Acordo de manhã bem cedo, para não correr o risco de perder as provas mais importantes do ano. Após me arrumar, o que não leva muito tempo, já que meu "estilo" consiste em uma blusa, uma calça, tênis e meu óculos, eu desço as escadas relembrando a matéria que estudei no dia anterior. Não posso deixar de notar um tremor leve se espalhar pelo meu corpo ao lembrar da imagem dos olhos cinzas. Não é real, não é real. Temo ter que viver isso para o resto da minha vida. "Esqueça isso, Peeta" diz minha consciência. "Se quiser tirar uma nota boa, é bom não pensar nós ocorridos daquele dia". E com essa deixa, eu entro no carro e dirijo até a faculdade. Apesar de possuir uma certa deficiência quando se trata de memorizar caminhos, já fiz este tantas vezes que nem preciso pensar muito.

* * *

– Atenção alunos - Diz Effie - O Doutor Haymitch não poderá comparecer hoje, então para a minha sorte, e a de vocês, teremos as duas provas no mesmo período de aula - Eu odiava quando o Haymitch era chamado assim. Ele podia até ter um doutorado, mas quando ele fez questão de ser chamado desse jeito, todos os alunos começaram a chamá-lo de "professor", só para irritá-lo.

Os suspiros de desaprovação são soltos, sem a menor intenção de serem camuflados. E não posso deixar de pensar que, diferente de pelo menos 70% da turma, eu estava preparado para isto. Não consigo lembrar nem da metade das vezes que Haymitch não apareceu para lecionar por conta de mais uma de suas ressacas. E quando ele aparece, não diria que é uma das aulas mais agradáveis do mundo.

– Vamos começar dentro de 20 minutos, porém, reconhecendo que vocês não estavam preparados para tais ocorridos, poderão utilizar este tempo extra para revisar a matéria. E lembrem-se: esta é a primeira e última vez que vocês terão esta chance de aumentar suas notas.

Effie diz isso com tanta certeza, que não sei se ela realmente acha que 20 minutos são suficientes para salvar qualquer um de uma inevitável recuperação. Mas não perco muito tempo pensando nisso, pois quando olho em volta, percebo que todos já estão abrindo seus livros e se preparando como se fossem correr a maratona.

Eu abro meu livro de química, já que passei a noite passada estudando basicamente biologia. Quando estou lendo um dos textos sobre as ligações covalentes, a professora Trinket fala em alto e bom som, sem se preocupar com o fato de pelo menos 40 pessoas estarem estudando arduamente:

– Como já se esperava, Srta. Everdeen, atrasada, de novo.

"Não olhe pra trás, não olhe, não olhe".

Meu coração começa a bater cada vez mais rápido, e com um pouco de amor e vontade própria, consigo evitar olhar para trás. Eu achei que seria o suficiente, e quando já estava convencido disso, uma pessoa veio de encontro a minha perna esticada, tropeçando sobre a minha mesa.

Oh, não.

– Me... Me... - Diz Katniss enquanto se levanta, batendo a sua mão contra sua coxa numa tentativa em vão de limpar a própria calça jeans - Desculpa.

Eu não tive nem chance de dizê-la que estava tudo bem, até porque minha voz não ousava sair da minha boca. Não estava tudo bem. Mas ela não precisava saber.

Na mesma velocidade que meu coração batia, ela se levantou por completo e saiu andando.

"Merda, Mellark. Muito bem. Você ficou fora do ar. Agora ela te acha um completo idiota."

Eu não podia fazer muita coisa quanto a minha timidez, mas não seria assim se ela não tivesse feito o que fez. Afasto esse pensamento novamente e me preparo para a prova mais uma vez.

Tudo estaria bem, se a única cadeira da sala que não estivesse ocupada não fosse a da minha frente.

Não, por favor, não.

É claro, não adiantou. Ela deu a volta completa na sala, ignorando os suspiros de desaprovação aguda de Effie, e sentou, sem jeito e atrapalhada, na cadeira.

Um jeito que eu adoro, desde que tinha 5 anos.

Não. Eu já superei. Já superei.

Todos os dias repito isso.

Não sei se estou muito certo de que realmente "já superei".

* * *

Após a prova, eu estou me sentindo revigorado. Todo aquele estudo valeu a pena. Estou caminhando de volta para casa, com as duas avaliações na mão, possuindo os números "10" e "9,75" escritos com a letra quase bonita da Trinket: seria perfeita, caso ela não sofresse de distúrbios nervosos e de ansiedade, por motivos que todos desconhecem.

Meu descontento está apenas nos 0,25 míseros pontos que me separaram da perfeição em química. O motivo? É claro, a Everdeen.

Enquanto fazia minha prova, ela simplesmente fazia questão de se balançar para frente e para trás, sem fazer absolutamente nenhum barulho.

Aquilo só incomodou a mim.

Eu fui o único que conseguia sentir seu cheiro, indo e vindo, tão doce que chega a ser nauseante e tão amargo que lembra limão.

Não sei como descrever, é apenas ela.

Minha fissura por Katniss tinha que acabar, era fato. Estava se tornando algo meloso demais. Entretanto, eu não conseguia. Simplesmente, quando tinha mais do que 3 segundos livres de pensamentos, eu observava na minha mente seu cabelo castanho, quase negro, se movimentando ao ar livre.

Seus olhos, tempestuosos, tão cinzas que eu quase podia ver minérios sendo extraídos dele.

Não é real, não é real.

Meus pensamentos sempre vão parar nela. Sempre. O que eu poderia fazer? O que eu vou realmente fazer? "Meu erro foi pensar que estar ao seu lado bastaria."

"I'm so tired of being here

Suppressed by all my childish fears

And if you have to leave, I wish that you would just leave

'Cause your presence still lingers here

And it won't leave me alone"

My Immortal - Evanescence.