Era madrugada, sem novidade, e a casa estava vazia e escura. Estava testando alguns jogos na “sala dos sonhos” do segundo andar, quando escutei um ruído na casa. Sem mais o que fazer resolvi dar uma volta, não encontrei nada e ninguém além de escuridão. Fui para a cozinha. Sei que estava indo muito até esse ambiente, mas é que depois que se descobre um delicioso prato tão próximo e disponível e não poder apreciá-lo na hora, você acaba buscando alguma coisa que possa substitui-lo, mesmo sabendo que não vai encontrar algo igual.

De repente abrindo armários, gavetas e outros compartimentos secretos, encontrei um embrulho de alumínio. Fiquei curioso e o coloquei sobre o balcão central. Abri um pouco e descobri um tipo de assado, mas pelo cheiro era algum peixe.

—Não mexa nisso!

Olhei bruscamente a passagem para o outro cômodo e vi os olhos amarelos claros e brilhando nas sombras escuras. De onde ela tinha surgido?Eu não escutei nada, me perguntei antes de voltar a dar atenção ao embrulho.

—Porque eu não mexeria nisso Jenn?- disse desafiadoramente abrindo um pouco mais o alumínio.

E ela se aproximou rápido e segurou meu pulso.

—Isso não é seu. -Jennifer me encarava fixamente, dando uma sensação estranha e inédita em mim.

—Não é um bom argumento. Já tive muitas coisas que não eram minhas. - e com a outra mão puxei um pedaço do peixe, joguei na boca e a encarei saboreando.

O que ela podia fazer agora?

Jennifer ficou alguns segundos abismada. Então, do nada, segurou meu pescoço cravando as unhas, ela estava muito alterada e isso doeu, quase me fez engasgar. Afastei-me alguns passos tentando tirar a mão dela e mastigando, sem muito sucesso, tentei me virar de costas pra onde ela estava, mas ela me seguiu sem me soltar e não se importava com tanto contado para me impedir ou tentar abrir a minha boca por alguma razão estranha e obsessiva. Comecei a me perguntar o que tinha acontecida com aquela garota que quase morria de timidez só de olha-la ou faze-la chamar a atenção? Por fim terminei de engolir e tive que a segurar suas mãos para ela parar de me arranhar e cutucar. Ela ficou me encarando fixamente com as sobrancelhas escuras quase se juntando na frente. Podia sentir que ela estava totalmente enfurecida e irritada comigo. Mas a razão disso? Eu não sabia. Aproveitei para tomar um fôlego dessa estranha briga. Ela puxou as mãos e me deu um tapa forte para finalizar as coisas.

—Isso é meu Roan! Não mexa, quando eu disser: não mexa! -ela gritou e se virou para fechar o pacote e sair carregando-o nos braços.

Eu não entendia exatamente o que aconteceu e apenas a assisti se afastar. Então segundos depois só pode concluir que ela era bem possessiva com o peixe assado, a ponto de levá-lo junto com ela pra onde estava indo e se importar muito de eu ter retirado um pedaço.

***

Estava bem acomodado, ainda dormindo, quando alguém meche na porta e entra silenciosamente.

—Roan!- grita Raphael. -Você devia ter ficado no sofá de lá de baixo. -ele estava indignado.

—Eu não gosto de dormir tão exposto. E aqui é mais legal com esses jogos e fliperama, deu pra ficar entretido.

Raphael chocalhou a cabeça desapontado, mas se conformou.

—Vamos o café da manha, já deve estar quase pronto.

—Certo. – me sentei. –Ei! Raphael. Sabe... eu gostaria de fazer alguns exercícios antes. – sorri zombando.

Ele ficou sem uma expressão e respondeu.

—Você sabe muito bem que aquele lugar ainda esta em reparos... Por sua culpa.

Ri quase gargalhando, e ele saiu do cômodo. Ele era um cara meio sem graça, além de chato e irresponsável.