Eu. É tão difícil falar essa palavra para mim mesma que mal posso pronunciá-la em voz alta. Eu sei o que sou; sou uma alma. No entanto, pareço-me com uma humana. Tenho certeza absoluta acerca de meus sentimentos, mas não consigo compreender a intensidade com que eles me afetam. Estou, na maior parte do tempo, confusa. Ainda sinto como se fosse uma intrusa, e quando vejo o esforço dos humanos para trazer sua raça de volta, apenas confirmo isso. Mas então, para me contradizer, aparecem as almas que ficaram, ou aquelas que habitam um hospedeiro que já se perdeu em si mesmo. Um pássaro aprisionado eternamente em uma gaiola.

Meu corpo é frágil e não estou acostumada com ele. Sinto falta das vozes de Melanie dentro da minha cabeça, e acho que as enxaquecas que ando tendo se devem a essa saudade. Ainda flagro a mim mesma olhando para Jared, porque sei que será difícil me desvencilhar dos sentimentos que nutri – e ainda nutro, mesmo que vagamente – por ele. Ainda vejo Ian encarando Melanie, e tento compreender; até pouco tempo atrás, eu era Melanie. Estou insegura. Eu amo Ian, e de alguma forma, sei que ele corresponde. Porém, pergunto-me todos os dias se, eu migrasse para um hospedeiro diferente de tempos em tempos, ele ainda estaria apaixonado por mim. Não sei dizer se ele ama a alma que eu sou ou o corpo que habito, e no fundo, sei que é uma fusão dos dois. Ele é um humano, e não pode amar algo que não seja. Nosso amor só pode existir se houver um corpo que possa sentir. Entendo isso. Contudo, não posso deixar de me sentir chateada ou afetada por esses pensamentos.

Toda vez que eu respiro o oxigênio, que olho para o teto da caverna iluminado pelos vaga-lumes, ou quando sinto Ian me tocar, a certeza de que quero ficar me inunda. Mas toda vez que percebo que não durará para sempre, que eventualmente, todas as almas partirão para que os humanos vivam em paz... Eu desmorono emocionalmente. Ultimamente, ando como um castelo de cartas, sempre prestes a despencar ao menor sinal de sopro.

Todos os dias, desejo que eu seja de fato a humana que aparento ser. Gostaria de ter nascido assim, de ter feito parte deste planeta naturalmente. Por mais impossível que seja, a esperança de realizá-lo às vezes se materializa em sonho.

Nós não precisamos de almas, pois já temos a nossa, disse Lacy certa vez, enquanto jantávamos. Ela estava certa, e desde que disse isso, não consigo me sentir confortável perto de ninguém. Tenho pesadelos acerca de Ian preso em si mesmo, com uma alma controlando seu corpo. Eu não poderia suportar.

Acho que preciso ser forte. Acho que isso é um male que se adquire quando se decide viver neste planeta. Uma espécie de Lei de Equilíbrio ronda esta atmosfera. Para que eu fique feliz, alguém tem que ficar triste. Essa é a conseqüência, e terei de aprender a lidar com ela caso queira viver as experiências e os sentimentos que os humanos podem proporcionar. E eu quero, e eu vou.