Filho da Mentira escrita por Sirena


Capítulo 6
Banquete aos mortos




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Capitulo Cinco

Banquete aos mortos

Loki

Nunca me senti tão aliviado de estar em meu quarto.

Olhei para o corvo pousado tranquilamente na cama, suas patas enroscadas na malha velha e escura que se desfazia com o tempo. Pelo seu comportamento ele também compartilhava da mesma opinião.

Não que meu aposento fosse ruim, embora dormisse no subsolo, o mesmo andar que os criados. Não que isso me incomodasse de algum modo. Para mim era muito mais agradável e confortável a companhia deles do que da minha própria família.

Principalmente agora que Valravn estava aqui.

–Odin não ia gostar de você. – Afirmei, imaginando o que meu pai faria com ele. A ultima vez que um corvo cruzou o território do palácio, Odin separou sua cabeça do corpo, jogando-a para os cães enquanto seu bico ainda produzia movimentos.

–Loki- Uma voz feminina interrompeu meus pensamentos- Meu príncipe você está aí?

–Sim- Afirmei levantando rapidamente e me dirigindo para porta, saindo antes que ela tivesse oportunidade de adentrar em meu aposento.

–Seu pai está convocando-o para o jantar.

Acenei em confirmação. Enl era uma mulher pratica. Não costumava fazer perguntas ou nada além do que fora ordenado. Assim, ela se distanciou assim que divulgou o chamado.

Pensei em retornar para o quarto. Mesmo passado todo o dia sem me alimentar não estava com fome. Porém, creio que se não o obedecesse de imediato, como de costume, haveria consequências.

Então me dirigi às escadas. Ainda com a mesma calça larga, a camiseta rasgada e a blusa escarlate com capuz por cima, que cobria os curativos feitos por Garret. Não era o tipo de roupa que alguém da corte usaria, principalmente na presença do rei.

“Se eu tiver sorte, talvez ele me chute da corte” Pensei, com um fraco sorriso nos lábios.

O salão do banquete não era tão longínquo do termino da escadaria. Algo meio estratégico eu supunha, já que era um dos locais onde havia a maior concentração de empregados não somente esse momento, mas a maior parte do dia.

–Está atrasado, Loki.

Não precisei nem virar a cabeça para descobrir quem se tratava.

–Me desculpe, Thor- Disse, colocando ambas as mãos nos bolsos. - Não pensei que estava atrasado.

Ele balançou os ombros em desdém.

–Também estou. Sir Oriw estava me auxiliando nas lições com arco e flecha, fiquei absorto demais para lembrar-me de coisas tolas como um jantar.

Pela primeira vez notei que ele estava com um arco de madeira, envolto da mão fina enluvada.

–O que houve com a espada?- Thor havia treinado a vida toda com objetos afiados, se privando aos que exigiam mais estratégia.

–Pensei em mudar um pouco- Ele franziu o cenho- Embora estiver pensando em retornar as lições de esgrima em breve. Elas parecem ser bem mais interessantes e verossímeis em uma batalha do que uma flecha.

–Aposto que você não conseguiu acertar um alvo.

–Cala a boca- Ele disse, socando com o mínimo de força meu bíceps.

Entramos no salão conversando, Thor falando excitado sobre estratégias no campo de batalha, mais especificamente maneiras diversas de como acertar um homem com uma espada.

Ao mesmo tempo em que conversava com meu irmão, notei que havia alguma coisa diferente no salão. Tudo estava escuro, negro, frio ao toque. Faltava os nuance vermelhos e dourados que costumavam colorir este ambiente, como se houvesse algo não sei... Trágico, morto.

–Esta acontecendo alguma coisa?- Perguntei.

O rosto de Thor se fechou, como se ele próprio tomasse conta da realidade daquela situação.

–Balder- Ele falou num fio de voz.

Foi então que lembrei que dia era hoje.

O dia em que Balder, meu irmão mais velho havia falecido. Aquela era a celebração do oitavo aniversario de sua morte.

Mesmo após tantos anos o fato ainda me atormentava. Os antigos diziam que ele iria viver longas décadas quando a morte o carregou quando ele tinha apenas vinte e dois anos.

Foi Odin que decidiu realizar uma celebração familiar na data de sua morte, um evento privado que contava exclusivamente com os membros da família, negando a se abrir ao publico como todas as outras.

Logo que me aproximei da mesa, notei a presença da minha mãe Frigga, hoje apenas uma sombra vaga e inconclusa da mulher que era.

Não existia mais vida em seu semblante, era tudo escuro, apagado como se fizesse parte da decoração fúnebre. A única coisa que ainda possuía um fraco brilho era seus olhos azuis intensos e vibrantes e os cabelos castanhos ondulados cortados na altura do queixo, manchado com alguns fios cinzentos.

Mas não foi a aparência a única coisa que a afetara. Sua estabilidade mental também foi comprometida desde a morte de Balder. As vezes ela simplesmente murmurava palavras sem nenhum sentido, ou via pessoas que não se encontravam ali, apontando e chamando seus nomes.

–Mãe- Cumprimentei-a de maneira informal.

–Balder- Ela disse, a expressão vazia- Balder.

Eu segurei sua mão.

–Sou eu mãe, Loki. Seu filho mais jovem.

Ela levantou a outra mão, se posicionando acima da minha.

–Balder? Onde está Balder?

Eu não sabia o que dizer.

–Mãe... Ele...

–Por favor- Ela implorou- Me diga...

Uma mão masculina e enrugada surgiu por trás, tocando seu vestido escuro, fazendo pregas disformes e irregulares.

–Ele está morto querida- Disse Odin- Ele se foi à oito anos.

–Morto? Não ele não está. - Ela afirmou, inclinando a cabeça em direção ao marido.

–Querida...

–Ele não está morto!- Ela gritou três tons mais alto que a voz de Odin.

Meu pai se inclinou, se posicionando ao seu lado, olhando diretamente para seus olhos.

–Está na hora de aceitar- Afirmou estreitando o olhar.

Assim que disse essas palavras, Odin se distanciou da esposa, indo em direção ao seu próprio assento no centro do salão.

Ao contrario da maioria das cadeiras feitas de aço e ouro, adornadas com a efigie de Asgard, aquela era feita completamente de espadas, adagas e lanças divergentes, todas provindas exclusivamente dos inimigos caídos, os materiais e armas dos mais diferentes materiais e espécies, moldadas com magnitude plena. Um símbolo do poder imensurável e intocável do rei.

–Thor, Loki, podem se acomodar em seus respectivos lugares- Ordenou o rei, fazendo um gesto sutil com as mãos.

Sentei-me duas cadeiras de distancia de Frigga, enquanto Thor preferiu se acomodar na parte oposta ao do rei, o arco e a aljava disposta no chão aos seus pés.

–Como vocês sabem realizamos essa cerimonia para relembrar a memoria e a vida de um jovem que partiu antes do previsto. Um filho, um irmão e um guerreiro que se foi num trágico acidente na véspera de seu vigésimo terceiro aniversario, deixando uma lacuna imensurável em nossas vidas. - Ele se virou para a esposa- Um buraco que não pode ser preenchido jamais.

Ele levantou sua taça de vinho, erguendo-a acima da cabeça.

–Hoje brindamos pela alma de Balder.

Seguindo seu gesto levantamos nossas taças, todos exceto minha mãe que continuava a fitar a mesa com os olhos vazios.

Odin levou a taça aos lábios, degustando o gosto doce da uva colhida nos jardins do sul, as melhores e mais caras de todo o reino.

–Sirvam-se- Ele afirmou fazendo um gesto em direção à mesa.

Olhei para a mesa farta, coberta dos mais variados tipos de carne, grãos e frutas frescas, posicionados no decorrer de toda estrutura de madeira. Mesmo com a grande variedade e o odor magnifico não sentia o menor apetite, como se nada tivesse sabor.

–Não vai comer, Loki?- indagou Thor, enquanto se servia de um pedaço de peru.

Peguei um pedaço de pão com passas, por pura etiqueta.

–Só não estou com muita fome.

–Estranho- Comentou Odin- Após todo seu treinamento.

–Treinamento? Com Mestre Starr?- perguntou Thor.

–Não exatamente- Ele disse degustando mais um gole de vinho.

–Como assim? Você não...

–O treinei? Bem, não diria que apenas uma lição inútil e incompleta cheia de erros seja um treinamento.- Afirmou, mastigando uma fatia fina de peru regado em temperos sem cor.

–Eu me lembro- disse uma voz feminina, clara e precisa como não ouvia desde quando era pequeno.

–O que foi Frigga?- perguntou Odin, aparentemente impressionado com sua atitude.

–Eu me lembro- Ela se levantou da cadeira- Me lembro do dia em que Balder morreu. Ele havia voltado para casa após um longo treinamento no norte, orgulhoso, vivo, intenso, carregando a espada de bronze celestial que conseguira através de sua bravura e sabedoria em campo de batalha. Estava usando uma capa azul... Azul marinho. Eu dei pra ele. Fui eu que a costurei, com o símbolo de Asgard- Lagrimas translucidas caiam em seus olhos, deixando-os vermelhos, injetados - Então após passar uma tarde proveitosa em casa ele saiu com seu cavalo, Serin à noite. E Loki estava junto, acompanhando o irmão.

Não era para eu estar lá. Não era para estar com ele. Pensei o coração batendo mais rapidamente.

–Não era para ele estar morto. - Ela murmurou, sua voz quase inaudível.

Ela caminhou um passo em minha direção.

–Era para você estar morto!- Afirmou. Suas mãos finas agarraram a faca de prata sobre a mesa, a lamina tão afiada quanto qualquer espada.

–Era para ter sido VOCÊ!

Então ela se jogou sobre meu corpo, a fúria exalando em cada poro de sua alma, transpassando o seu corpo como chamas. Não houve tempo para uma reação. Estava demasiado impressionado com o que estava acontecendo para poder pensar com a devida clareza.

Antes que meu primeiro pensamento lucido tomasse forma, a lâmina fina havia atingido minha bochecha direita, perfurando a pele com brutalidade.

–Era para ter sido você, seu bastardo!- Ela gritou novamente, levantando a faca no ar.

–Frigga!- Odin agarrou seu braço com veemência, tentando afasta-la de mim.

–Temos que mata-lo!- Exclamou- Foi esse bastardo maldito e nojento que matou nosso filho!- Afirmou, debatendo-se, tentando se libertar daquilo que a prendia.

–Se controle!- Implorou Odin, agora segurando ambos os braços- Guardas... Guardas... - Ele chamou, virando a cabeça para trás, buscando desesperadamente um apoio maior para contê-la.

Rapidamente um grupo de dez guardas entrou no salão para auxilia-lo. Mesmo com a força de tantos homens ainda parecia dificultoso contê-la tamanha era à força de sua ira.

–Eu vou mata-lo!- Ela jurou, enquanto meu pai aplicava um sedativo em seu pescoço- Eu vou mata-lo!- Gritou, se debatendo, embora com menos veemência.

–Era... Para... Você estar morto... – Suas palavras soaram fracas, enquanto seu corpo relaxava e seus olhos se selavam, uma última lágrima desfilando pelo seu rosto.

Eu abaixei a cabeça, atordoado, por ouvir aquelas palavras da minha própria mãe, a mulher que mais amava.

Mas ela estava certa. Realmente eu merecia estar morto.


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Notas finais do capítulo

Desculpe se houver algum erro gramatical. Sorry.
Comentarios, reviews....Please:)