As sombras da casa 13 escrita por Tainá de Andrada


Capítulo 1
Capítulo 1: O segredo




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INTRODUÇÃO

"Extra, extra... Mais uma jovem na cidade de Lynchburg é encontrada banhada em sangue e, assim como as outras, com um sorriso no rosto. Detetive afirma que se trata de um serial killer e já começa as investigações"

— Tão jovem... Uma vida inteira pela frente... Por que, Deus?! — a mãe da jovem, que era conhecida como Jane, dizia entre um soluço e outro.

— Nós da escola Bedford Hills lamentamos a sua perda, senhora Martinez. Janeth era uma aluna exemplar, fará muita falta para todos nós... — sussurrou o diretor Harris para a mulher histérica enquanto tapeava de leve suas costas.

"Quando essa palhaçada vai acabar? Eu realmente estou cansado, tive um longo dia. Pra quê ficar gastando tanto tempo pra enterrar um corpo frio e sem vida? Ela nem está mais ali... Na verdade, ela nunca esteve. Por isso eu... bem... eu fiz o que fiz."

(...)

A chuva caía em minha janela e eu a observava fixamente enquanto me cobria com meus próprios pensamentos.

Aos meus 10 anos vi minha mãe ser morta pelo meu próprio pai e só não fui mais uma vítima porque ele deu um tiro em sua cabeça assim que percebeu a merda que tinha feito.

Após o fato, nenhum familiar quis ficar comigo, e por isso, fui mandado para um orfanato onde eu era conhecido como “peste” —por nunca conseguir ficar mais de um mês com uma família.

Mas tudo mudou quando com 12 anos conheci Emily. Uma jovem que descobriu aos 23 anos que nunca poderia ter um filho e para consolar-se, adotou um no ano seguinte, que (in)felizmente morreu com três anos devido a uma pneumonia.

Três anos depois, ao visitar nosso orfanato, fui avistado. Algo aconteceu, ela viu que eu não era como nenhuma outra criança daquele lugar — e dos outros— e, sem hesitar, Emily me levou para sua casa.

No começo eu fui resistente — como sempre fui em todas as outras famílias —, mas… Ela era diferente. Dona de uma delicadeza nunca vista por mim, Emily foi conquistando minha confiança e admiração ao longo dos anos. Sou obcecado por essa mulher, essa mãe que nunca tive, a ponto de fazer qualquer coisa para ver aquele sorriso frouxo e iluminado.

(...)

Desde que me conheço por gente odeio segunda-feira. Mas não hoje, ah, hoje é um dia especial. Ontem a menina Jane foi enterrada e assim, a escola fechou por três dias em luto. Logo, três dias de descanso, sem ver aquelas pessoas estúpidas e fúteis.

— Charles, você poderia vir aqui um minuto? — a doce voz de Emily soava crespa e sem qualquer alegria.

Desci rapidamente as escadas e a encontrei de braços cruzados, sentada na poltrona com uma expressão séria. Seu cabelo ruivo e curto estava preso em coque, sua pele parecia oleosa e suas olheiras mais profundas que o normal.

— O que aconteceu? — perguntei, mesmo já sabendo a resposta.

— Charles, você não consegue entender? Querido, nunca — ela enfatizou o 'nunca'— faça parecer um homicídio, meu bem.

— Desculpe-me mãe, eu não fiz por mal… Mas uns homens apareceram e eu tive que correr.

— Eu te desculpo, filho. Mas toma cuidado! Eu não tô afim de me mudar de novo. Você está?!Homicídios causam perguntas, dúvidas e medo. É isso que você quer? Quer que eles entrem aqui em casa e vejam o quarto secreto? — ela me olhou e desviou o olhar assim que notou minha expressão ao imaginar o que poderia acontecer se alguém visse o quarto.

— Isso não vai se repetir. Eu prometo.

— O jantar está pronto. Vai querer? — sua voz voltara a ser doce e macia, como se nada tivesse acontecido.

— Agora não, vou dar uma volta... Guarda pra mim.

Vesti meu casaco e caminhei até a praça que ficava perto de minha casa. O vento batia gélido em minha pele enquanto sentado em um dos três bancos eu observava as folhas se arrastarem pelo chão.

Todas secas, sem vida.

Feias.

E a pensar que um dia embelezaram uma árvore qualquer...

— Oi?!

Uma voz surgiu do silêncio confortante que dominava-me naquele momento. Em reflexo, fez com que eu me levantasse e assim, ver a imagem que deve ter aparecido ao meu lado minutos antes que sua voz o fizesse.

Percorri meus olhos por todo seu corpo demonstrando indiferença. Notei seus cabelos longos e loiros, desenhados em cachos largos que se quase mal podiam ser notados em uma boina vermelha. Seus olhos eram arregalados e cinzentos, pude até ver a maneira como refletiam o brilho da lua. Sua silhueta era marcada em um jeans surrado e um moletom velho que ela devia usar para esconder-se.

Ela parecia estar ali a um bom tempo e eu sequer a havia notado até tal momento.

— Ah, oi...

Voltei a encarar o chão como se nunca tivesse reparado sua presença.

— Qual o seu nome?

— Charles.

— Ah... O meu é Violet. — murmurei qualquer coisa e voltei aos meus pensamentos até ela decidir me interromper novamente — Você mora aqui a um tempo? Eu sou nova... Moro naquela casa roxa, de porta branca. Você conhece? Conheceu os antigos moradores?

— Quê?! Ahn, moro a um bom tempo. Sim, conheci. — virei os olhos torcendo para que ela fosse embora — Boa sorte por aqui. Com certeza vai se enturmar. Temos muitas pessoas falantes como você por aqui.

— Eu... — ela me olhou por uns segundos, senti como se minha pele queimasse — Ah, quer saber?! Vai se ferrar.

Eu me virei para ela, surpreso por sua reação e mordi os lábios, quase como se quisesse segurar as palavras.

— Por que está tão nervosa? — finalmente falei.

Ela me ignorou, olhando para um livro que estava em suas mãos.

— Ah, entendi... Agora você quem vai me ignorar. Tudo bem. Chamo-me Charles, tenho 17 anos e moro na casa 13, aquela que é de frente para a sua, caso não tenha notado. Costumo ser evitado por todos dessa cidade, por isso não sei muito bem como fazer isso. Estudo na Bedford Hills, estou no último ano. E não tenho amigos por aqui. — assim que terminei de falar,me virei para ela e bufei ao ver que ela não me observou nem pelo canto dos olhos, como se eu não estivesse ali.

Bufei e me levantei.

— Ei. — ela me chamou.

— Ué, decidiu falar? — debochei.

— É. Você não tava merecendo, mas decidi. Não sei porque também.

— Deve ser os meus olhos.

— Vai pra casa agora? — ela me ignorou.

— Sim. Por que?

— Pensei em, sei lá, talvez você me mostrar o lugar. Ou não.... Tanto faz.

— Pode ser.

Fiz um sinal para que ela me seguisse e a guiei pelo pequeno bairro.

— Bom, chegamos em casa... Espero que tenha gostado do tour.

— É verdade aquela história da menina que foi morta aqui? — ela arregalou os olhos, que sorriam de uma maneira esquisita.

— Sim... Eu fui no enterro dela ontem. E foi um saco, se quer saber. — aproximei meu rosto dela com um sorriso doentio e sussurrei — Mas tudo tem um lado bom…

— Ah, tá falando das aulas né?!

— Ahn... É. Disso mesmo que estou falando....

— Sorte a minha! Odeio primeiros dias de aula, escolas novas. Odeio pessoas, alias. Talvez por isso tenha vindo falar com você. Na verdade, ainda não descobri. Enfim, tchau. — ela acenou e foi saltitando para a casa.

— Tchau — sussurrei, ainda confuso com tudo o que acabara de acontecer.

(...)

“Violet. Quem é Violet? Quem é essa menina? Por que, Charles?! Por quê ela?” Ela me perguntava, confusa, enquanto eu a observava completamente imóvel “Me responde... O que ela fez com você? Você nunca esteve assim...” ela me olhava, de longe e, conforme eu me aproximava dela, a imagem ia se distorcendo e se transformando em outra coisa... Um homem alto, vestindo roupas rasgadas e velhas e com os olhos confusos e vazios aparecia na minha frente, como se já estivesse ali por um bom tempo. Talvez estivesse. Me aproximei ainda mais e reparei em seu rosto. Lembrei que o conhecia de uns tempos antigos, sua lembrança era como um borrão, um flash, em minha mente. “Pai?” assim que terminei de perguntar o homem me viu e apontou uma arma para minha direção com um sorriso psicótico, sussurrando “Vim terminar o meu trabalho, querido”. Apertou o gatilho.



O suor escorria por toda minha testa e mãos. Com o coração batendo forte em meu peito, tudo o que eu podia pensar era naquela cena, do meu pai voltando para me matar e assim, terminar o seu “trabalho”. Afinal, por que diabos aquele infeliz de merda fez isso? Joananão era do tipoinfiel, aliás, pelo pouco que me lembro, ela costumava ser uma boa mulher.

Lembro-me vagamente de acordar nas manhãs de domingo com o cheiro de biscoito e panquecas, que me faziam levantar rapidamente da cama até mesmo nas manhãs mais frias.

Para. Apenas pare, Charles. Seu terapeuta te disse pra não fazer isso. Para de querer lembrar, esquece isso. Tranca a mente, não pensa. Vai pra outro lugar, pensa em outra coisa...

Tentei me segurar mas um grito escapou por entre meus lábios e ecoou pelo quarto frio e escuro. Ouvi os passos corridos de Emi até a minha porta, seguido de três batidas fortes.

— Pode entrar. — minha voz soou rouca

— Filho, você está bem? — os olhos de Emi estavam arregalados e sua pele estava tão pálida quanto o rastro de neve que caia sobre a minha janela.

— Estou sim. Foram só... Você sabe, os pensamentos. Eu não consegui controlar e acabei perdendo o controle. Gritei pra extravasar o sentimento, como você mesma me ensinou... — olhei fixamente em seus olhos — Me desculpe por tê-la assustado, mãe. Não foi de propósito.

Ela passou as mãos nos cabelos e depois as apoiou em seu colo, cruzando-as. Sua expressão mudara completamente de preocupada para cansada, talvez por eu tê-la acordado no meio da noite com meu berro sem sentido. Mal calculado, Charles, mal calculado...

— Enfim, tem certeza que está bem? — ela me perguntou arqueando a sobrancelha esquerda e inclinando levemente o rosto para frente (uma expressão que ela costuma fazer quando está desconfiada de algo).

— Sim mãe, estou.

— Bom, então vou dormir. Boa noite meu anjo. — ela se aproximou de mim e se inclinou para beijar a minha testa.

Sorri.

— Boa noite mãe.

Passei a noite em claro, lutando contra meus próprios pensamentos. Quando tudo ocorreu, o que me ensinaram foi a evitar pensar nisso. E, bom, é o que tenho feito todos esses anos. Mas, ás vezes as lembranças aparecem de maneira quase que inevitável, como se quisessem me avisar de algo. Como se quisessem ser lembradas. Como se minha mente falasse para mim que algo está errado, alguma peça desse quebra-cabeça que é a minha vida se perdeu em meio a toda a bagunça e eu não percebi os detalhes que estavam ali na minha frente.

Acho que talvez eu não seja tão mal assim como dizem, talvez eu só seja, sei lá, incompreendido.

(...)

— Ele precisa saber, Emi. Não podemos mais esconder isso dele. — a voz era quase inaudível do corredor, onde me escondia e espionava a conversa de Emi e uma figura que se cobria com um longo casaco e capuz, impossível de ser reconhecido.

— Por favor, saia. Você sabe que não deve vir aqui! — Emi parecia tensa, sua mão tateava o grande móvel que estava ao seu lado, como se procurasse algo, mas seus olhos eram fixos na figura.

— Eu não posso mais me esconder. Prometo não machucá-lo... — a voz soou trêmula, comose não acreditasse no que acabara de dizer

Emily se aproximou da figura, seus olhos pareciam completamente negros, — como uma vez vi em uma série de horror — mas provavelmente era a iluminação e o meu pouco alcance da cena.

— Eu não confio em você. — sussurrou Emi com os dentes serrados, sua voz pareceu agressiva e feroz — Saia daqui. Ou terei que usar minha força. Seu caçadorzinho de merda! Você é um lixo, não merecia estar vivo... Uma vergonha! — ela aumentou o tom e com os olhos fixos na porta usou as duas mãos para tapar a boca.

— Você sabe que eu não vou desistir tão fácil assim. Vadia. Assim que o verão chegar, e você estiver vulnerável, eu virei. — ele se aproximou de Emi, meu sangue ferveu e eu me preparei para atacá-lo — Adeus, Emily.

Antes que eu pudesse soltar o ar de alívio a figura saiu pela porta quase como um vulto.

Em passos delicados, fui andando pelo corredor até o meu quarto, segurando a respiração para que Emi não percebesse minha presença.

— É muito feio espionar, Charles. — Emi surgiu atrás de mim como um vulto e meu corpo todo estremeceu.

—E-eu não estava. Peguei um. Um copo de água. — me embolei tentando explicar o que fazia ali. Emi lançou o olhar desconfiado em minha direção.

— Eu sei que estava. Vem aqui, acho que tenho algo a te contar.

Caminhamos de volta até a sala, sentei-me na poltrona e Emi puxou uma cadeira em frente a mim.

— Filho, não sei por onde começar...

— Como assim Emi? Do que você tá falando?

— Existe muita coisa que você não sabe sobre a vida. Sobre nós.

— Nós quem Emi? Sério, você tá me assustando.

— Esquece, eu não consigo. — ela jogou o corpo para trás e bufou

— Para logo com isso e fala. Você sabe que eu odeio isso Emi. Agora você já começou a falar!

— Ok. Você já viu filme de terror, não é mesmo?

— Já. O que tem? — arqueei uma das minhas sobrancelhas

— E se eu te dissesse, que existe um mundo. Ou melhor, um submundo, onde existem certas raças, criaturas ou seja lá o que você queira chamar. — ela me observou com um olhar inocente, esperando uma resposta minha

— Eu ia falar que você tá chapada. — respondi, rindo

— Charles, tô falando sério. — ela respirou fundo — Nós somos desse "submundo". Eu e você.

Me levantei da poltrona e segui até a porta que leva ao corredor.

— Desculpa mãe. Não dá, serio. Vou dormir. — me virei e dei um beijo leve em sua testa — Por favor, toma seus remédios. Eu te amo, mas não tô bem pra isso, ok?!


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