo e colocar força para puxá-la. Como eu estava no teto a gravidade dos vans se adaptá-la-iam, e logo fariam com que eu pudesse colocar todo o peso do meu corpo para baixo. E assim eu o fiz.

As batidas nas portas ficaram totalmente maiores e nitidamente eu percebi que o tempo tinha acabado. Por sorte, Vitória estava com os pés na parede e já se encontrava em equilíbrio. Tal palavra totalmente ausente para aquelas criaturas do tártaro, pois assim que eles conseguiram arremessar a placa de aço longe, os minotauros - os burros minotauros - caíram na mesma armadilha que Vitória tinha se livrado. E não tardou para que eles afundassem. Claro que não baixamos á guarda nem por um segundo sequer, pois as harpias grasniam e apontavam as garras afiadas para nós, enquanto batiam suas azas para se manterem no alto. Para nós estávamos em uma vantagem considerável, pois aquele corredor era estreito e muito baixo. Elas teriam que se manter em exata sincronia para continuar no ar, e, teriam de atacar uma por uma – o que seria uma mega desvantagem.

Acionei o mecanismo nas minhas costas e meu arco veio de encontro aos meus dedos, tão rápido quanto o meu pedido para a aljava mágica – duas flechas normais apareceram. Segurei uma na boca e a outra a tencionei sobre as linhas tênues do arco dourado. O sussurro do vento que a flecha deixou no ar fora capaz de interceptar a harpia que gritava em fúria pronta para me atacar de baixo para cima, mas antes que ela tivesse sucesso, a flecha fincou-se na asa direita. Imediatamente a harpia perdeu o equilíbrio.

Ela, porém, não foi tola o bastante para cair sem arrancar algo de mim. A asa esquerda ficou em movimentos constantes e descoordenados. Contudo, ela era inteligente o bastante para mirar tão ousadamente em meu braço – o mesmo que segurava o arco. Como eu ainda estava em uma posição contrária do chão – de cabeça para baixo – ela obviamente me acertaria em cheio, pois meus braços estavam esticados com o movimento da flecha lançada em segundos antes. Para o azar ela eu aproveitei o curto espaço e coloquei a minha perna direita dois passos para trás, e assim que fui repetir o movimento com a esquerda – eu notei que plantas prendiam meu tornozelo. “Maldição”, imediatamente havia percebido o quão imprudente eu tinha sido, tal que, a ponto de subestimar tão facilmente minha inimiga. Eu sabia que não daria mais tempo para lançar outra flecha a tempo ou pegar uma de minhas adagas. E por ter sido tão confiante, o prêmio recebido foi um talho consideravelmente grande na altura do meu braço.

A dor latejante rapidamente tomou conta da minha pele que começou a fervilhar com o sangue gotejando do meu braço para o chão movediço. A esdruxula sensação de fraqueza poderia se apossar de mim se a quantidade de sangue continuasse a sair rapidamente, mas por sorte aquelas garras enrugada não tinham rompido uma das veias principais do meu braço. E mesmo sobre a penitência da incomoda dor eu conseguia livremente movimentar meu arco e derrubar mais uma harpia que se encontrava vindo em minha direção com a flecha que estava na minha boca. Como Vitória estava um pouco para frente e na parede lateral, ela foi capaz de enfiar ambas as lâminas curvas – que antes estavam na sua cintura – em cada um. Todos eles viraram cinzas.

– Ora, ora, ora. – E no mesmo momento que eu ouvi essas palavras eu me virei. Juliana Saraiva estava cerca de vinte metros de nós. – Pelo menos minhas plantas foram uma ótima distração pra te acertarem.

– Bem, isso aqui não é muita coisa. – Usei os dentes e consegui arrancar um pedaço da manga da minha blusa do pulso até o cotovelo. – Mas os seus ferimentos precisaram mais que simples panos para cobri-los quando terminarmos. – Enrolei-o no meu braço esquerdo e improvisei um nó.

A coexistência da dor me incomodaria daqui pra frente querendo ou não. E por um momento eu deixei que isso fosse apenas um detalhe – um detalhe na qual eu tentaria não ligar – e foquei minha atenção completamente na filha de Deméter renegada que se prostrava diante de nossos olhos – ao longe do corredor que não possuía mais curvas.

– Acho que vocês já foram longe demais, se entreguem e eu não machucarei muito vocês. – Ela mexeu os óculos como se estivesse tentando arrumá-lo.

– Você fala como se fosse corajosa. – Vitória esfregou as duas lâminas curvas uma na outra. – Você realmente é?

– Venha e descobrirá. – Saraiva terminou.

Não que eu esteja friamente interessado em ver duas garotas bonitas lutarem até uma cair de joelhos em prol da força da outra, mas isso era treta! Se eu tivesse uma pipoca, oh meus deuses - como eu gostaria de ter uma pipoca e assistir tudo isso de camarote. Mas, eu não poderia deixar Vitória lutar com tamanha desvantagem. Uma desvantagem covarde por sinal.

Saraiva simplesmente pegou duas sementes e as jogou no chão, logo, retirou um frasco mínimo com água e as molhou com uma gota cada. Duas grotescas plantas cresceram como se fossem mutantes com milhares de braços. As raízes eram totalmente podres e com ramificações. Elas não paravam de se chacoalharem, e tal movimento, fazia com que os braços fossem chicotes prontos para estilhaçar quem quer que seja. Os tecidos verdes e remendados uns nos outros tinham expressões; tristes e maltratadas. Elas pareciam dois brócolis. Mas o pior era as grandes bocas afiadas que estas tinham, pra falar a verdade eu nem sabia que plantas tinham bocas – mas às vezes eu esqueço que lido com coisas anormais desde o dia que Apolo me reclamou.

– Estamos loucos pra ver o quão fracos vocês são. – A renegada sorriu de forma maléfica. – Especialmente você, piriguete.

Não tardou para que as plantas começassem a vir em nossa direção. Elas eram lentas, mas, cobriram totalmente os ângulos do corredor – tanto dos lados, quanto em cima.

– Lyu, eu cuido dessa vaca. – Vitória me olhou de forma sinistra..

Olhei analiticamente para todos os possíveis efeitos e lugares que eu poderia acertar o bronze celestial. Tal que uma luz surgiu quando eu notei uma nítida e falha defesa, minha cabeça começou a matutar o plano.

– Eu vou lançar as flechas bem no lado direito, você vai conseguir passar por aquela primeira planta se usar as lâminas pra retaliar elas. –

– Ok. Deixa o resto comigo, eu vou arrastar a cara dela na parede. – Ho-oh, eu claramente estava torcendo para Vitória. E vê-la daquele jeito me fazia soltar sorrisos alheios por dentro da minha cabeça.

– Está pronta?

– Que a Vitória esteja ao lado da melhor guerreira. – Eu ouvi a filha de Nikê sibilar sozinha. – E espero que seja eu, mãe.

E de súbito Vitória disparou pelo corredor com as armas em punho. Ela manuseava ambas de forma hábil. O metal de ambas as lâminas cintilavam conforme a filha de Nikê se aproximava de sua presa, ela estava sedenta pelo sangue da renegada - notei pelos seus movimentos infatigáveis. Eu não queria ficar exatamente no meio da briga, mas teria que remediar Vitória até o encontro acontecer. E foi o que eu fiz. A flecha flamejante saiu do meu arco e foi diretamente no tecido podre da planta viva. O efeito desejado logo foi alcançado, pois minha flecha arrebatara logo na parte esquerda do espécime de ombro da planta. De súbito o fogo se espalhou sobre os tentáculos monstruosos e ela ficou totalmente sem o controle destes – o que fez a minha companheira cortar os molengas tecidos e conseguir uma brecha. A outra planta estava do outro lado e não conseguiu nem se quer impedi-la de ter passado. Elas se viraram como se eu fosse permitir que elas agarrassem Vitória, por isso novamente importunei minha aljava mágica e pedi duas flechas fumegantes para ela.

– Oh coisas lindas. – Uma das flechas fincou-se diretamente no centro da planta-brócolis, a mesma que eu já tinha acertado anteriormente.

Claro que apenas uma flecha não detivera as duas plantas. Eu permaneci da maneira que estive – de cabeça para baixo e com os pés no teto – e por isso tinha uma visão privilegiada. Tal que; ela se fez valer pelos meus olhos e mira inquestionável. A segunda flecha colidiu diretamente o lugar da boca desfigurada da segunda planta – eu só tive certeza quando ela voltou sua atenção para mim e do grande buraco no centro de seu tecido uma flecha transparecia de fora para dentro.

– Obrigado pela atenção de vocês. – Fite-os com um sorriso irônico.

Aproveitei a fraqueza dos mini brócolis e fui de encontro á eles. Meus pés deslizavam de forma rápida no teto até ficar de fronte as monstruosidades que gemiam pelo fogo que as consumiam pouco a pouco. Aproveitei esse meio tempo para proferir dois pedidos especiais a minha aljava – duas flechas explosivas. Contudo, quando elas apareceram diante dos meus dedos e eu senti o bronze celestial pontiagudo roçar meus dedos, aproveitei para guardar o arco com aminha outra mão livre no mecanismo nas costas. O motivo? Ele explodiria logo – ou melhor – seria logo descoberto por vocês.

As laterais das paredes me serviram como um simples apoio para ficar lado a lado com a planta da esquerda – aquela mesma que Vitória havia retaliado seus tentáculos – e por isso fui capaz de lançar a flecha explosiva para dentro de sua boca sem qualquer erro. No momento que o objeto caiu dentro do buraco – a boca – eu fui surpreendido com a investida lançada pelos tentáculos do lado direito do brócolis mutante. Eles foram tão rápidos que eu nem vi o momento que alguns deles entrelaçaram-se entre meu pescoço, e quando fui suspenso para o ar, eles me sacudiram de uma parede para a outra. A outra flecha explosiva que eu tinha em mãos caiu no chão, mas eu não consegui visualizar onde – o que seria um grande problema. O barulho de ossos fora altamente ouvido quando um estalo oprimido saiu da minha coluna que se colidiu com a parede. Só tive certeza que não sofri nenhum ferimento de ossos quebradiços pela dor que não era grande.

Mesmo ferida aquela planta era rápida, amaldiçoei-a por isso. Mas isso não surtiu qualquer efeito, pois ela logo me jogou de uma parede para a outra pouco se importando da minha maldição particular. Estatelei-me todo de cara na lateral da parede que eu havia deslizado para ataca-la segundos antes, e depois minhas costas novamente caíram em agonia quando ela continuou a brincar com meu corpo suspenso. Eu estava totalmente imóvel e sem defesa alguma. Pois quando usava meus braços para não machucar meu rosto, minha coluna e meu pescoço se oprimiam em resposta da força que ela empregava em seus movimentos. E quando eu fazia o contrário, meu rosto e meu pescoço pagariam pelo prêmio. E se eu me desse ao luxo de tentar tirar os tentáculos sujos de meu pescoço, eu sofria um impacto muito maior em ambos os lados do meu corpo.

Eu sentia os meus pulmões clamarem por ar.

Vitória havia descido com sua espada brutamente sobre Juliana Saraiva que possuía um ferro envolto de plantas em sua espada. Ela, porém, tinha total domínio sobre os conhecimentos de batalha, mas Vitória era uma guerreira imensamente maior. As sequências de golpes de Saraiva eram aparadas com certa dificuldade pela filha de Nikê, mas ainda sim suas lâminas curvas eram capazes de atacar e contra-atacar. Meus olhos quase semicerrados pela dor privava-me de visualizar tudo o que acontecia em volta, porém, depois de ver um corvo de olhos roxos planarem sobre mim, a última coisa que vi antes de tomar uma atitude foi Vitória retirar sua adaga e desferir um corte no rosto da filha de Deméter.

Passei a mão sobre meu cinto e encontrei a adaga a quão tanto apreciava. Ela por sua vez me serviu de forma imensamente vantajosa, pois assim que a retirei de onde estava – da cintura - eu lancei-a contra os cipós podres das plantas que me apertavam com afinco. Elas, porém não tiveram qualquer chance contra o bronze celestial que cortou cada uma com muita facilidade. A superfície afiada nem ao menos fez esforço, e logo as cortou como se fossem nada. Fui capaz de respirar fundo quando os tentáculos se dissolveram sobre meu pescoço e meu pulmão se encheu de ar novamente, meu peito voltou a palpitar com movimentos monótonos. Quando eu achei que estava totalmente livre das garras dela, cai desgovernadamente no chão e assim que vislumbrei a segunda planta, uma saraivada de tentáculos afiados veio em minha direção. Teria sido meu fim, certamente. Isso se, as flechas explosivas não tivessem explodido. Os restos das plantas voaram para todas as direções.

Novamente meu corpo se projetou para trás com o impacto da explosão. Por sorte consegui proteger meu corpo, entretanto, meu braço sofrera um pouco do impacto da explosão. Justo aquele mesmo braço que estava enfaixado, quiçá; não tê-lo danificado mais do que já estava.

Meus dedos se mexiam livremente e isso era um alivio. Após me certificar que todos os meus dez dedos das mãos estavam no lugar, à única preocupação era o pano que protegia o corte da harpia estava todo despedaçado.

Desviei meu olhar um segundo e tentei me levantar. Apoiei-me com a mão na parede, e então, notei Juliana Saraiva sobre Vitória com uma adaga. Parece que a filha de Deméter tinha se aproveitado da explosão para dominar Vitória, e por puro azar da filha de Nikê ela tinha conseguido.

– Largue as armas. – Saraiva disse.

– Claro que não. – Óbvio que não entregaria meu arco dourado pra ela assim tão facilmente.

– Se não soltar ela vai morrer agora, babaca. – Quem diria que a “semente” mostraria suas garras tão cedo.

– Ah, tudo bem. – Um riso discreto surgiu nos meus lábios. – Só me dê uns segundos pra eu desabotoar as coisas nas minhas costas.

– Qual é a graça?

– Nenhuma, só estou vendo como Vitória foi submetida. – Eu a olhei. – E ainda fala que é filha de Nikê?

– Então parece que sua mãe te traiu queridinha. – Saraiva a caçoou.

– Ainda não acabou. – Vitória disse.

– Não? Se eu quiser isso acaba agora.

– Desculpa, mas você perdeu.

O sorriso triunfante de Saraiva se desfez com a pancada de uma panela se chocando com a sua cabeça. Thay, a filha de Tique apareceu nas costas dela com o instrumento em mãos. Mais que raios de Zeus ela estaria fazendo com uma panela na mão? Além disso, ela tinha um longo colar roxo que cintilava em seu pescoço. Tive a sensação de que ele brilhou quando meus olhos penetraram o interior da pedra roxeada, e que eu já tinha olhado algum orbe daquela cor. Acredito que seja algo da minha cabeça.

– Por que está com uma panela na mão? – Franzi as sobrancelhas.

– Tivemos alguns probleminhas lá na cozinha do andar de cima, parece que dois daqueles renegados não acordaram tão cedo. – Ela sorriu. – Cheguei na hora certa, pelo jeito.

– Sim, que sorte a minha. – Vitória se levantou.

– Essa coisa de sorte está no meu sangue.

– E cadê o resto do pessoal que ficou com você?

– Tivemos que nos separar faz algum tempo já, acredito que eles tenham alcançado Letkaske. – Ela arremessou a panela para o chão. – Estávamos quase lá, sério mesmo, mas ai apareceu esses idiotas e tivemos que recuar. Vinicius e Mama ficaram juntos, quanto a mim, bem, tive a sorte de vir parar aqui.

– E coloca sorte nisso. – Espremi um sorriso sínico. – Vitória apanhou legal.

– Apanhei? Culpa das suas flechinhas explosivas nas horas erradas... Bom saber que me deixaria morrer, heim senhor Lyu,

– Qualé, eu só não entreguei por que vi a Thay atrás de você. Sem ressentimentos vai...

– Aham, tá bom... Pelo menos essa. – Vitória colocou o tênis e virou o corpo. – Vai ficar fora do ar por muito tempo.

Nossa equipe agora estava mais do que nunca fortalecida. Thay, a filha da sorte. Vitória, a filha da Vitória e eu, o filho de Apolo. Pois é, tínhamos a sorte e a vitória juntas no mesmo time, o que poderia dar errado? Descemos mais escadas e subimos a quantidade, várias curvas e vários corredores retos. Em grande parte deles nos deparamos com mais alguns monstros de chifres, porém, não demoramos muitos para manda-los para o tártaro. A lâmina de Thay ficou suja de sangue.

Quando viramos a quinta curva – e passamos por três portões de aço, cujo acesso só era possível pelo nosso cartão – aquele mesmo que achamos dentro do laboratório. Paramos na frente da porta do elevador que apenas descia para o quinto e último andar, e foi quando as boas notícias vieram. Um barulho abafado começou a ecoar de forma irritante. Como se fossem comunicadores que estivessem tentando transmitir alguma mensagem, e justamente à mensagem que queríamos ouvir. Demoramos um tempo para percebemos que os transmissores nas toucas dos trajes estavam ligados, e Thay teve de ativar o camuflador para que pudesse escutar a mensagem.

– Alô? Alguém? Alguém?

– Thay? Onde você... Thay? – Era Vinicius.

– Vini? Estou aqui, Onde vocês estão? – Ela respondeu.

– Agora sim, estou te ouvindo. Estamos com Letkaske, ela está inconsciente.

– Tentem pegar o elevador para o quarto andar, estamos bem a diante da porta dele. – Ela se esgoelou. – Estão me ouvindo?

– Sim, espere... Achamos o elevador, fique ai.

O tick do elevador abriu-se no momento que o número quatro sobre a porta brilhou. Vinicius, Fredini, Guilherme, Mama e Letkaske, todos juntos reapareceram são e salvos. Letkaske era a única que estava com uma pele pálida, mas seu cabelo negro a fazia um cosplay cansado de a branca de neve. Guilherme era o mais forte entre nós, e ele era capaz de levar a garota inconsciente nos braços sem fazer muito esforço.

– Cara, achei que nunca ia conseguir sair daquele labirinto lá em baixo. – Vinicius disse.

– Mano, eu acho melhor comemorar depois que sairmos daqui. – Era ruim dar más notícias, mas teria de ser feito por mim. E eu realmente estava certo. Comemorar antes de o campeonato acabar seria um problema grave.

Seguimos o mesmo caminho que viemos, mas assim que estávamos na ponta do corredor, novamente o elevador se abriu – Apolo e Julia saíram dos mesmos. Aceleramos o tanto que podíamos. Todos corriam o máximo possível para alcançar as próximas entradas, escadas, e portas de aço – isso que nos separaríamos deles. Uma flecha passou por entre a cabeça de Guilherme que chegou a arrancar um pouco de fios de cabelos castanhos, e depois veio o estrondoso raio de Julia. Quando chegamos à primeira porta de aço que dobrou a primeira esquina após uma longa e tortuosa descida de escadas, Vitória usou o cartão de acesso para conseguirmos entrar. A porta se abriu e um por um, passamos. Entretanto, eu saquei meu arco e regozijei uma flecha e fiquei de prontidão no meio da porta – ela não fechava e nem abria. Usei de minha mira uma aliada, e quando Apolo desceu o último degrau, cerca de vinte e cinco metros de mim, eu atirei a flecha.

Sai lentamente com o corpo no meio do aço e vi a flecha dançar sobre os ares em busca do alvo. O corredor, porém, era um pouco maior que os outros – dois metros de largura. A porta se fechou e eu não pude ver o resultado final, e tampouco queria. Mas, eu tive extrema certeza que Apolo era o garoto que um dia invadiu meus sonhos e me atribuiu o apelido de Legado. Será que ele seria esperto o bastante para desviar da minha flecha? Ou melhor, seria ele esperto o bastante para saber que aquela flecha abriria o mecanismo de defesa e uma fina e resistente rede o prenderia com Julia? Acredito que sim, mas torcia que não. Talvez essa resposta eu não a teria. Não agora.

Assim que olhei para frente notei que meus companheiros já estavam no final do corredor – isso é o companheirismo, me esqueceram, tsc. Tsc.

Eu teria que os alcançar se caso quisesse sair dali com vida, e nossa como eu queria! Coloquei meus pés a correr, mas, no mesmo instante que fiz isso; Caique, o filho de Hermes dobrou o corredor lateral que estava logo na frente – eu nem tinha percebido dois corredores laterais naquele lugar se não fosse por ele. Um na direita e o outro na esquerda. Deduzi que eles claramente já estavam cercando o perímetro, e quando Caique começou a correr atrás dos meus companheiros sem perceber a minha presença, eu retirei a adaga e fui atrás do mesmo.

O cabelo negro do renegado corria por todo o vento como se fosse tão livre, leve e solto. Eu estava bem atrás do mesmo, e para que ele não me visse eu contornei toda a lateral da parede e fiquei sob o teto – novamente de cabeça para baixo. Continuei correndo o tanto que podia, e quando o mesmo parou em um cruzamento de quatro corredores – um na direita, esquerda, na frente e o que tínhamos vindo. Ele parou bem a abaixo de mim intrigado com o barulho que estava somando aos passos dele.

– Mas que droga é isso? – Ele questionou a si mesmo.

Fiz o mínimo barulho possível para aplaca-lo em minha flecha mortífera. E quando a saquei, ela se jogou ao ar – em direção dele. Para o meu azar uma garota de cabelos loiros e olhos azuis se arremessou entre ele e a flecha. Perin, no último segundo conseguiu empurrá-lo para o lado – ela vinha do corredor da direita – e ambos caíram no chão. Salvos.

– Oh sua mula, olha pro teto. – Agora entendo as queixas de Débora contra Giovana.

– Mula é seu pai aquele trabalhador do sedex. – O garoto disse.

Irmãos... Como é bom observar uma briga saudável entre eles. Dessa vez, porém, eu aproveitei desse momento familiar e corri. Eu sabia que eles não demorariam muito para irem atrás de mim, por isso, acelerei o tanto que podia. No fim do corredor um elevador que só atendia para o quinto andar estava bem à frente dos meus olhos, mas ao lado, duas escadas que também davam acesso para baixo dividiam minha escolha. Talvez, escolher o modo mais óbvio seria um erro tão fútil quanto se matar, e então, o elevador realmente seria um problema. Meus companheiros haviam descido. E só havia essa opção, mas por qual lado seria o mais fácil para encontra-los?

Os passos e gritos crescentes mostravam que os dois filhos de Hermes estavam muito perto, e quando pude vê-los, adentrei a escadaria de incêndio e desci pelo lado canhoto. “Pior que tá não vai ficar, Lispector Tiririca.” Descendo os degraus de três em três, ainda conseguia arrancar risos de mim mesmo com pensamentos idiotas. Sim, eu tinha mania de falar sozinho às vezes. Bem como, achar que nunca estou só. Ah, como é que eu posso colocar da maneira correta? Sabe aquela sensação de que alguém vai sair do mato e gritar “ha ie ie” com uma câmera e microfone olhando pra sua cara dizendo que foi uma pegadinha? É, pois é. Eu tinha essa sensação de que minha vida era uma série de televisão. Quem sabe daqui um tempo eu possa escrever uma história, cujo nome seria... Legado de Semideuses? É possível.

Estive tão ocupado em não ser perseguido que mal notei as várias portas que o quinto e último andar exibiam. E quando cai em si, percebi uma porta entreaberta, furtivamente adentrei-a e encostei da mesma maneira. Lentamente fui me afastando sem tirar os olhos da porta. Tal que; um passo atrás do outro, salpicado com o mínimo de barulho e munido de uma sutil pisada silenciosa. Duas sombras se projetaram bem à frente da porta, e logo tornaram a desaparecer sobre a incerteza da minha localização. Menos mal, eu soltei um longo e exasperado suspiro.

– Isso não foi tão difí... – Meus pés se enroscaram em fios e perdi o equilíbrio.

A poeira se levantou conforme meu corpo reproduziu um baque seco no chão. Meu nariz se acomodou com tamanho pó, e uma série de espirros começou. Assim que me levantei coçando as narinas, me deparei com uma longa caverna sobre aquele teto rochoso. Como eles poderiam ter criado tudo aquilo? Pensei, mas, o pior ainda estava por vir.

Inúmeros tubos enormes se prendiam a vários fios que tinham tanto nos chãos como no teto. Eram espécies de prisões, ou, experiências. Todos tinham águas borbulhantes conforme eu passava, e, após chegar próximo de alguns deles – os milhares – eu percebi que neles havia adolescentes seminus. Fiquei completamente sem ter o que dizer, era tão assustador quanto desrespeitoso. Como eles poderiam manter adolescentes dentro de tubos de experimentos em baixo da terra? Qual tipo de ser humano – monstro – estaria articulando tudo isso?

– Oh... Claro, por que não pensei nisso antes? – O rosto de Vitor Mesquita veio em minha cabeça como fonte de culpa. – Ele estava falando algo sobre isso com a Ortiz, tenho absoluta certeza.

Era óbvio! Porcaria, ele estava por trás daqueles experimentos, afinal, ele era o braço direito de Anna. Bem, acredito que isso não seja hora nem lugar, até por que, meus pés estão prontos para dar o fora daquela sala. Virei-me de costas e um sutil barulho de respiração abafado transbordou bolhas sobre um dos tubos. Voltei minha atenção para eles, o silêncio reinou sobre a oca caverna. Eu, contudo, curioso, atravessei um por um, até chegar na quarta fileira dos tubos – haviam mais de dez fileiras – e me pus a observar a garota que estava lá. Ela possuía traços angelicais, tais como seus cílios completamente claros e perfeitos. Cabelos claros, tão loiros da tonalidade dos meus. Ela estava presa dos pés aos braços, e a única forma de vida dela seria o cano respiratório que lhe dava oxigênio. Aproximei-me mais focando meus olhos totalmente nas feições dela, parecia que ela sofria por esse castigo á muito tempo. E, quando encostei os olhos no tubo, os da garota se abriram.

[...]

Eu não tive certeza se tudo aquilo fazia parte dos planos deles, mas resolvi ignorar e fechar a porta – a tranca travou. Os olhos que me encaravam vinham em minha cabeça em forma de penitência por não tê-la livrado dali, mas, não havia muito ao que eu pudesse fazer. Por isso eu optei em deixa-la da mesma forma que eu a encontrei, no final das contas, o problema não era meu.

Os corredores pareciam tão desertos quanto da última vez, e, eu tive certeza que teria que encontrar os meus parceiros logo. Se eles tivessem escapado, seria um problema cuja solução eu deveria me sacrificar para encontra-la – ou morrer tentando. Olhei de soslaio para a outra parte do corredor e identifiquei Vinicius olhando de um lado pro outro, confuso.

– Lyu, abaixe-se! – Ele gritou. Eu obedeci.

A faca arremessada passou por cima da minha cabeça no segundo seguinte que alcancei o chão. Vinicius, como eu o idolatrava por ter me salvado de uma facada nas costas, avançava com sua espada negra em punho em busca da pessoa que estava atrás de mim. Eu fiquei curioso em saber quem era o covarde, ou covarda, tanto faz. Vinicius era rápido, e quando ele simplesmente desapareceu – viajou nas sombras – reapareceu em direção das duas garotas que tinham aparado seus golpes. Millene Félix e Amanda Atanes; as duas com armaduras e espadas afiadas prontas para o embate.

Elas eram rápidas, e no instante seguinte desferiram golpes duplos contra Vinicius que se sumiu nas sombras. Ele, por sua vez, reapareceu ao meu lado. Se não tivesse feito aquilo ele teria sido facilmente subjugado pelas renegadas e sofria pelos golpes.

– Até que enfim pegamos esses desgraçados. – Perin proferiu do outro lado com Caique.

Lutar seria inutilmente uma opção bastante ridícula. Estávamos cercados, quatro contra dois, teríamos que fugir a qualquer custo. Os quatro eram fortes e bastante rápidos, e logo foram nos atacar de forma quádrupla. Fechei meus olhos pela primeira vez com a sensação de que não haveria saída. Dessa vez o garoto da profecia tinha falhado. E, talvez, nem seria eu o garoto escolhido – já que meus dias estavam perto do fim. Uma pontada apertou-me de forma intensa por saber que nem ao menos salvar Alinne eu conseguiria, mas tinha certeza que deveria encarar minha morte com honra.

Essa mesma honra que me fez sacar as adagas e deixar junto ao meu corpo, mas assim que olhei para frente, Vinicius havia nos jogado para o mundo das sombras e eu cai totalmente no tempo-espaço que nos fora submetidos.

Achei que essa gangorra nunca iria terminar. Sabe aquele brinquedo de gira-gira que se tem em alguns parques e te deixa muito tonto? Sim, eu me senti em um desses quando o enjoou atacou e minha cabeça começou a doer. O gosto de bile subiu até a minha garganta, mas consegui pará-lo antes de vomitar. Respirei fundo e tentei segurar minha cabeça – não que isso funcionasse – mas eu ainda sentia os giros atordoantes que não cessavam. Tentei ficar de pés, mas no mesmo instante fui ao chão. Já Vinicius, esse parecia bem acostumado e estava um tanto quanto desconfortável. Olhei para ele sem entender, depois ao redor.

O corvo que já tinha visto algumas vezes – uma na hora da muralha e no corredor – encarava-me do outro lado. Meus companheiros estavam ali, logo atrás de Vinicius. Todos encaram o corvo. Estávamos justamente na sala onze, e a estátua do deus mensageiro sublinhava a magnitude do seu poder. A estátua brilhava, eu imaginei. Entretanto, depois notei que era o colar de Thay que estava mostrando os raios arroxeados e brilhantes.

– Meus caros heróis semideuses! – Eu acho que ainda estava tonto por conta da viagem nas sombras ou simplesmente estava morto imaginando um corvo falante.

Subitamente ele abriu as penas e deu um giro de trezentos e sessenta graus. Este que começou a tomar forma de uma mulher na casa dos trinta anos, esplendorosamente equipada com um vestido preto brilhante e uma face jovial. Em sua mão direita tinha uma tocha, e do outro, seus anéis alinhavam-se em seus dedos. Seus olhos eram todos brilhantes e quando ela se movimentava, a magia que faiscava em pigmentos cintilantes a seguia de forma incessante. O seu capuz negro cobria boa parte dos cabelos negros que estavam trançados. Tudo indicava que ela poderia ser uma deusa!

– Estive há muito tempo procurando esse colar, mocinha. – A deusa apontou para Thay.

– Espera... Quem é você? – Thay rebateu de olhos arregalados.

– Quem sou eu? – Uma gargalhada áspera e divertida saiu da boca da mulher. – Quer responder? – Ela olhou para Fredini com um curto e sutil sorriso no rosto. Seus olhos estavam atentos para nós e esperava ansiosamente para que o garoto respondesse.

– É bom te ver, mãe.

– Isso é um sonho? Pegadinha do Olimpo? Hécate?– Segurei a blusa de Vinicius e levantei. – Velho, me belisca na boa, eu devo tá sonhado.

– Lyu, filho de Apolo. – Senti um calafrio percorrer minha espinha, a deusa se dirigiu a mim. – Os deuses vêm depositando uma confiança bastante crescente em você. – Ela desviou os olhos. – Eu particularmente não acho que seja o possuidor de tanta. De qualquer forma, vamos nos encontrar em breve.

– Vamos é? – Franzi as sobrancelhas.

– Pobre garoto. – Ela riu. – Não sabe o quão encruzilhado o seu caminho está. Terás que descobrir o caminho certo muito bem quando for à hora, mas, por enquanto, tenho outros assuntos importantes.

– Tipo esse colar? – Fredini puxou do pescoço de Thay, ela esbravejou.

– Sim.

– O que tem de tão importante nele, mamãe? – O sorriso malicioso percorreu os lábios do mágico. Tal que, ele retirou a cartola de sua cabeça e jogou o colar adentro.

– Vejo que anda se aperfeiçoando com sua magia. – Eles se encararam intensamente. – Entretanto, mesmo sendo meu filho não vejo motivos para dividir essa informação com um mero semideus. Entregue-me, e talvez eu pense em não transformar seus amiguinhos em rãs.

– Bem, se fizer isso nunca o terá. Só os filhos dos deuses podem entregar os artefatos mágicos para eles. Nunca podem pegá-los diretamente, acredito que já esteja nos vigiando á um bom tempo. – Fredini deu de ombros. – E, como pode ver estamos cercados.

– Sim, os renegados estão com todas as saídas bloqueadas.

– Podemos fazer um trato mamãe, ou então, vai ter que achar outro filho para te ajudar com isso.

– Um trato?

– Sim, tudo que estou pedindo é um trato. Uma saída dessa porcariazinha de lugar. – O filho da deusa Hécate entrelaçou o colar nos dedos. Era tão lindo ver o amor entre mãe e filho.

– Acredito que isso é justo.

A tocha em sua mão ganhou uma forma mais viva, e quando tentei enxergar através dela, ainda mais brilhos ganharam muitas imagens. Caminhos, inúmeras portas e corredores. Todos iguais. Todos aleatórios e diferentes destinos. Por qual ir? Qual decidir? Chacoalhei meus olhos e assim que voltei a olhá-la duas portas douradas apareceram.

– Eis duas portas mágicas. – A tocha ganhou vida e ficou suspensa no ar. – Vocês terão duas escolhas; uma dessas portas leva diretamente para o acampamento, a outra... – Ela sorriu de forma maléfica.

– A outra? – Guilherme tentou dar ênfase no perigo. Letkaske estava menos pálida e parecia que estava um pouco mais legalzinha do que antes, porém, os olhos estavam fechados. Contudo, viva.

– Sem falatório, me entregue o colar e escolham!

– Thay, é contigo...

Fredini entregou o colar para sua mãe com certo receio. Mas, não havíamos tempo para tal desconfiança. Sabíamos que os renegados entrariam naquelas salas em breve e, desperdiçar tempo não era nosso interesse. A não ser pelo simples fato de que; uma porta errada poderia nos levar para a morte. Thay, a filha de Tique indicou a porta esquerda como portão principal do Acampamento Meio-Sangue, e, não havia motivos para questioná-la. A sorte teria que estar em nosso lado. Ela, porém não foi a primeira a passar, mas sim, Vitória. A garota sumiu em meio ao véu mágico de Hécate, esta que estava tremeluzindo suas faces severamente intrigantes; poderia ter nos enganado? Guilherme esbravejava com certo receio, mas logo tomou Letkaske novamente em seu colo e atravessou a porta logo atrás de Fredini. Só havia sobrado Mama, Vinicius, Thay e eu, mas, esse número se reduziu quando Vini passou. Mal sabíamos que ele seria o último a passar, pois a porta tinha sumido.

– Uool, que merda é isso? – Eu olhei para a deusa no mesmo minuto. – Por que ela sumiu?

– Acho que me esqueci de mencionar que só poderiam passar quatro. – A deusa se controlou para não rir.

– Tá de brincadeira né? – Thay esboçava raiva. – Por que diabos não falou antes caramba!

– Tenha bons modos ou desejas-te passar um tempo em uma dimensão totalmente isolada? – Ela nos deu as costas. – Vocês ainda possuem uma porta. Será que tem coragem de descobrir o que tem do outro lado ou irão ser mortos pelos seus amiguinhos renegados? Têm dez segundos para descobrirem o destino de vocês três.

– Mas espera ai...

As palavras de Mama alcançaram o nada. Hécate se transformou em um corvo novamente e simplesmente sumiu por meio de um portal. Não havíamos o que perder se escolhêssemos aquela porta – a não ser a vida – mas naquela altura, se ficássemos também morreríamos. Respirei fundo e coloquei a mão na maçaneta. O suor de meus dedos palpitava ainda mais meu coração de forma alarmante, e quando fui me dar conta de mim mesmo, já tinha adentrado ao dourado esplendoroso que me engoliu.

(...)

Um rugido fora abruptamente colidido com o meu corpo e um urso corpulento caiu sobre mim com os dentes e garras prontas para me matar. Imóvel; totalmente sem saber o que fazer e com uma centelha de surpresa pelo que a deusa havia proporcionado, esse era eu. Olhei-o nos olhos e o notei totalmente inerte, petrificado. Um líquido avermelhado deixou o chão da caverna totalmente sujo de sangue, uma grande poça se formava. Isso só poderia significar uma coisa, e eu fechei meus olhos para aceitar o Hades. Meus membros formigavam com a pressão do corpulento e animal paralisado. E logo notei meu corpo que estava começando a ficar quente pelo sangue que encharcava a minha roupa. Como eu fui tolo o bastante para confiar em uma deusa que só queria brincar com meros semideuses, como ela mesma falou.

Os outros tinham sido levados para o acampamento, e eu, para a morte? Droga! Droga! Gritaria mil vezes se fosse capaz, contudo, ninguém seria capaz de me ouvir. Seria melhor aceitar definitivamente meu destino.

– Já era sem tempo, Lyu! – Uma voz. – É um alívio te encontrar vivo seu atrapalhão. – Abri os olhos com certo receio do que veria. – Eu sabia que você encontraria uma maneira de nos ajudar com a Hermix. – A sombra rolou o urso ao lado e ele caiu ao meu lado. Havia uma flecha em suas costas. – Levanta que tá na hora da ação! – E Vinicius Martinato me deu a mão.


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