Filho da Mentira escrita por Sirena


Capítulo 18
The Archer


Notas iniciais do capítulo

Sorry por ter desaparecido um tempo, porém estava sem inspiração.
Ainda bem que existem animes e jogos de luta que ajudam no desbloqueio mental.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/490297/chapter/18

Hoder

Quando eu voltei para casa, não era mais o mesmo.

Ainda era um filho prestativo e um irmão cuidadoso, porém algo havia mudado. Estava mais distante, mais calado, possuído pelas trevas.

Mas elas não me cegaram. Elas me deram a luz.

Um ano depois do ocorrido consegui minha primeira chance como arqueiro. Após dias nublados e ensolarados, após as estações se modificarem continuamente, meu dom se aprimorou de maneira alarmante.Com minha visão privilegiada, aguçada e clara,meus alvos se tornaram certeiros, firmes e precisos. Um dom que logo chamou a atenção do exercito real.

Embora ter começado como um peão, um membro dispensável da batalha que estava ali apenas para aumentar o numero de guerreiros, evolui em pouco tempo como um membro chave, um arqueiro de alto escalão, utilizado em missões importantes para eliminar alvos específicos, um assassino profissional, um guerreiro imbatível.

Hoder, o garoto que tentou arrancar os próprios olhos se tornou uma lenda.

A lenda de um assassino.

Quanto mais pessoas eu matava menos restava da minha humanidade. Comecei a matar por prazer, não por dever, pela honra. Gostava de sentir o sangue nas minhas mãos, ouvir o batimentos cardíacos da vitima se tornarem nulos. O pavor em seus olhos mortos. O grito quando há flecha o atingia. Durante os dez anos que se passaram nunca recuei no combate. Nunca deixei sequer uma vitima viva. Todos os alvos eliminados, plenamente. Sem exceções.

Até aquele dia.

Nunca pensei que a invasão há Wegmund, um pequeno vilarejo ao leste, pudesse mudar de alguma maneira minha vida ou minha concepção. Apenas algumas moedas de ouro e um número maior de vitimas para colocar na consciência. Nada, além disso.

O general Garret era o líder da missão. Um general austero, um homem nascido na espada, no metal e no fogo que liderava essa batalha em questão com garras de aço, a mente perspicaz e ativa, com uma voracidade doentia, muito mais do que as outras batalhas que enfrentei ao seu lado. Como se houvesse algo mais naquela batalha, algo pessoal.

–Quero que atinja tudo que se move. Não importa se é uma folha ou um maldito cervo. Nada sai vivo daqui hoje!- Declarou, entregando para mim o arco de madeira que outrora estava sobre a mesa.

–E por acaso já falhei alguma vez, General?- Indaguei, colocando o arco nas costas. Ele tinha muita sorte de não dar uma flechada na cara dele neste momento.

–Espero que hoje não seja a primeira vez- Grunhiu se dirigindo a saída da tenda, o vento frio soprando para dentro da maldita cabana.

–Não será- Murmurei, colocando a ultima flecha na aljava.

Vinte e seis arqueiros estariam espalhados no vilarejo cobrindo os pontos principais. Porém tenho absoluta certeza que eu fui o único que Garret se deu o trabalho de ir dar um pequeno sermão. Ele tinha um cuidado especial comigo em missões de grande importância, batalhas dessa magnitude que envolvia a morte de centenas de pessoas.

Coloquei o capuz negro, o tecido cobrindo boa parte do meu rosto. Um machado de bronze, leve e firme das tribos obscuras do norte, feito de um raro e mortal material estava posicionado em minhas costas estrategicamente, caso fosse necessário um ataque mais próximo, além de duas facas longas e grossas de caça, muitos mais duras e afiadas que qualquer adaga. Completando com a aljava lotada de flechas de aço e madeira nobre e um arco fino de fácil manuseio. Todos os acessórios que um exterminador precisava.

Sai da tenda com passos rápidos, uma massa de ar fria saindo dos meus lábios devido à baixa temperatura da região, combinada com a altitude levemente elevada. Todos os homens que compunham nosso exercito, aproximadamente cem indivíduos, estavam dispostos na parte exterior, todos extremamente preparados, fortes e brutos, alguns cujo antepassado os traia das piores prisões de Asgard. Assassinos e ladrões que encontraram um lugar adequado naquele campo de batalha brutal e sem regras.

–Temos vinte cavalos brancos e alazões em ótimo estado. Vou querer dezessete Mestres em Espada posicionados na linha da frente, cada qual com seu cavalo. Simon e Kal, dois arqueiros, ficaram com os outros, o último obviamente ficara com o general- Declarou, com um sorriso discreto nos lábios- Os outros ficaram na linha de frente, com exceção de Falc, Mohak, Rick e Hoder, nossos quatro melhores arqueiros e escaladores. Estes ficaram posicionados nas arvores, cuja altura e proximidade destas tornaram o ataque mais próximo, visível e fatal.- Explicou, apontando para o horizonte, as luvas vermelhas se destacando pelo branco da paisagem.- Lembre-se eles não sabem da nossa presença. Não esperam o que irá acontecer esta noite. Não esperam pela tempestade - Complementou colocando o capuz e preparando-se para subir em sua montaria.

O animal empinou, a crina branca balançando com a força do vento enquanto o animal voltava a ficar em quatro patas. Os outros cavaleiros seguiram seu exemplo, montando em seus cavalos, enquanto os demais se amontoavam em torno, ansiosos para guerrear.

–Ataquem- Ordenou Garret entre os dentes, a voz parecia firme, como se não temesse o que estava por vir. Ele ergueu sua espada apontando para o norte em direção ao vilarejo.

Imediatamente saí da minha posição inicial, correndo pelo prado aberto iluminado pela luz fria da lua, meus pés escorregando pelo terreno íngreme até encontrarem finalmente o solo plano e reto. Retirei as duas facas de caça enquanto meus membros continuavam moveis em alta velocidade, avistando antecipadamente a estrutura grossa da casca de uma arvore, castanha e não muito longa de uma espécie desconhecida, embora ter vivido toda a minha vida na floresta. Saltando alguns centímetros antes, finquei a lâmina no tronco, o caule lenhoso cônico maculado pela faca.

Usando meu corpo como alavanca, escalei a arvore em menos de um minuto, fixando-me em um galho grosso e longo, as pernas dobradas, flexionadas, a costas ereta, mantendo o queixo firme e os olhos fixos enquanto visualizava o meu entorno.

A imagem do caos.

As pessoas saindo de suas casas enquanto os cavaleiros invadiam suas residências, arrancando-as de suas camas, as mulheres aos prantos arrastando suas crianças, enquanto seu corpo era dividido ao meio por uma espada.

Estreitei os olhos, visualizando a face das pessoas. Garret nos mencionou que era um vilarejo de renegados, um grupo rebelde de elfos negros e alguns asgardianos portadores da praga: uma doença degenerativa que enegrecia os corpos, devorando a pele e os músculos até restar apenas ossos retorcidos. Mas não era isso que eu via ali.

O que eu via era humanos normais com características comuns como qualquer asgardiano, ausentes de qualquer patologia. Não era o que Garret havia dito para mim ou qualquer um de nós. Não era o que eu esperava.

Porém havia o outro lado da moeda. Eu era um soldado e como tal, devo obedecer cada comando fornecido.

Retirei a flecha da aljava, o arco posicionado a frente, as mãos enluvadas segurando-o firmemente, pronto para atirar. Como um falcão, fitei minha presa, um garoto com aproximadamente quinze anos, magro e pálido. Um alvo fácil. Sem erros.

Eu já havia matado antes. Muitas vezes. Era um assassino.

Mas nunca matei inocentes.

Com cautela abaixei o arco, estranhando o peso da flecha presente. Nunca havia hesitado antes. Não sabia se queria estar participando disso, se era esse o tipo de pessoa que queria ser. A pessoa que me tornara.

Coloquei meu equipamento nas costas, afastando-me rapidamente pelas arvores, deslocando-me para ver a situação como um todo. Ainda consegui ver de soslaio, antes de me afastar o bastante, o garoto que poupara sendo assassinado por uma flecha na nuca, na região central. Virei-me antes que seu corpo caísse no chão. Não podia desperdiçar tempo com quem já estava morto.

Corri pelas arvores, cada passo um deslumbre da destruição, algo que ao mesmo tempo estava e não acostumado, era difícil explicar. Você faz isso, você vê e ouve, porém não é algo que você se acostuma plenamente, nem com o passar dos anos, por mais duro e inumano que você seja .

Quando as arvores finalmente acabaram, quase no fim do vilarejo, saltei, caindo quase ereto no chão. O local estava aparentemente isolado, nem mesmo meus companheiros de batalha pareciam ter chegado aqui. Ou talvez chegaram e foram embora, não poderia dizer ao certo. Também não havia muita coisa nesse lado. Uma única e simples residência feita de madeira e cordas amarradas entre si, extremamente rustica, era o resumo do local.

Guiado pela curiosidade, percorri o trajeto até ela, sem saber ao certo o que iria encontrar.

Não foi difícil entrar. A porta estava tão velha e estagnada que um simples toque com a ponta dos quatro dedos fora o suficiente para abri-la e revelar quem se escondia ali dentro.

Uma mulher estava prensada na parede, os braços longos envoltos de um garoto pequeno e raquítico, sua estrutura e sua face indicando se tratar de alguém com talvez cinco ou seis anos no máximo.

–Não se aproxime- Gemeu a mulher, os olhos azuis injetados pelas lagrimas que escorriam pelo seu rosto e tocavam seus cabelos negros encaracolados.

Eu me aproximei, um passo de cada vez.

–Por favor... Não se aproxime!- Suplicou- Não se aproxime- Ela escondeu o rosto do seu garoto com seus braços em desespero.

–O que está esperando, Hoder?- Perguntou uma voz atrás de mim. Estava tão absorto na cena que não notei que estava acompanhado.

–O que você achou dela?- Indaguei. Não precisava olha-lo para deduzir que se tratava de Rick. Apenas o tom irônico de sua voz já o denunciava.

–Achei ela uma gracinha. Mesmo não sendo uma jovem donzela ela possui dotes chamativos. - Ele se aproximou o tom de sua voz com uma nota travessa- Você não está pensando em... - Rick esperou eu terminar a frase.

–Bem não se pode aproveitar de uma mulher morta. Não seria nada divertido- Conclui.

–Mesmo em uma guerra com tanta destruição você ainda pensa em compartilhar a cama com uma mulher- Mencionou, levantando uma sobrancelha.

–Bem, eles estão mortos e nós vivos. Temos que aproveitar- Podia ver o pânico no rosto dela, a aflição.

Rick estava na minha frente, os olhos fixos nos lábios grossos da garota. Um pequeno sorriso aflorou em seu rosto, enquanto ele guardava a espada no coldre.

–Você não ficaria chateado se eu aproveitasse dela um pouquinho. Cumpri com êxito minha missão hoje e não restou muita coisa para matar lá fora. Os outros darão conta do resto. Nem notaram minha falta.

–Sem problema.- Dei de ombros- Apenas deixe um pouco dela para mim

–Pode deixar- Concordou.

Rick se agachou, olhando fixamente para ela, enquanto esta murmurava palavras de suplica, dizendo que seu filho estava presente, para que não fizesse isso. Frio como o próprio inverno ele apenas sorriu, os dedos grossos e sujos de sangue se aproximando do seu pescoço, tocando a pele macia.

Aproveitando de sua distração momentânea, retirei o machado das costas, o barulho mínimo do objeto se deslocando. Então, antes que ele pudesse ter alguma reação, finquei a lamina no seu pescoço, o golpe arrancando metade do seu membro, permanecendo fincado entre os ossos e o músculos.

–O que? Mas... Você... Não...- Balbuciou, os olhos arregalados, as maças do rosto manchadas com o sangue do seu algoz.

–Vou te ajudar a sair daqui- Afirmei, arrancando o machado do corpo frio e imóvel de Rick.

–Mas...

–Apenas pegue o garoto. Eu cuido do resto- Afirmei.

Céus o que eu estava fazendo? Por que estava fazendo isso?

No fundo tinha todas essas respostas, apenas não queria pensar nelas no momento.

Rapidamente a mulher se levantou, carregando o garoto nos braços com cuidado, os pés nus desviando do cadáver estendido no chão, o sangue fresco lambendo seus dedos.

Seguindo meus extintos, agarrei o braço da garota , incitando-a correr, deixando para trás a cabana e o vilarejo. Dei-me o luxo de olhar uma única vez para trás, vendo o fogo, a dor e o sangue consumirem cada cubículo do lugar. Ao virar para o lado, vi que ela também estava observando, uma mecha do cabelo escuro voando com o vento e as cinzas, uma única lagrima caindo de seu rosto, enquanto ela voltava-se para frente. Para o presente.

–Feche os olhos querido- Implorou para o menino que prontamente a obedeceu.

Adentramos na floresta, deixando para trás apenas nossas pegadas. Nossa respiração e nossos passos eram o único som presente. Mesmo com tão pouco ruído nossa presença foi aparentemente notada por dois dos cavaleiros de Garret , o som de seus cavalos trotando na neve úmida.

–Fiquem atrás de mim- Ordenei, parando no meio da estrada de folhas e galhos mortos. Correr seria apenas um desperdício de energia. Pés sempre serão mais lentos que cascos e músculos grossos de um animal preparado.

Mas havia coisas mais rápidas que um equino. Muito mais rápidas.

Retirei meu equipamento de arquearia, a primeira vez que iria utiliza-lo naquela noite. Juro que estava quase sentindo saudade do peso do arco nas minhas mãos. Saudade da flecha atingindo o crânio de um homem que ainda assim, levantava a espada para se defender, como se algo tão manual e um tanto primitivo, pudesse ser mais rápido que uma flecha.

–Vai mesmo matar os seus irmãos por lixo? Nos matar por essa maldita vaca?- Perguntou o cavaleiro sobrevivente, observando o outro caindo do animal, o corpo imóvel e sangrando sendo pisoteado pelas patas duras do alazão assustado.

–Fala-me o homem que daqui cinco minutos vai servir de alimento para os urubus - Falei entre os dentes, atirando outra flecha em sua direção.

Ele levantou o braço, atingindo este membro superior ao invés da face, causando um ferimento perfurante dolorido e agonizante, porém não fatal. Não o que eu pretendia.

–Acha que é tão fácil assim?- Gemeu, pulando de seu alazão com uma adaga entre os dedos- Vou arrancar sua cabeça e vou leva-la numa bandeja de prata para o general. Ele vai ver o tipo de traidor que Hoder, o Cego se tornou- Ameaçou, o sangue escorrendo pelo tecido verde de seu manto.

Ele tossiu.

Eu levantei a flecha.

–Vai se esconder mesmo atrás de um arco, Hoder? Não tem coragem de lutar como um homem? Você não iria conseguir ganhar uma luta se não fosse essa maldita arma!- Rangeu, brandindo a espada.

Mantive a postura, firme e eclética.

–Não preciso provar nada a ninguém- Afirmei, atirando; a seta fincando no lado esquerdo de seu peito.

Demorei alguns segundos antes de sair daquela posição, estático e voltar-me até a mulher e o menino, parados, observando a cena perto de um velho carvalho.

–Como?- Ela olhou-me preocupado. Simplesmente dei de ombros.

–No fim desta trilha tem uma pequena casa completamente isolada. Tem apenas um pequeno cachorro dentro dela você... Vai saber qual é... -Disse fazendo um gesto com as mãos.

–Mas...

–Você quer ou não salvar sua vida e a do menino?- Tentei controlar a raiva na minha voz.

–Tantas pessoas perderam suas vidas... Por que justamente nós?- Ela perguntou, confusa, usando provavelmente as primeiras palavras que vieram em sua cabeça.

–Fique com a faca- Disse apenas, entregando uma das minhas facas de caça para ela- Vai te ajudar você e o garoto a se protegerem.

–È Hrethel- Ela falou, pegando a faca das minhas mãos.

–O que?- Perguntei confuso.

–Meu nome. È Hrethel. E sei por que vocês atacaram o vilarejo hoje... - Ela falou, olhando fixamente para mim.

–Não haviam infectados e renegados naquele local- Falei, franzindo o sobrolho, riscas finas se formando na minha testa.

–Não- Ela concordou- Não foi para isso. Não era a sua missão.

–E você sabe por quê? Sabe o real motivo?- Indaguei, surpreso por uma plebeia possuir algum conhecimento a esse respeito.

Ela se distanciou um passo, a cabeça baixa.

–Eles vieram para nos matar. Eu e meu filho.

–Quem iria querer vocês mortos?

–Nós estamos nos escondendo... Ele está atrás de nós. Quer nos matar- A voz estava distorcida pelas lagrimas.

–Quem?

–O rei... Odin quer nos matar...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que? Como assim? Cadê a morte do Balder?
Calma... Estou tentando amarrar algumas pontas soltas na fic e como o capitulo iria ficar muito grande... Resolvi dividir em três partes.
Saiba que tudo que contei até agora irá levar até a morte de Balder e que todos os personagens acrescentados serão uteis no futuro.
Titulo do proximo capitulo:Kill a Prince
#Balder´s dies