Melanie escrita por Mrs Dewitt


Capítulo 2
O meio




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– Pai, vou visitar a vovó, volto para o jantar! – Melanie estava parada a porta, com um cesto de vime transbordante de doces pendurado no braço. Terminava de amarrar sua capa vermelha, o capuz pronto para ser erguido. – Vou levar estes doces pra ela, que eu acabei de fazer. Diga ao titio que termina o seu ponche mais tarde!

– Tudo bem Melanie! Mas vá com cuidado, o caminho é deserto. Nunca se sabe o quê se esconde nestas florestas. – Ele calçava suas botas, pronto para sair para o trabalho. Ergueu os olhos para a filha. Como Melanie estava crescida. Já tinha o corpo de uma moça, grandes pestanas e um sorriso doce.

– Não se preocupe papai. – Ela lhe deu um beijo estalado no rosto. – Vou num pé e volto noutro!

– Você é a chapeuzinho vermelho, não o sete léguas! – O pai gritou, meio rindo, em direção a porta, e pode ouvir a risada musical da menina, que provavelmente já havia passado pelo portão.

Melanie andou distraída pela estradinha de terra batida que serpenteava pela floresta, ora rodeada de carvalhos, ora de moitas de rododendros. O céu que era visível por entre as copas das árvores era azul, e o brilho do sol se filtrava esverdeado. Passarinhos cantavam ao longe, e em pouco tempo ela carregava braçadas de flores multicoloridas e perfumadas, para dá-las a sua avó, junto com os doces.

De primeiro momento, despercebido, aos poucos um trote suave e o barulho de algo batendo contra as pedrinhas do chão chegou aos ouvidos de Melanie. Uma carruagem se aproximava vindo do lado do vilarejo, para onde ela se dirigia. Raramente algum veículo se atrevia a penetrar na floresta, certamente deveriam estar com pressa e queria cortar caminho. Aos poucos, foi entrando no campo de visão da menina uma carruagem branca, com detalhes em dourado. Vinha puxada por um par de cavalos brancos, e o cocheiro se vestia elegantemente. As janelas vinham abertas, e Melanie pode ver – já que os cavalos vinham em trote lento – o selo real em ambas as portas. Era decerto a carruagem da rainha! A menina se apressou em ficar na ponta dos pés, mas pouco pode ver do interior. Devia ser deveras muito luxuoso!

– Mas ora. – Ela se questionou, enquanto abanava com energia e felicidade para o cocheiro, que ficou levemente surpreso com tanta afeição, mas sorriu de volta. – O quê será que a rainha vem fazer para esses lados? Bem, pouco importa.

E seguiu seu caminho, volta e meia ainda parando para olhar para trás e ver se conseguia mais um vislumbre da linda carruagem real. Quando chegou na casa da vovozinha – sã e salva -, ainda estava imaginando como seria se ela fosse rainha.

Dentro da carruagem, quilômetros à frente, Branca de Neve se perguntava como um bebê poderia ter sobrevivido na floresta.

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Branca de Neve entrou no palácio correndo, e logo se trancou em seus aposentos. Não dormia no quarto real, de algum modo a lembrança do falecido esposo que a tornara rainha a assombrara. Branca de Neve sempre quisera ser rainha, era seu único sonho. Se casar com o primeiro príncipe tolo que se encantara com ela, por ser a mais bela, foi o caminho mais rápido para alcança-lo. Talvez pudesse até se atrever que fora feliz, sim, talvez o tenha sido mesmo, depois de aprender a tolerar a devoção cega como a de um cãozinho que o rei lhe dirigia. Amava-a, e faria tudo por ele. “Como os homens são manipuláveis!” pensou “e inacreditavelmente tolos quando amam”. A súbita chegada de uma criança, de repente, lhe assombrou. Uma criança poderia lhe roubar o trono. Se fosse menino, pior, ele lhe seria usurpado em poucos anos. Branca de Neve não era mais uma jovenzinha, mas agora estava sim no auge, ninguém iria atrapalhar seu reinado. A criança deveria ser exterminada. Foi-lhe recomendado descanso em um pequeno chalé, na floresta. “Faria bem a mãe, e a criança. Ficar longe do estresse” dissera o médico real. Era uma desculpa perfeita.

Branca de Neve ficou lá, em companhia de sete anões, somente. Que lhe cuidavam e acompanhavam atentamente a gravidez. E, tempo depois, uma menina nasceu.

Tinha grandes olhos escuros, como o da mãe, bochechas coradas e cabelo espevitado e negro.

Ela abandonou-a na floresta.

– Eu a abandonei na floresta. – Sussurrou a rainha para o aposento vazio. O som de sua voz, meio perdido no enorme quarto, bateu nas paredes de pedra e voltou para seus ouvidos. – Sozinha.

Alguém a tinha salvado? Sim, estava claro. E ela fora criada. Ah, amaldiçoado seja o ser que manteve viva a minha ruína! Essa menina precisa ser encontrada. Sim, precisa. Encontrada, e morta. Iria me certificar de que fosse realmente morta. Não poderia falhar, dessa vez.

Não quero mais nenhuma lembrança dele. Nenhuma lembrança de nada.

Oh céus, como ela lhe lembrava o pai.

Mas ela precisava morrer.

Assim como ele. – Um sorriso lhe aflorou os lábios. – Assim como ele precisou morrer.

Sua ganância havia transformado seu coração em pedra. Uma pedra fria como gelo, inquebrável como um diamante. Teria ela, na verdade, ainda um coração?

Claro, como não pensara nisso antes?

– Roger? – Sua voz doce chamou pelo criado. Roger sempre a auxiliara em seus rituais macabros. Roger a conhecia, sabia como realmente era a sua rainha. Uma criatura meiga e muito, muito bela. Desde que não lhe tirassem o quê queria.

– Chamou, senhora? – Ele abriu a porta e entrou, cruzando os braços nas costas.

– Prepare o Ceifeiro, vou levá-lo pra passear.

Um leve arrepio percorreu o corpo do servente.


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