A Garota do Cabelo Lavanda escrita por Chibieska


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Agradeço a todos que leram, comentaram, favoritaram e afins. O apoio de vocês é muito importante.

Tema: Mãos



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LUZES DE VERÃO

“Você está bem?” Miyako perguntou, encarando Ken que estava em pé ao lado dela.

“Sim, obrigado.” Ele respondeu sem mal olhar para a moça.

Inoue Miyako não ficou satisfeita com a resposta, mas não podia obrigá-lo a responder. Fez uma careta e voltou a comer a espiga de milho que segurava.

Era verão e o centro de Odaiba sempre promovia um festival em comemoração à chegada da estação. Os digiescolhidos tinham combinado de irem juntos, mas para infelicidade de seus companheiros digitais, eles não poderiam comparecer em um evento público. Ichijouji ainda se lembrava da expressão nada satisfeita de Wormmon enquanto ele se despedia.

Na verdade, se pudesse o adolescente também não teria ido, mas Miyako foi tão insistente. Além disso, seu comportamento evasivo nos últimos dias estava começando a realmente preocupar os amigos. Então, mesmo não sendo fã desse tipo de evento, ele concordou em comparecer.

Havia várias barraquinhas e tantas pessoas que a rua principal não lembrava em nada o centro comercial que via diariamente. Havia lanternas de papel e bandeirolas expostas em toda extensão da rua, nos mais diversos formatos e cores. Havia música tradicional tocando em um palco no final da rua, que disputava com as vozes desafinadas das máquinas de karaokê ao ar livre. Era bonito, não podia negar, mas Ken não gostava de multidões. Sempre que passava por alguém, via com o canto dos olhos a pessoa virar a cabeça para encará-lo e cochichar com o vizinho se aquele não era o garoto gênio.

Miyako trajava um yukata amarelo com estampas de garças, calçava tamancos de madeira e o cabelo estava preso em um coque desajeitado. Depois de andarem pelos dois lados da rua, vendo todas as barraquinhas, experimentando os mais variados doces e se divertindo nas lojinhas de prenda, a jovem pediu arrego e foi se sentar na borda da fonte na praça do parque Odaiba. Quando ela finalmente se acomodou e removeu os tamancos, Ichijouji pôde ver os machucados por todo o pé e se surpreendeu que ela tivesse aguentado tanto tempo andando, enquanto o calçado lhe fazia bolhas enormes. Não entendia por que ela fizera questão de usar roupas tradicionais, enquanto eles usavam roupas comuns.

“Miyako-chan, isso está muito feio. Eu vou comprar uns band-aids para você.” Se prontificou Hikari, que parecia ser a única que realmente tinha noção da dor que amiga sentia, já que ela também calçava tamancos de madeira.

“Eu vou com você.” Ofereceu Daisuke.

“Isso não é necessário.” A garota lançou lhe um olhar reprovador, mas que ele fingiu não entender.

“É perigoso você ir sozinha. Além disso, Takeru pode ficar fazendo companhia para a Miyako.”

A moça dos cabelos violáceos revirou os olhos. Desde que chegaram, Daisuke procurava uma forma de ficar a sós com a Yagami. Não que fosse alguma novidade, ainda mais ali, onde havia dezenas de garotos que não paravam de olhar para ela. Diferente de Inoue, que parecia uma giganta desengonçada dentro de um quimono (cortesia de Daisuke), Hikari parecia uma daquelas pinturas de livros. Usava um yukata rosa com motivo floral. Andava graciosamente com os tamancos e nos cabelos trazia um prendedor de fazer inveja a qualquer gueixa. Ele passara a noite toda se oferecendo para comprar o que ela quisesse e se exibindo nas barracas de prenda, para receber aquele olhar entediado de ‘somos apenas amigos’.

No final, Takeru concordou em ficar em companhia de Miyako, enquanto Hikari e Daisuke iriam até a farmácia buscar os curativos. Iori estava sentado à esquerda de Miyako, brincando com um pedaço de papel, a menina estava entretida com sua espiga de milho e Ken estava em pé, a sua direita, tentando se manter indiferente. Mas Takeru percebia que ocasionalmente, o adolescente desviava os olhos para a garota ao seu lado e o rosto todo se contorcia de um jeito engraçado.

“Você vai me dizer por que estava agindo estranho?” Ela se fez ouvir em meio ao barulho, mas não olhou para ele, matinha os olhos na espiga, como se fosse a coisa mais interessante do lugar.

Ken engoliu em seco e enfiou as mãos nos bolsos da calça.

“Eu estava preocupado com a história das notas.”

“Ainda com isso?” Ela o encarou surpresa. O bullying sofrido por causa das notas acontecera fazia mais de um mês. Finalmente seus olhos se encontraram e ela pôde analisar suas feições. “Mentiroso.” Miyako o conhecia muito bem, sabia que ele nunca mentia e quando o fazia, era péssimo.

O adolescente sentiu-se horrível, detestava mentir, mas não podia simplesmente dizer a verdade, principalmente para ela. Não tinha certeza do que sentia e nem sabia como ela reagiria. Ele esperava que tudo passasse logo já que seus sentimentos não eram correspondidos.

“Eu vou comprar uns doces para o Patamon, quer ir comigo, Ken?” Takeru perguntou. Embora não fosse seu plano separar o grupo, tirar Ichijouji dali, mesmo que temporariamente lhe parecia uma ótima ideia. Desde o dia do metrô nenhum deles tocara mais no assunto, mas o irmão de Yamato suspeitava o que estava acontecendo, sabia que não podia fazer muito para ajudar, mas enquanto Ken não tomasse uma iniciativa, seria melhor evitar possíveis conflitos. Pediu que Hida fizesse companhia a menina e arrastou o ex-Kaiser antes mesmo que ele pudesse responder.

O garoto dos cabelos negros ficou esperando o loiro indagar sobre seu comportamento estranho, mas nenhuma pergunta veio. Tudo que Takaishi comentou foi sobre os doces que levaria para Patamon e que seria uma boa ideia levar doces para os Digimon de Iori e Miyako também. Os dois pararam em quase todas as barraquinhas, provaram vários tipos de doce e avaliaram quais seriam os mais saborosos para seus parceiros. Ken estava em duvida sobre levar ou não manju[1] para Wormmon, quando percebeu que Takeru não estava mais ao seu lado. Olhou para os lados e espiou a barraquinha vizinha, mas o garoto não se encontrava em local algum.

Saiu para o meio da multidão, tentando encontrar o amigo, mas percebeu que seria um esforço inútil, pensou em ligar, mas ele não conseguiria falar ao telefone no meio de todas aquelas pessoas. O melhor seria voltar para a fonte e esperá-lo lá, provavelmente, o loiro teria a mesma ideia. Começou a andar na direção que julgava a correta quando percebeu que não fazia ideia de onde estava. Em algum momento, eles deveriam ter saído da rua principal e agora Ken, no meio da multidão não tinha ideia de para que lado seguir.

Tentou diferenciar os rostos e ver se reconhecia alguém, mas as pessoas que passavam por ele tinham rostos sombrios e enigmáticos, como em filmes de terror. As pessoas pareciam gigantescas e ele sentia-se engolido pela terra. Fechou os olhos e respirou fundo. Só os abriu quando parte do terror que tinha por multidões tinha passado. Então começou a estudar as fachadas dos prédios por trás das barracas e se orientar por ai. Caminhou por um tempo até finalmente atingir a rua principal. Agora ele só precisava localizar em que ponto se encontrava e traçar a melhor rota para chegar até a ponte.

Foi quando sentiu uma mão envolver a sua e puxá-lo bruscamente na direção leste. Ia gritar com o estranho quando reconheceu o yukata amarelo que se movia desengonçadamente em meio à multidão. Miyako tinha os dedos enrolados nos seus e andava muito rápido, praticamente acotovelando os transeuntes. Ele podia sentir o calor que emanava dela, contrastando com suas mãos que estavam muito frias.

Ele ouviu um zunido cruzando o céu e ergueu o rosto a tempo de ver um brilho colorido pintando a noite. A queima dos fogos de artificio era o evento mais esperado do festival e Ken lamentou estar exatamente no meio da multidão quando eles começaram. Miyako parecia ter apressado ainda mais o passo, e apertava sua mão ainda mais forte, certificando-se de que não o perderia no meio do tumulto. Andaram mais alguns metros quando ela sentiu um puxão, olhou para trás e percebeu que Ken tentava arrastá-la para outra direção. Quando abriu a boca para dizer que ele estava indo para o lado errado, seus olhos se encontraram e ela pode ver que ele pedia um voto de confiança silencioso.

Ken arrastou Inoue para fora da rua principal e se embrenhou atrás das barraquinhas. Ele reconheceu pelas fachadas um prédio que passava em frente diariamente, que possuía um tablado mais alto que o nível da rua. Dali eles poderiam ver os fogos, não seria nenhuma visão extraordinária, mas melhor do que teriam parados em meio à multidão.

As explosões eram grandes, bonitas e coloridas. Ken não se lembrava de ter visto nada tão emocionante. Agora ele entendia porque as pessoas gostavam tanto de festivais. Miyako parecia totalmente absorta no espetáculo e sorria infantilmente. Só quando os últimos fogos, em forma de coração e flor brilharam no céu, que Ichijouji percebeu que eles ainda estavam de mãos dadas. Os dedos longos e quentes da mulher envolvidos nos seus dedos finos e gelados. Ele tinha medo que ela pudesse sentir seu coração bater desesperadamente através das mãos, mas não queria quebrar o contato. Encarava o elo e pensava no que seria melhor fazer quando a voz dela se sobrepôs ao barulho das explosões.

“Você está bem?” Saiu mais estridente que o normal já que precisava gritar para ser ouvida. Ken encarou-a sem saber o que responder, não sabia se a pergunta era referente à situação estranha que havia se instaurado entre eles. “Takeru-kun me disse que vocês acabaram se perdendo. Então saímos para te procurar.”

“Eu estou bem.” Respondeu. “E seus pés?” Gritou de volta para ela.

Miyako levantou a ponta do yukata e mostrou o pé coberto de curativos.

“Eu vou ficar bem.” Disse fazendo uma careta.

As mãos ainda estavam unidas e Ken pensava no que faria. Esperaria que ela as separasse? As separaria e pediria desculpas ou...

“Vocês vão ficar namorando aí até que horas?” A voz mal-humorada de Daisuke cruzou a algazarra da multidão.

Miyako se virou para encará-lo e instintivamente separou as mãos. Fez uma careta para o amigo e começou a provocá-lo.

“Está com ciúmes por que você nem conseguiu chegar perto da Hikari?” Não demorou nem cinco segundos para que os dois travassem uma daquelas discussões típicas que se estenderia por horas. Em pouco tempo, Hikari, Takeru e Iori os encontraram e tentaram, sem muito sucesso, conter os ânimos dos guardiões da coragem e amor.

Takeru entregou os doces extras que havia comprado para Iori e Miyako, todos se despediram e foram para suas casas. Ichijouji foi para a estação esperar o metrô que o levaria até seu apartamento. Enquanto aguardava o embarque, o jovem encarou sua mão, agora solitária e pensou se um dia elas seriam aquecidas pelas mãos de Inoue novamente.

=8=

Wormmon podia ser gabar de ser quem melhor conhecia Ichijouji Ken. O Digimon inseto o conhecia há muito tempo, e mesmo durante a época do Digimon Kaiser, ele podia ver a gentileza que existia em seu coração. Ele sabia muito bem como o garoto tinha receio de se envolver com os outros, com medo de perdê-los e sabia como ele temia as trevas que por muito tempo o dominaram. Sabia quando o garoto estava triste, alegre ou determinado, mas não sabia dizer o que se passava na cabeça do companheiro nos últimos dias.

Tudo começou quando o adolescente chegou certa tarde em casa extremamente pálido, como se tivesse visto um fantasma. Apesar das inúmeras perguntas do Digimon, Ken confirmou que estava tudo ótimo e passou o resto do dia jogado na cama, encarando o teto com uma expressão enigmática no rosto. Depois disso, passou a encarar a mão de tempos em tempos e estampar um sorriso bobo no rosto.

“Ken-chan, você está bem?” A voz estridente do Digimon ecoou pelo quarto, atrapalhando os estudos do adolescente.

“Claro que sim, Wormmon. Por que pergunta?”

“É que você tem sorrido muito ultimamente.” O Digimon se aproximou deslizando pela mesa.

“Ué, e sorrir não é bom?” Perguntou, arqueando as sobrancelhas.

“Sim, claro que é. Mas eu não sei por que Ken-chan anda tão sorridente.” Falou com simplicidade.

O jovem entendeu onde seu parceiro queria chegar, mas não se sentia nenhum pouco confortável em dizer que os sorrisos estavam ligados a Inoue. Ele mesmo não tinha muita certeza do que sentia pela garota e mesmo que tivesse, sabia que seus sentimentos não seriam correspondidos. Ela havia gostado dele sim, mas no passado. Agora, ela não o via além de um amigo e por isso seria frustrante expor seus sentimentos por ai, seria ruim para ele e seria ruim para ela também.

Além disso, se contasse a Wormmon, com certeza, ele iria se intrometer. Fosse para incentivá-lo no romance ou cortar seu barato, afinal era extremamente ciumento, então contar a ele não parecia uma boa ideia.

Mas não podia negar que desde o dia do festival, estava realmente muito sorridente. Sabia que ter pegado na mão da menina não significara nada para ela, mas fora o contato mais íntimo que já tiveram. Ele já havia segurado na mão dela algumas outras vezes, mas sempre fora no meio de alguma batalha, essa era a primeira vez que seus dedos se uniam sem nenhuma questão de vida ou morte como pano de fundo e era a primeira vez que ele segurava sua mão sabendo que talvez gostasse dela mais do que como amiga.

Wormmon não era único a perceber os misteriosos sorrisos do moreno, os pais do garoto haviam notado como do nada, suas feições se transformavam estampando um sorriso doce e jovial, mas como pais de um adolescente, eles sabiam muito bem que não adiantaria nada perguntar o motivo de tanta alegria. Mas Wormmon não conseguia entender e a curiosidade o consumia.

“Então, Ken-chan, por que anda tão sorridente?”

E sem perceber que estava sorrindo de novo, o garoto respondeu:

“Eu realmente não sei.”


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Notas finais do capítulo

[1] Doce típico japonês que consiste de um bolinho recheado com ankou (pasta de feijão vermelho).

N/T: Ken é um centro de preocupação constante, quase todo capítulo até agora alguém perguntou, pelo menos uma vez, se estava tudo bem com ele.

Reviews são sempre bem-vindas e deem sugestões de temas para os próximos capítulos.