- Segredos de um passado obscuro - escrita por Willian Thiago


Capítulo 19
Um bom motivo


Notas iniciais do capítulo

"Olhei para a Arena e logo em seguida minha visão caiu para aquele garoto que chorava no meu colo, se eu não tinha um bom motivo para ganhar os jogos antes, bom, acho que agora eu tenho."



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Eu e Adália caminhávamos lado a lado na rua que passava bem em frente ao castelo de Théfires, lembro que ela falava a respeito dos testes, sobre a estratégia que eu deveria usar e como eu iria fazer para conseguir comida e água, olhava para ela fixamente e balançava a cabeça para cima e para baixo, com ar de quem estava prestando atenção, ela nem imaginava que já sabia daquilo tudo, nos anos em que vivi sozinho tive de me virar para sobreviver, sabia como transformar sementes de cacau em chocolate quente, onde me esconder quando chegasse a noite, e meu extinto para encontrar água era aguçado, a tal ponto que conseguiria saber com exatidão se tinha algum córrego próximo apenas respirando bem forte e sentindo a humidade do ar. O dia estava claro e ensolarado, bem tradicional de uma manha de verão daquelas onde os pássaros cortavam o céu de um horizonte ao outro e que as crianças saiam de casa para brincar na rua, onde as pessoas aproveitavam para simplesmente existir e aproveitar o bom que a vida podia lhes oferecer, viver em um mundo onde monstros vagam por aí é um pesadelo, e a cidade, apesar de parecer um lugar seguro nada mais é do que uma prisão. Caminhávamos com os pés descalços sobre a grama verde e viva do parque de carvalhos quando um homem alto passou do nosso lado segurando nas mãos de duas meninas, creio serem suas filhas, ele nos cumprimentou a passou sorrindo, aquela foi uma cena que se repetiu muitas vezes desde que salvei Théfires de um monstro voador que cuspia fogo, a admiração presente no olhar das pessoas ao me verem era notável, ao ponto de me perguntar se realmente merecia aquilo.

Adália disse uma coisa a respeito de como evitar os monstros durante a noite, lembro que balbuciei uma simples palavra em concordância, ela realmente tinha se tornado bem cativante nos últimos dias, se esforçava para me ajudar e sempre estava de bom humor com seu sorriso feliz de comercial de margarina e os cabelos estilo comercial de shampoo, seus olhos verdes brilhavam mais do que o normal e vez ou outra covinhas negras se formavam em volta dos deles indicando uma noite mal dormida, sentia que ela estava longe, evitava me olhar nos olhos e quase sempre sua visão vasculhava ao redor como se esperasse alguém, estava preocupada. Sentamos em um banco cinza chumbo com uma mesa de pedra que nos separava, ao fundo era possível ver crianças correndo de um lado para o outro e donos brincando com seus lobos, famílias fazendo pique niques sobre toalhas jogadas ao chão, bolo, batata assada, acho que senti cheiro de chocolate.

–Você entendeu tudo até aqui? –perguntou ela.

–Sim, se eu ver um monstro é para correr... –Respondi sentindo um vento bater em meu rosto e balançar meu cabelo.

–Exato! Você não precisa gastar energia com coisas sem importância, se preocupe com os outros tributos, eles são o seu alvo principal.

Adália deixou de falar por um momento (pra minha alegria) e colocou a cesta que carregava na mão sobre a mesa, foi retirando de lá algumas frutas bem maduras como cenouras, maçãs, e como eu já havia previsto, chocolate...

Dei com gosto a primeira dentada em um pão e lembro que ela me olhou com um sorriso nos lábios, continuei a comer sem dar muita atenção para ela e em questão de um segundo ela já degustava uma maçã bem vermelha, os seus dentes mordiam a fruta com força, de uma forma um pouco erótica para os maus olhos. Olhei para trás dela e onde antes tinha apenas famílias felizes percebi que ele vinha andando em nossa direção, sua capa preta bem diferente em estilo gótico, a calça de couro preta rasgada nos joelhos e colada ao corpo, o cabelo bem escuro e os olhos medonhos e cheio de loucura, só podia ser o Aiden.

–Oi... –Ele sentou ao lado de Adália e os dois trocaram um rápido beijo, meu coração como sempre doía sem explicação algum. –Oi Steve.

Respondi com um rápido sorriso involuntário.

–Por que essa tristeza? Posso saber senhor tributo? –perguntou Adália enquanto comia uma fatia de bolo.

Aiden suspirou de leve e sua expressão se resumiu em frustração.

–Nada, é que fui desclassificado dos jogos. –Disse Aiden.

–Hum, que pena. –Disse Adália sem parecer dar muita importância. –Eu disse que você não iria passar...

–É, eu sei. –Disse Aiden.

Lembro que fiquei olhando os dois na minha frente, fingi que comia uma maçã mesmo estando sem fome a essa altura. Adália muito educadamente pegou um prato e ofereceu para seu companheiro, ele recusou, e o clima, o ar, o tempo, tudo pesou mais que uma tonelada de Bedrok.

Já passava do meio dia quando havíamos terminado toda a comida e Adália guardava os nossos “detritos sem utilidade nenhuma” na cestinha e eu percebi que alguém muito especial para mim vinha caminhando com dificuldade sobre a grama do parque, reconheci de longe só pelo cabelo rosa e os olhos ametalados.

–Oi amor. –Saphire se sentou com a elegância de sempre ao meu lado. –É difícil para mim andar sobre essa grama com os meus saltos de diamantes. –Disse ela se inclinando e me beijando, fazendo Adália virar o rosto para o outro lado.

Ninguém disse uma única palavra a respeito daquilo, eu voltei a por meus cotovelos na mesa e apoiar minha cabeça sobre as mãos, enquanto Adália apanhava as sementes da maçã e colocava na cestinha.

–Hora pessoal! O que aconteceu com vocês? Parece até que alguém morreu. –Disse ela tentando levantar o animo. –Vocês estão assim por causa da conversa de ontem a noite?

–O Aiden foi desclassificado dos jogos... –Disse Adália sem para o que estava fazendo.

Saphire por um segundo deixou sua atriz interior fluir e fingiu estar alarmada, no entanto ela sorriu.

–Então foi o senhor Aiden quem desrespeitou o avaliador? –perguntou ela com naturalidade.

–Foi... –Respondi.

Saphire com muita calma retirou um pedaço de papel verde de dentro do espaço entre seus seios e entregou para Aiden.

–O que é isso? – perguntou ele.

–Acho que alguém desconhecido usou sua influência para te passar de fase...

–E quem foi? –perguntou Aiden tentando disfarçar um sorriso.

–Alguém muito próximo de você... –Disse Saphire.

Aiden olhou para sua frente e encarou ela que estava com um olhar euforico.

–Obrigado... –Disse ele com dificuldade.

–Disponha! –respondeu a princesa.

Me recordo que Saphire explicou como conseguiu subornar o avaliador com duas barras de ouro sem os fiscais a verem, e de como foi fácil roubar as tais barras do cofre real. A essa altura já era um pouco mais que o meio dia, as famílias já tinham deixado o parque e eram poucas as pessoas que ainda estavam tomando banho de sol, Saphire se levantou e disse que iria me esperar na frente do castelo às sete com a desculpa de que tinha conseguido lugares especiais para a gente, logo em seguida Adália e Aiden se beijaram mais uma vez, marcaram de se encontrar às seis e meia da noite em frente a Arena Espada de Sangue, o lugar onde tudo iria acontecer e um pouco antes da segunda e ultima fase dos testes começarem, logo em seguida Adália e eu nos despedimos com um rápido abraço dado meio sem jeito.

***

Caminhei pelas ruas da cidade, tudo calmo pra variar... Vi uma escada que levava para o alto de uma casa, subi rapidamente até o topo, logo depois vi outra escada que levava para o segundo andar de uma construção, subi, mais outra escada que levava para cima, em questão de segundos estava no alto de um prédio, senti o vento bater mais uma vez em meu rosto, os raios de Sol, as nuvens, tudo perfeito, vi que tinha uma espécie de escorregador de pedras que levava para uma casa mais baixa, pulei de onde estava e cai bem encima dele, deslizei pela laje e cai em cima de outra casa, são e salvo, percebi que descobrira o meu novo passa tempo preferido.

Em dois minutos eu estava correndo sobre o telhado das casas, escadas, túneis, chaminés, tudo era um obstáculo para mim, a adrenalina e o vento no rosto era uma sensação indescritível! Saltei sobre uma cerca de madeira e caminhei sobre ela até chegar a um outro telhado, de lá saltei para um mais baixo fazendo um loop no ar, caí fazendo uma cambalhota no chão e já correndo de novo, passei zunindo por uma calha e pousei sobre uma janela, atravessei a casa rapidamente e saltei pela outra janela sem nem olhar se tinha onde me segurar, segurei em outra janela, soltei e caí sobre o telhado de outra casa, sorri com o meu feito, virei de costas e dei um salto para trás e caí no chão em pé ao lado de uma vaso de flores que por acidente acabou caindo, fugi da cena do crime rapidamente e fui sair em um beco de uma viela, corri para mais longe e escalei até chegar ao alto de uma casa, senti uma cansaço me dominar e a essa altura já arfava igual um cavalo após o termino da corrida, fitei a vastidão da cidade de Théfires e, para meu espanto, eu vejo um garoto encima do telhado de um prédio, ele parecia ser uma criança mas de longe não dava pra ver, então, com a cautela e paciência de um ancião de duzentos anos fui me aproximando.

–O que faz? –Indaguei. –Por que está aqui encima?

O garoto se virou para mim como quem não queria nada, mas assim que me viu por algum motivo ficou de pé.

–Steve... É você me-mesmo?

Sorri rapidamente e deixei minha falsa sensação de superioridade falar mais alto.

–Você ainda não me disse o que está fazendo aqui.

Ele apontou para uma construção circular que ficava um pouco atrás do castelo de Théfires, lá embaixo se destacando entre todas as outras construções, como uma espécie de Coliseu estava a arena Espada de Sangue...

–Eu estava olhando para ela, vou lutar lá mais tarde...

–Espera, você passou no teste? –Me lembrei de que Adália e Aiden tinham marcado de se encontrem naquela tal arena para a etapa final.

–Sim... Eu e mais dez pessoas. Nós vamos lutar para decidir o tributo de Théfires.

Olhei para o garotinho melhor, ele não tinha mais que treze anos de idade, carregava um arco todo surrado nas costas e apenas quatro flechas na aljava rasgada, suas roupas estavam descosturadas e sujas, aparentava ser um mendigo.

–por que você está participando dos teste?

O jovem rapaz olhou para mim com uma profunda tristeza estampada no olhar, era impossível não se comover.

–Seu Steve, eu sou órfão desde muito pequeno e moro na rua, as pessoas me desprezam pelo simples fato de existir e muitas tem até nojo de mim... –O garoto se sentou na beirada do prédio e passou as mãos nos olhos.

Me sentei ao lado dele e coloquei a mão sobre seus ombros.

– me diga senhor Steve, se você tivesse no meu lugar e tivesse uma chance, por menor que fosse de mudar de vida... –Nesse momento sequei uma lágrima que escorria de seu olhos castanhos, e ele como que por carência, me abraçou. –Você também não tentaria?

Olhei para a Arena e logo em seguida minha visão caiu para aquele garoto que chorava no meu colo, se eu não tinha um bom motivo para ganhar os jogos antes, bom, acho que agora eu tenho.


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Notas finais do capítulo

e esse capitulo encerra uma mini série de mini capítulos que eu andei postando, próximos capítulos serão maiores pois se iniciam os jogos de fato, flw :)



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