O Ônibus da Meia-Noite escrita por ChatterBox


Capítulo 2
Dois


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!
(Meu Deus eu postei os dois primeiros capítulos iguais! Estou corrigindo agora, espero que não tenha dado tempo de ninguém ter visto, se você viu o erro, desculpe!)



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Anna acordou às 7h da manhã, com o aparelho despertador apitando no seu criado-mudo. Grunhiu, remexendo-se na cama, e esticou o braço, batendo no botão “desliga” com frustração. Ao abrir os olhos, a sensação de estar recém-acordada lhe invadiu. A boca amarga, a cabeça um pouco zonza e pesada, os pensamentos tentando se reorganizar.

Lembrou-se que havia deitado para dormir à 1h da manhã, e por isso deveria estar se sentindo mais cansada do que de costume. Logo lembrou-se que conheceu um sujeito chamado Mark na noite passada, e eles selaram alguma espécie de juramento. “Bizarro”, pensou.

Ao sentar-se na cama — que não era bem uma cama, na verdade era só um colchão velho de casal, sobre o chão de madeira — deu uma boa olhada no seu velho apartamento imundo.

Aquele loft poderia ser confortável se ela tivesse dinheiro para comprar uns móveis decentes, mas não era esse o caso. Tudo estava meio colocado em qualquer lugar. O colchão, um sofá velho à alguns metros dele, onde era para ser uma sala, mas não tinha muitos objetos que a fizessem ter essa cara.

Na parte de trás, há alguns metros do sofá, recostadas na parede, suas telas, as tintas, um lençol encardido que ela usava para cobrir o chão e proteger dos respingos de tinta, uma janela grande que se estendia por toda a parede, mostrando os prédios sujos de Nova Iorque.

A cozinha era só uns armários que estavam meio quebrados, uma geladeira pré-histórica e um fogão que vivia dando problemas. Essa era a atual morada de luxo da artista em questão. E precisava fazer o que fosse necessário para continuar com ela.

Baforou pesadamente ao se recordar do que teria que fazer naquele dia. Tinha alguns meses de aluguel atrasado, e hoje era o momento de pedir um adiantamento no trabalho. Isso significava ter que lidar com o mala do seu chefe, e agir como um cordeirinho para ele, pois precisava do dinheiro.

Estava bem perto de receber uma notificação de despejo, e essa era sua última saída. Arrumou-se com o ânimo de quem o faz por obrigação, e minutos depois estava saindo pela porta, com um suco de laranja e umas bolachas no estômago. Lidaria com sua fome depois.

Merda. Lembrou-se que estava grávida. Ia precisar melhorar sua alimentação agora. Isso também significava que aquela vontade louca de fumar o primeiro cigarro do dia também ia se perdurar pelo resto dele, ou melhor, pelos próximos nove meses, saco.

Anna trabalhava numa pizzaria chamada “Fuego”. Pizzas podem ser italianas, mas o dono vinha do México. Senhor Padilha, um baita de um pé no saco. Quando chegou, o encontrou recostado ao balcão dos pedidos, conversando algo em espanhol com os funcionários que estavam na cozinha, que eram todos filhos dele.

Ao se aproximar, Senhor Padilha a mediu de cima abaixo, com o desprezo costumeiro e disse:

— Para que diabos está chegando tão cedo? Os garçons só precisam chegar a partir das 9h.

Anna olhou para o chão, suspirou com timidez, enquanto procurava uma forma de dizer o que precisava. Só foi vê-la hesitar que Senhor Padilha já sabia que tinha algo errado:

— Ah, não me diga que vai precisar faltar hoje! Os funcionários aqui precisam mostrar serviço, se ficar faltando muito já vou avisando que mando pra rua!

— Não, não é isso, Senhor Padilha — suspirou — eu na verdade cheguei mais cedo para saber se posso ser útil em alguma coisa hoje, já que vou ter que fazer um pedido um pouco inconveniente.

O chefe enrijeceu o rosto e a encarou, julgando-a:

— Fala.

— Eu preciso de um adiantamento.

Na mesma hora em que ouviu “adiantamento”, começou a inflar o peito e virar a cabeça pros lados:

— Ai, ai Anna, você sabe como as coisas funcionam aqui. Não gosto quando começam a ficar folgados. Não posso dar um jeito de ficar desembolsando dinheiro sempre que lhes dá na telha...

— Eu sei, Senhor Padilha, eu juro que só peço porque é realmente uma necessidade, mas eu prometo que...

— Olha, tudo bem, eu vou te pagar, mas vou logo avisando — apontou o dedo indicador, ameaçador — melhor que isso não se torne um costume, ouviu bem?

— Ouvi, Senhor Padilha — Anna abaixou a cabeça, subserviente — pode deixar.

O velho gordo respirou fundo e se virou pro balcão, impaciente, deixando Anna de lado. Na mesma hora o telefone do balcão tocou e ele atendeu, hora perfeita para que ela se afastasse.

Quando já estava longe dele, soltou todo o ar que estava preso no pulmão, e foi caminhando para a cozinha. Velho safado. Sempre atrasa os pagamentos, sempre dá com uns centavos faltando, e vem reclamar de funcionário folgado.

Anna foi até o armário dos fundos e pegou um esfregão e balde, para limpar a área dos clientes. Estava puta, mas ainda precisava tapear o velho.

Enquanto limpava, sentiu seu celular vibrar no bolso. Estranhou. Nunca recebia mensagens de ninguém, pelo menos não naquele horário. Os seus colegas de bar mandavam mensagem à noite, sempre chamando para a próxima balada. Seus pais a haviam deserdado depois que decidiu ser artista e desde então não mandavam nem um “oi”, quem poderia estar mandando?

Ao checar o visor, viu de quem se tratava. “Mark: Espero que ainda esteja no clima de um pacto”. Anna deu um risinho de canto de boca, abriu o aplicativo de mensagens e escreveu: “To dentro, baby”.

Mark respondeu quase que instantaneamente:

Mark: kkkk

Que ótimo

Não sabia se noite passada tinha falado sério

Ou se tinha sido efeito de alguma bebida kkk

Anna: Quando eu tiver bêbada vc vai saber

Mark: bom kk

Anna: tenho que trabalhar agora, até depois

Mark: Até

Anna continuou o expediente. Um pouco mais leve em saber que aquela loucura da noite passada tinha na verdade, dado certo de alguma forma. Quando o horário do almoço começou, ela guardou o esfregão e voltou ao seu serviço normal de garçonete. Que ela odiava, a propósito.

Às 22h, ela estava aliviada por poder ir para casa. Voltar ao seu apartamento de paredes mofadas parecia ser a melhor opção. Recebeu o dinheiro em um envelope, do Senhor Padilha, que lhe entregou com um rosto de desgosto, e saiu da pizzaria. Morta, querendo morrer.

Caminhou pelos quarteirões como um semi-zumbi. Os sons das buzinas e das luzes ressoavam no seu ouvido como um estampido que fazia sua cabeça latejar. Queria desaparecer entre aquelas pessoas, fazer seu corpo dissolver no ar, para não ter que existir, esse era o seu nível de insatisfação.

Na sinaleira entre uma avenida e outra, parou e colocou as mãos nos bolsos, olhando para cima onde o sinal estava amarelo, quando um vulto agitado, esbarrou no seu ombro e sumiu correndo, levando sua bolsa violentamente. Sentiu seu coração pular. Primeiro, o desespero de terem levado sua bolsa, depois, o pânico por lembrar do dinheiro dentro dela, sendo levado e sumindo para sempre.

Teve um impulso súbito de segui-lo, mas ele atravessou a rua e sumiu de vista, quando os carros atravessaram depois dele, como uma manada desgovernada, impedindo que ela passasse.

Se colocou na ponta do pé, tentando enxergar o rapaz que sumia de vista com sua sacola e seu coração apertou.

— Merda...! — xingou pro nada, e depois com mais intensidade — Merda! Merda! Porra...!

Encolheu-se e colocou as mãos sobre os ouvidos, apertou as pálpebras pra não chorar.

Quando ficou ereta, com o rosto à mostra, teve que fazer tanto esforço para engolir o choro, que seu rosto se tornou uma careta. Começou a andar para casa, dessa vez deixando algumas lágrimas caírem, porque foda-se.

Andou todo o percurso chorando em silêncio, as mãos nos bolsos e o coração apertado. Lembrava-se do ladrão levando sua bolsa em um loop infinito. Ninguém tinha visto. O maldito tinha calculado exatamente o momento quando a rua estaria livre para ele atravessar. Agarrou a bolsa e atravessou, segundos antes dos carros passarem voando novamente, e ela não poder reagir.

Estava tão cansada. Tão imersa nos pensamentos de como sua vida era uma merda.

Puta merda. Como ela queria poder tomar um drink agora. Encher a cara de cerveja, para ser mais precisa. Ou fumar um cigarro. Estava sendo uma merda ficar longe do cigarro. Sua desintoxicação forçada estava deixando tudo mais difícil.

Subiu as escadas do prédio e entrou no apartamento. Tentou não pensar. Se jogou no colchão velho e fitou o teto de concreto, mal acabado. Queria sumir.

Algo vibrou no seu bolso. Estava tão preocupada em estar triste que não se tocou que o ladrão não tinha levado o celular, porque estava no bolso, ufa. Ao menos isso.

Pegou o celular, e já sabia quem era. Não devia querer atender, mas fez no automático.

— Alô.

— Olá. Nossa, você tá soando estar péssima. — Mark comentou do outro lado.

— Obrigada.

— O que aconteceu?

Pausou para suspirar.

— Eu fui roubada.

— Não!

— Sim, um ladrão filho da puta pegou minha bolsa quando estava na sinaleira e saiu correndo.

— Não...! — negou, horrizado.

— Nem deu tempo de seguir ele, o filho da mãe atravessou a rua, e logo depois os carros passaram. Perdi ele de vista.

— Não...!

— Eu tinha o meu salário naquela bolsa.

— Ai meu Deus, para! Que coisa horrível. O que você tem? Isso não é normal, não é possível.

— Pois é  — suspirou.

— É muita tragédia para só um dia.

— Valeu.

— Não, tudo bem. Não se preocupa. Ao menos você tem o celular, não é?

— É, estava no bolso, por sorte.

— Que sorte.

— Sim.

Silêncio.

— Ao menos amanhã é sábado, vai poder ter um descanso dessa loucura.

— É, eu acho que sim... — pensou em comentar sobre estar devendo o aluguel, mas achou que soaria como um pedido para emprestar dinheiro, e não queria dar essa impressão. Era muito orgulhosa para sequer o fazer pensar que precisava de ajuda — e o que vai fazer amanhã?

— Amanhã? — bufou — amanhã tenho quimioterapia.

Silêncio.

— Uau — Anna.

— É. — Mark.

— Esqueci de perguntar, qual o seu tipo de câncer?

—  Pâncreas. Esse danado.

Anna deu um risinho, estava surpresa por ter conseguido rir aquela noite.

— Eu posso ir com você.

— O que, amanhã? Não, não, que isso, vai ser mó chato.

— Qual é, o acordo foi esse. Eu te ajudo, você me ajuda. E acho que te acompanhar na quimioterapia faz parte desse acordo.

— Ah, não sei não, você vai me ver todo doente, e frágil...

— Deixa de brincadeira — ela riu. Era incrível como ele conseguia brincar com tudo, devia ser irritante, mas até que estava sendo algo legal.

— Tá. Tudo bem. É cedo, 9h da manhã, no Carter Hospital, ala de oncologia.

— Desde quando 9h é cedo?

— É cedo para um sábado. E você tem uma cara que dorme até meio-dia.

— É verdade, geralmente durmo mesmo, mas eu consigo fazer isso pelo acordo.

Risinhos.

— Tá, eu acho que vou desligar agora. Espero que esteja melhor.

Disse Mark.

— É, eu tô sim. — ela suspirou, não era totalmente verdade, mas sabia que ia ficar bem. Não tinha outra opção — a gente se vê amanhã, no Hospital.

— Tudo bem. Boa noite, tchau.

— Tchau.

Desligam. Anna olha para o teto de novo. Arrasta seu braço, e toca com os dedos de leve na sua barriga. Era a primeira vez que estava fazendo isso. Não tinha se permitido ter um momento de “mãe”, ainda, era muito estranho. E para falar a verdade, iria guardar a memória desse momento bem no fundo do seu cérebro para fingir para si mesma que nunca aconteceu.

Mas por enquanto, se deixaria levar. Colocou as palmas das mãos umas sobre as outras no pé da sua barriga, e ficou em silêncio. Era estranho não estar sozinha. Mas também era reconfortante.


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Notas finais do capítulo

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Obrigada por ter lido, até o próximo ;)



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