Apenas Respostas escrita por Mark Garcia


Capítulo 1
One Shot


Notas iniciais do capítulo

Essa é minha primeira fic sobre Chiquititas. Como dito. O Capítulo é único. Boa Leitura!



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Morto por dentro. Era assim como eu me sentia semanas atrás.

Estava há tantos anos naquele lugar horrível, que já não tinha noção de mais nada. Nem do tempo, nem da realidade. Parecia que estava fadado a ficar preso naquela prisão de guerrilheiros até a minha morte.

Morte! Era uma coisa que eu vinha desejando muito ultimamente. Eu não aguentava mais tudo aquilo, queria dar um fim em todo esse sofrimento. Já não tinha mais nenhuma esperança, nenhuma expectativa.

Depois do acidente de helicóptero 15 anos atrás, passei pelas piores coisas que um ser humano poderia passar na vida. Aqueles guerrilheiros me tratavam como um pedaço de lixo qualquer. Aliás, um pedaço de lixo deve ter um tratamento melhor do que eu tive.

Foram anos de pura tortura. Fui agredido, torturado por diversas vezes. Forçado a fazer trabalho braçal. E até passei por algo que jamais imaginei passar: Ser estuprado. Sentia–me sujo, um farrapo. Nunca entendi por que aqueles homens me prenderam, por que me agrediam. Os anos passavam, e os momentos se repetiam intensamente.

O único contato humano que eu tinha durante esse tempo todo eram os outros homens que estavam confinados. Porém, nenhum deles aguentou e todos morreram. Só quem restou fui eu. Estava sozinho naquela prisão imunda, com minhas roupas completamente rasgadas e com a aparência extremamente acabada.

Nos últimos meses, as torturas foram diminuindo, mesmo eu continuando a ser tratado como um animal. Eu acreditava que talvez um dia eles pudessem me libertar. Como eu fui ingênuo. Os dias se passaram e nada mudou.

Minha esperança estava à zero. Foram inúmeras as minhas tentativas de fuga, todas em vão. Todas as vezes que eu tentava fugir, era capturado de volta, e recebido com socos, pontapés e coronhadas.

Na prisão, apenas via os guerrilheiros através das grades enferrujadas. Todos me olhavam com repulsa e desdém. Eu não entendia muita coisa do que eles falavam, mas entendia algumas vezes quando eles me xingavam. Chamavam–me de “monstro”, “besta” e “aberração”.

Era assim como eu me aparentava. A explosão do helicóptero depois da queda me deixou uma cicatriz monstruosa. Nunca me preocupei com a aparência, mas me sentia uma aberração com aquela enorme ferida em meu rosto. Talvez esse tivesse sido um motivo para que me prendessem.

Durante todos esses anos, a única coisa em que eu pensava era no meu grande amor. A Gabriela era a única razão para eu ainda querer estar vivo. Como eu gostaria de voltar pra ela e pro nosso filho. Queria muito poder ver como ele está, ele já deve estar crescido.

Também sentia muita saudade da minha mãe. Ela que sempre apoiou meu namoro com a Gabi. Fico preocupado em saber como ela está. Não sabia se ela estava viva ou não, se ela ainda trabalha pro Dr. José Ricardo, ou… se aquele homem pode ter feito algo de mal pra ela.

Só de pensar naquele homem, meu estômago se revira. Eu não tenho dúvidas que ele me mandou viajar com aquele helicóptero com defeito para o Amazonas justamente para me matar. Ele nunca aprovou meu relacionamento com a Gabi. E se ele foi capaz de me matar, eu tinha medo de imaginar o que ele poderia fazer com a minha mãe, ou com o meu filho.

Certa noite no acampamento dos guerrilheiros, caia uma forte chuva. O barulho da água e dos trovões fazia com que eu não ouvisse mais nada. De repente, um raio atingiu uma árvore que estava perto de onde eu estava. Essa árvore caiu e destruiu toda a parede da prisão.

Levei um enorme susto com o estrondo que a árvore fez. Não podia acreditar no que estava acontecendo. Parecia que finalmente eu tinha chances de sair. Sem pensar muito nas consequências eu saí daquele lugar correndo. Sorte que a tempestade estava muito barulhenta e aparentemente ninguém ouviu.

Afastava–me cada vez mais daquele lugar, estava correndo o máximo que eu podia. Encontrava dificuldades, pois sentia dor e frio. Minhas roupas estavam totalmente rasgadas e estava descalço, estava praticamente seminu.

Não dei muita atenção para meu estado e continuei correndo. Não sabia para que direção eu devesse ir, pois estava no meio da floresta Amazônica e estava escuro. Não me preocupei com nada, só corria. Até que de repente, fui perdendo os sentidos até meu corpo não aguentar mais, e caí no chão.

Acordei no meio da mata com o rosto pra cima. O brilho do sol estava me cegando. Levantei com uma enorme dificuldade. Meu corpo estava totalmente dolorido, com arranhões e feridas por toda a parte. Não conseguia andar direito por estar mancando. Andei na direção oposta ao sol para ir ao oeste.

Continuei vagando sem rumo com a perna mancando durante algumas horas. Até que finalmente consegui sair da floresta e entrei em uma estrada de terra, e continuei andando. Com muita dificuldade, caminhava pela estrada. A terra “fritava” meus pés mesmo estando de manhã.

Estava me sentindo totalmente fraco. Faz anos que não me alimentava e nem dormia direito. A minha fuga no dia anterior tinha esgotado o último pingo de energia que me restava. Até que novamente fui perdendo os sentidos e caí no chão.

A sorte é que quando eu tinha acabado de cair, apareceu uma caminhonete vermelha, velha e toda enferrujada. O veículo parou e o motorista saiu dele assim que me avistou. O sujeito parecia perplexo em me ver naquela situação.

O homem tinha por volta dos 40 anos, era magro e tinha feições indígenas. Ele me olhava com preocupação e percebia que eu não estava desmaiado.

– Ei! Rapaz! O que aconteceu?

– Eu… Eu… Preciso sair daqui. – Disse tentando tirar as palavras da minha boca.

– Sério? Me conta o que aconteceu. Você está muito mal! – Disse o homem estendendo o braço para me levantar.

– Eu… Fui preso por uns guerrillheiros… E… Agora… Eu consegui fugir. – Tentava falar com a respiração ofegante.

– Ah! Só podia ser isso. Esses guerrilheiros não tem jeito mesmo.

– Eu… Eu preciso sair daqui! – Disse eu novamente ainda fraco.

– Você não pode sair assim desse jeito. Olha só como você está! Se você quiser eu posso te ajudar. Vem que eu vou te levar pra um lugar.

O homem me segurou pelos braços e me levou até sua caminhonete. No começo estranhei a caridade daquele homem desconhecido, mas estava tão mal que não tinha capacidade de negar ajuda.

Minutos depois, chegamos à uma pequena reserva indígena. O homem me levou para uma das tendas. Com a ajuda dele e de uma das índias, que parecia ser sua esposa. Pude limpar meu corpo e minhas feridas.

Pude observar um aglomerado do lado de fora. Crianças e mulheres me observavam com atenção. Olhavam–me com medo e repulsa, parecia que eles estavam vendo um ser fora do normal. Senti–me um pouco mal, pois sabia que isso tinha a ver com a minha cicatriz.

O homem que me levou até a aldeia me entregou um cobertor velho que eu coloquei. Em seguida a mulher que me ajudou, me entregou uma tigela com uma sopa densa e amarelada que tinha um gosto agridoce.

Fiquei o tempo todo em silêncio. Depois de tomar aquela “sopa”, me senti um pouco revigorado e pude quebrar o silêncio.

– Quem é você? Por que me levou aqui?

– Desculpa se eu não me apresentei. Eu sou Araguaci, sou o cacique dessa aldeia. – Disse ele – E você quem é? Como tudo isso aconteceu?

– Meu nome é Miguel. Eu estive preso por anos numa prisão de guerrilheiros, e depois da tempestade de ontem, eu consegui fugir.

Araguaci parecia ouvir com atenção. De repente, ele se afastou de mim e se dirigiu até a porta da tenda e a cobriu com um pano para espantar os olhares curiosos externos. Em seguida ele pegou um bolo de roupas e me entregou.

– Toma! Você vai precisar disso.

– Melhor não, pode fazer falta.

– Não tem problema. Aqui ninguém se preocupa com roupas. E você precisa mais do que qualquer um.

– Obrigado.

Levantei–me e troquei de roupa. Não me importei em fazer isso na frente do homem. Ele era índio e já estava acostumado a ver essas coisas. E também, minhas roupas estavam completamente rasgadas, não tinha muito o que esconder.

Coloquei uma camiseta azul escura, um enorme casaco com capuz, uma calça jeans desbotada e sapatos velhos. Depois disso, voltei a me sentar e o homem se sentou ao meu lado.

– Mas, me diga uma coisa. Como você foi parar lá?

Comecei a explicar como tudo aconteceu. Expliquei da queda do helicóptero, que o pai da Gabi nunca aceitou nossa relação e que premeditou isso. Contei que quando fui embora ela estava esperando um filho. Também falei como fiquei anos preso e das torturas que passei.

– Nossa! Você passou por muita coisa. – Disse Araguaci impressionado com a história.

– Agora eu preciso ir pra São Paulo ver a Gabriela e meu filho. – Afirmei enquanto me levantava.

– Você não pode ir assim. Ainda está muito mal.

– Mas eu preciso saber dela e do meu filho! Eu preciso saber se meu acidente foi causado pelo pai dela!

– Só que você não pode ir desse jeito. Está muito fraco ainda! Não acha melhor você ficar aqui esta noite?

– Tudo bem.

Não tinha outra alternativa a não ser aceitar o convite. Realmente eu não podia sair daqui e ir pra São Paulo desse jeito. Estava fraco, mancando e todo machucado. Carregando apenas a roupa do corpo.

– Mas eu prefiro ficar aqui dentro. Não acho uma boa ideia sair. – Falava enquanto lembrava dos olhares amedrontados dos outros nativos.

– Não tem problema não. O pessoal daqui é muito curioso, quase ninguém saiu da aldeia pra conhecer o mundo como eu. Eu entendo como você se sente e se você quer ficar aqui, você é quem sabe.

– Obrigado.

Fiquei sentado lá durante algumas horas. Minha cabeça estava fervilhando. Não conseguia pensar em nada, só queria sair daqui e ver a Gabi. Justo agora que eu consegui sair daquele inferno. Estava tão perto, e ao mesmo tempo, tão longe.

O tempo passou, já estava de noite. A mulher de Araguaci me trouxe um prato farto, ela me olhava com certa indiferença, parecia que não estava com medo de mim. Não sabia o que tinha naquele prato de barro, mas comi mesmo assim, pois fazia tempo que não comia bem daquele jeito.

Poucas horas depois de ter comido, deitei numa rede e tentei dormir. Não conseguia repousar de maneira alguma. Sentia muita falta da Gabi. Sua imagem me vinha à cabeça, seu cheiro, seu sorriso, sua pele macia, seu jeito delicado. Como ela me faz falta.

A saudade vinha com preocupação. Não sabia como estava meu filho, que já era adolescente, e minha mãe. Sentiria uma culpa eterna se o José Ricardo fizesse algum mal para eles.

Quando dei por mim, já tinha pegado no sono. Acordei bem de manhãzinha, o sol ainda estava saindo do horizonte. Comi algo que parecia ser um bolinho de mandioca. Depois disso apareceu Araguaci que me veio com uma notícia.

– Tenho uma boa notícia pra você. Acho que você vai poder ir pra São Paulo.

– Como assim? – Disse rapidamente me aprumando

– Hoje eu tenho que ir pra lá resolver algumas coisas com alguns conhecidos. Se você quiser, você pode ir junto!

– Sério? – Perguntei abrindo um largo sorriso – Mas, não vai te atrapalhar eu estar junto?

– Não. De Jeito Nenhum. E além do mais, vai ser bom ter companhia. Vou de carro então a viagem demorará dias. Se você quiser, vai ter que ir comigo agora.

– Claro! Eu adoraria. – Afirmei com um sorriso no rosto.

Entramos na velha caminhonete rumo à São Paulo. Eu não podia acreditar que em breve, muito breve, eu reencontraria o meu amor e o meu filho. Eu sabia que a viagem demoraria muito, mas eu não me importei muito com isso.

Durante a viagem, eu e Araguaci conversávamos as vezes para passar o tempo. Ele saia do carro alguns momentos para comprar comida e gasolina, enquanto eu permanecia dentro dele. Recusava–me a sair, pois com meu rosto desfigurado era capaz das pessoas se espantarem e poderia até ser preso ou qualquer outra coisa. Não fomos a hotel nenhum, dormimos no carro mesmo.

Enquanto estávamos atravessando o estado de Goiás, veio em mente algo que eu não tinha pensado antes. Eu desapareci durante anos, então todos devem achar que eu estou morto. Não posso aparecer assim do nada. Ainda mais na condição que eu estou.

Estávamos na divisa de Goiás com Minas Gerais. O carro parou na frente de uma loja pequena, dessas que vende qualquer coisa. Ao voltar da loja, Araguaci entrou no carro e me entregou uma máscara preta.

– Toma. Você vai precisar disso. – Disse Araguaci

– Obrigado! – Falei enquanto colocava a máscara – Mas não precisava ter comprado.

– Não tem problema. Com isso aí você pode esconder sua cicatriz. Ou pelo menos dar um jeito.

Coloquei a máscara e depois me olhei pelo espelho retrovisor. Era perfeita, cobria toda a parte do meu rosto que estava desfigurada. A máscara talvez possa chamar a atenção, mas não chamaria tanto como se eu não a usasse.

Já estávamos atravessando o estado de São Paulo. Estávamos esgotados, foi uma viagem longa. Quando estávamos perto do destino final, Araguaci me deu um toque.

– Você tá mesmo disposto a saber de tudo que aconteceu e ver a moça que você ama?

– É o que eu mais quero agora.

– Por tudo que você falou, acho melhor você tomar muito cuidado.

– Eu irei sim. Aprendi algumas coisas durante o tempo em que estive preso. Eu vou conseguir.

O conselho do homem tinha fundamento. A partir de agora eu tenho que tomar o maior cuidado com tudo o que for fazer. Porque se o Dr. José Ricardo descobrir que eu sobrevivi, é bem capaz que ele tente me matar de novo.

Longos minutos depois chegamos à capital. Estava com minha ansiedade a mil, mas mesmo assim preferi escondê–la. Araguaci parou o veículo em um pequeno bairro, um bairro que me parecia familiar.

– Bom, chegamos. Vou ter que parar aqui, pois está perto da onde eu tenho que ir. – Anunciou ele.

– Tudo bem. É melhor assim, não tem ninguém por perto. – Falei enquanto saia do veículo.

Depois de sair da caminhonete me lembrei de dizer algo que eu tinha esquecido.

– Escuta, Araguaci. Por que você tá querendo me ajudar?

– Eu entendo o que você está passando. Você é um homem muito determinado. Passou por muita coisa e não deixou se abalar. Eu também faria tudo o que estaria ao meu alcance pelo meu povo.

– Obrigado cara. Não sei como te agradecer. – Dei um leve sorriso.

– Não precisa me agradecer. Só vá atrás daquilo que procura. E que Tupã de guie!

Trocamos um leve sorriso e depois disso Araguaci foi embora. Eu não sabia direito onde estava, mas me parecia familiar. Estava em uma praça deserta, e aproveitei para dar uma observada.

Avistei um prédio abandonado bem ao fundo. Fui me aproximando para ver do que se tratava e me deparei com uma igreja abandonada. Percebi que essa igreja era mais do que familiar. Era a igreja que eu me encontrava escondido com Gabi no passado. Nós ficávamos no lado de traz do lugar e namorávamos.

Entrei na igreja e encontrei um lugar completamente abandonado e sujo. Poeira para todos os lados, teias de aranha cobrindo os castiçais. Janelas, vasos e crucifixos quebrados, mas nenhuma imagem de santo ou algo do tipo.

Era o lugar perfeito para que eu pudesse ficar escondido, pelo menos por enquanto. O lugar estava sujo e provavelmente cheio de insetos e roedores, mas para quem já passou anos em uma prisão nojenta, aquilo ali não era nada.

Naquele momento estava com a faca e o queijo na mão. Precisava saber de uma vez por todas se o meu acidente foi premeditado. Precisava saber como estava a Gabriela e principalmente, o meu filho. Nada vai me impedir de encontrar o que procuro: Respostas!


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado da história. Dê sua opinião! Abraços!