Weiß Dämon escrita por AneenaSevla


Capítulo 20
Vá embora!


Notas iniciais do capítulo

Nenhuma das músicas neste capítulo fui eu quem criei, apenas adaptei para o português. Lista no final do capítulo.



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É aqui. Ele indica para ela tocar um marco específico da entrada da casa. Daqui você segue o som da água, entendido? Aí chega no lugar certo.

— Entendi, senhor - ela sorri, tateando a cesta para ter certeza se estava tudo em ordem - eu vou pegar frutas, não me demoro.

Não precisa me dizer, eu vou saber de todo jeito. 

E então ele desaparece. Andeir suspira. Ele não vai mudar isso, acho que estou até me acostumando. Ela prende um riso. E achando até adorável.

Com esse pensamento na cabeça e uma espreguiçada, Andeir pega seu cajado, a cesta na outra mão, e sai andando pela floresta, fazendo seus costumeiros cliques. 

Os pássaros estavam agitados e fervorosos naquela tarde, então nem precisou fazer muito barulho para se localizar. Notou que o som do cajado em alguns solos mais duros também fazia um som que ecoava, isso só facilitou mais ainda a locomoção. Sentia-se muito bem. O dia estava um pouco quente, então só usou seu vestido simples, os ombros nus e as saias levantadas por uma amarra na lateral, para não sujar na lama. Babu foi inteligente ensinando ela a fazer isso nas próprias roupas, agora ela andava livre sem se preocupar. Experimentou uma liberdade nunca antes sentida, nem mesmo quando as velhas a deixavam andar pelo pátio do convento.

— Eu nunca pensei que estaria andando pela floresta catando coisas de comer - ela murmurava sozinha para as árvores - será que é problema se eu voltar a cantar sempre também? Ai, seria tão legal… - ela pausa um pouco, ouvindo os arredores antes de continuar, sentindo os cheiros próximos, procurando os doces aromas - bem, acho que não faz mal, ninguém vai me ouvir aqui, tão fundo na floresta.

Ela limpou a garganta, tentou uns solfejos e, satisfeita, começou a cantarolar enquanto andava:

 

Sou a filha selvagem da minha mãe

Que corre descalça, xingando as pedras

Sou a filha selvagem da minha mãe

Não vão me tolher,  não vão me silenciar 

 

Aquela criança é uma selvagem

Ela vê o futuro nas cores das pedras

Nas caras dos gatos, no cair das penas

Na dança do fogo, na curva do osso

 

Arriscou uns passos e umas batidas no chão para acompanhar o ritmo, e o eco quase inaudível que o barulho fazia nas árvores, pedras e criaturas chegavam em seus ouvidos e indicavam tudo que estava ao seu redor imediato. Era quase como se pudesse enxergar de novo, se ela uma vez se lembrava como era isso. Soltou umas vocalizações, quase uns gritos cantados, pela floresta, completamente absorta em si mesma.

 

Aquela criança é uma selvagem

Ela canta segredos sob a luz do luar

Observa estrelas, renomeia planetas

E sonha em voar com uma canção e uma vassoura

 

Todos viemos da escuridão

Trazido à luz por sangue e dor

E dentro de nós, as canções despertam

Então cantaremos com a voz do trovão!

 

Somos filhas selvagens das nossas mães

Que correm descalças, xingando as pedras

Somos filhas selvagens das nossas mães

Não vão nos tolher,  não vão nos silenciar!

 

Ela riu no final da canção, agitando os braços e os pés descalços. Seus cabelos na trança desalinhados, o cajado levantado e o rosto radiante. Isso era maravilhoso!

Ainda rindo, foi continuar seu trabalho, afinal, as frutinhas não iam se catar sozinhas, mas ainda estava sorrindo. Se fosse assim sempre, ela realmente não se incomodaria em viver assim.

 

— POV Switch -

 

Muito barulho, muita agitação. A primavera estava insuportável naquele ano. 

Seus instintos estavam uma bagunça, tanto que pela primeira vez em muito tempo, estava com dor de cabeça pelo estresse. Recolheu seus tentáculos, desconectando-se do território por um tempo. Talvez, talvez a garota estivesse com razão e realmente ele precisasse relaxar, recuperar um pouco os pensamentos, ele se acalmasse e voltasse a funcionar como um Shlanken normal. 

Um que não tivesse pragas para afastar ou remover com tanta frequência. 

Estava… cansado.

Só esperava que esse plano desse certo. Se desse, tinha certeza que ia fazer o possível para deixar aquela humana bem instalada, pois certeza que ela mereceria mais que o que ele tinha no momento. 

 

— POV Switch -

 

É inútil, pensou a sua parte racional para si mesmo. Alex, volte para a Capital, deixe isso, é simplesmente loucura. Aquele padre e a Bartambu estavam certos, ela não é pro seu bico…

Não, ela ainda está em algum lugar. Essa é a época perfeita, eu sinto que ela está em algum lugar por aqui…

Só se forem os ossos dela não é? Desista, ela foi devorada e os ossos colocados de decoração nos galhos como enfeites de Natal demoníacos, se é que demônios acreditam em Deus.

Ele suspira, parando de seguir o caminho das marcas nas árvores. Estava frustrado. Talvez… talvez isso realmente fosse loucura, e no final das contas, não tinha esperanças para ele conseguir o que queria. Mas estava tão longe para dentro da floresta que seu coração não queria voltar sem ao menos algum tipo de pista. 

E o pior que esse tipo de busca que ele estava fazendo tinha todas as definições de ruim: não podia gritar por ela se não o monstro poderia ouvir. Não podia cavar o chão, se não, deixaria rastros para todo mundo, e não poderia sequer pedir ajuda, se não, como sempre, o chamariam de louco. Tudo isso por um monstro que vivia nas profundezas do bosque e ninguém tinha coragem de enfrentá-lo.

Só mais umas árvores à frente. Só mais umas, e eu vou embora. 

Ele voltou a andar, a espada firme em sua mão para não balançar e tilintar o metal dela dentro da bainha. E pra desembainhar quando precisasse.

Se eu não achar nada nas próximas árvores, deixo Impedimenta de vez e volto para meu Senhor, imploro ele para voltar ao meu emprego e… então faço voto de castidade. É. Isso pode dar alguns pontos para a igreja e talvez eu consiga algo mais no futuro, quem sabe? 

Ele ainda era jovem, tinha muito tempo pela frente. Ainda tinha jeito de…

 

Aquela criança é uma selvagem

Ela canta segredos sob a luz do luar…

 

Alex parou. Piscou, balançou a cabeça. Estaria tendo alucinações? Finalmente a loucura tomou conta do seu ser e não tinha mais volta? Aquela não poderia ser…

 

E sonha em voar com uma canção e uma vassoura…

 

Ele nunca tinha ouvido essa música antes, e com certeza não tinha talentos para a música para inventar uma assim, de improviso. Não, não estava inventando coisas. Estava ouvindo, e era a voz de Andeir.

Seu coração pulou uma batida, ou duas, ou parou ali mesmo e ele não tinha percebido. Arfou e sorriu com a felicidade. Era ela… 

Ou talvez o monstro pudesse imitar vozes humanas… ah dane-se! Se fosse o caso, ele enfrentaria com todas as suas forças. Segurou mais forte sua espada e, a passos cautelosos, seguiu os sons da canção. A voz suave, como um anjo, estava forte e mais viva que nunca, ele sentia isso. Ela estava bem. Ela tinha sobrevivido… como, não sabia, mas a sua amada estava ali.

Uma nova onda de motivação se apoderou dele. Não era hora de ser precipitado, disse seu âmago, não pode ir direto a ela, tem de observar antes, para ver se não tinha ninguém a vigiando. Tinha de ser esperto.

Eis que, quando passou por uma vegetação baixa, numa clareira cheia de arbustos de morangos silvestres e framboesas, viu os cabelos brancos e a pele alva que ele tanto conhecia e ansiava em ver.

Andeir. Os olhos rosados, o rosto delicado corado nas faces, os cabelos numa trança desalinhada mas adorável e feliz. Corou ao ver seu vestido, normalmente tão comportado, com um decote e as mangas abaixadas, revelando seus ombros. A saia levantada revelando parte das pernas. 

Deus, seria possível uma criatura ser ainda mais bela? 

Ela se levantou e ergueu o torso, revelando uma cruz de prata no peito. Então… ela estava protegida? Por quem? A observou tirando o suor da testa. Sorria. Alex segurou o coração, que, ansioso, queria correr até ela e a chamar. Mas não sabia se o monstro estava por perto, então passou a observar um pouco.

Andeir, aparentemente não percebendo que ele estava ali, organizou-se, murmurando alguma coisa, então se virou e encarou alguma coisa. Ele quase caiu para trás quando viu um urso enorme, a quem ela deu uma mãozinha cheia de frutinhas.

Vendo o urso comer na mão dela, ele se convenceu de que sua Andeir não era mesmo uma mulher normal. Bem, ele já sabia, mas vendo uma fera descomunal tão mansa perto dela, isso só poderia ser algum poder místico. Se perguntou por um momento o que ele estava fazendo ali, se ela estava segura…

Balançou a cabeça, não. Ela ainda corria perigo, e ele precisava tirar ela dali, daquele ambiente selvagem, e a levar de volta para a civilização. E… e casar com ela. Como um homem direito deve fazer.

Suas conjecturas demoraram tanto que quando ele se deu conta, Andeir já tinha saído da área, restando somente o urso, que comia as frutinhas ainda, e olhava para Alex um pouco curioso. Alex saiu dali rapidinho, enquanto seguia a mulher na surdina. Ela parecia distraída, ainda cantando, então era só não pisar em nenhum galho. 

Falando em pisar, ela estava descalça, como uma selvagem, e usava um cajado, quase como uma espécie de velha, ou sábia, e tateava o chão com ele, e andava tão bem com ele, parecia até que enxergava. Não sabia que magia era aquela, mas sabia que ela tinha. 

Acompanhou-a até uma espécie de caverna, e então arregalou os olhos ao notar uma marca na parede de pedra, a mesma que tinha nas portas das casas na cidade, só que ao invés de feita de ferro, era um baixo-relevo, feito por garras, que Andeir prontamente tateou, e assentiu ao entender. Ela entrou na caverna, sem nem mesmo hesitar, ainda cantarolando, mas mais baixinho. Alex olhou para os lados antes de a seguir, fazendo o possível para não fazer barulho. Era um teto alto, pelo menos uns dois dele, se estendia por toda a extensão.

— Som da água… - ela murmurava, ele conseguiu ouvir. Não entendeu de primeira, mas ela sabia onde ir, então continuou a seguindo.

Passou por um conjunto intrincado de caminhos subterrâneos, e tentou memorizar bem onde estava: esquerda, direita, direita, esquerda, esquerda, frente, frente, esquerda, direita…. sempre para baixo, sempre descendo. Começou a se sentir um pouco perturbado, só mesmo um demônio para fazer um caminho complicado para o inferno. 

Até que a entrada se abriu para uma câmara, e Alex não acreditou no que viu: era em formato de cúpula, com o teto bem acima, e em todos os lugares, itens e quinquilharias de todos os tipos, separadas por alguma ordem estranha, e não pôde deixar de notar a pilha enorme de ouro e prata no canto direito. Veria depois sobre isso. À esquerda, tinha uma saída para outro lugar mais abaixo, mais à esquerda uma plataforma de pedra circular enorme com acolchoado, que parecia uma cama - a cama do demônio, certeza - e um lugarzinho menor, feito de peles, que provavelmente era onde ela tinha se instalado. No meio, uma lareira e uma panela onde Andeir estava se sentando para trabalhar. 

Naquele momento, não se aguentou.

— Andeir, cuidado, você pode se queimar com o fogo!

Andeir arregalou os olhos cegos e virou a cabeça, arfando com o susto. Ela estava com a boca entreaberta, alarmada, e por um momento sem fala.

— A-... Alex?! - ela murmura, ainda parecendo aflita.

Ele se aproxima, sorrindo.

— Sim, Andy, sou eu… - ele não conseguia tirar a emoção do rosto - Eu te procurei tanto… tanto… eu achei que estava morta, sabe como eu me preocupei…? Aí então soube que estava aqui e…

— Não devia ter vindo - ela se levanta, se virando para ele - Não pode ficar aqui. Como você achou…?

— Escutei sua linda voz na floresta… ela me guiou até aqui.

Andeir põe as mãos na boca, então estende os braços, os punhos fechados.

— Não devia, não devia ter vindo, Alex. Vá embora, antes que ele volte. Por favor. - ela parecia quase suplicante - ele vai te matar, isso é a casa dele, você invadiu…

— Andeir, do que está falando, eu vim aqui te buscar...

— Não! Eu não posso ir embora, eu não sou sua para levar.

— Mas… Andeir - okay, isso não é o que ele esperava de uma donzela presa por um demônio - Andeir, eu a amo, eu não vou embora sem você.

— Então prefere a morte? Eu estou tentando te salvar, idiota! Eu sempre tentei te salvar, mas você não escuta! Você fica achando que tudo isso é um conto de fadas! Não é! É real, vai embora, ou ele vai acabar com você! - ela o empurra, o que, para a força dela, não é nada para o impedir.

Ele não conseguia acreditar no que ouvia, Andeir não falaria isso para ele se não estivesse em perigo. 

— Não se eu acabar com ele primeiro - ele indica a espada, fazendo um pouco de barulho - eu estou pronto para qualquer coisa, Andy, tudo por você.

— Então por mim, vai embora! - ela cruza os braços, se virando - eu não quero você, satisfeito? Eu o odeio, o detesto, vá viver sua vida, você conseguiu ser escudeiro, o que mais quer?

— Você - ele diz, do fundo do coração - nada disso tem valia se não a tiver…

— Aaargh, como você pode ser tão… tão burro e teimoso?! - ela estava frustrada, as mãos puxando os cabelos - não consegue seguir uma regra se não o convinher, não ouviu os avisos da vila?

— Um bando de humanos medrosos…

— Vai… embora, Alexander! - ela quase grita - salve sua vida… - os olhos dela estavam cheios de lágrimas.

Alexander então levantou as mãos.

— Está bem! - ele fechou a cara - nunca, na minha vida, eu ouvi sequer uma donzela em perigo que não queria sair do cativeiro do monstro, e você… você parece mais um item da coleção dele, merece coisa melhor que isso. 

Ele ia se afastando quando alguma coisa se moveu atrás dele e ao se virar, esbarrou em alguma coisa viva e feita de carne. Olhou para cima, acompanhando o que quer que estivesse em sua frente. E sacou logo sua espada, no susto.

 

Só havia algo a se dizer nessa situação: Ferrou.


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Notas finais do capítulo

Músicas neste capítulo:
Savage Daughter - Karen L.U. Kahan (cover por Sarah Hester)



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