Esse é o Meu Pai escrita por Virgo


Capítulo 3
Doente




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Já tinha se passado algum tempo desde que Fukano fora morar com Shun. Shun trabalhava de manhã, treinava o menino a tarde em uma reserva ali perto, deixava a janta pronta e ia para faculdade a noite. Shun quase sempre chegava esgotado em casa, mal via o filho, não que se importasse, e seu irmão já estava sumido a um bom tempo.

Assim que chegou da faculdade, ficou espantando ao ver Ikki, sentado no sofá com Fukano encostado nele dormindo, e na mesinha de centro uma pasta de papelão.

¬ Ele lembra muito você. - Ikki comentou vagamente.

¬ Se gosta tanto assim dele, porque não o cria? - Ikki só faltou voar do sofá.

¬ Eu não vou repetir o que eu lhe disse no dia em que ele chegou. - disse tentando se controlar e não matar o irmão.

¬ Você nem procurou saber se eu queria ele em minha vida. - continuou como se fosse dono da razão. - Esse menino só me deu trabalho e mais nada.

Ikki pulou do sofá e ficou de frente para o irmão. Ikki nunca se imaginou com raiva de Shun, ou este o respondendo desse jeito, ele nunca imaginou que o coração de seu irmão podia ser duro e frio em alguns momentos.

¬ Jamais fale assim dele! - Ikki não deixaria aquilo barato. - Ele quer apenas uma coisa de você e esta disposto a tudo para conseguir. - Shun virou o rosto desinteressado, o que fez ele quase levar um soco. - A mãe dele morreu, Shun! - Shun não conseguiu evitar de olhar para o irmão. - Você é o último porto seguro que restou a Fukano!

Shun ficou irritado com aquela última frase, era óbvio que o menino era muito amado. Porque tinha que ficar justo com ele? Porque tinha que ser jogado para ele? Todos estavam felizes até então, porque tinha que mudar tudo? Ele queria que aquele menino não existisse, ele nunca pensou coisas assim para sua vida, então ele achava normal não gostar tanto assim do menino e só aturá-lo por obrigação.

¬ Eu não o quero! - falou convicto.

Aquela frase acabou com a paciência de Ikki. Ele não acertou o rosto do irmão, mas deu-lhe um lindo soco no estômago, que o fez se inclinar para frente sem ar e engasgando. Ikki aproximou-se do ouvido do irmão e disse:

¬ Chegara o dia, meu irmão, que se arrependera amargamente dessas palavras. - seu tom era frio e vazio.

Ele se afastou de Shun, respirou fundo varias vezes tentando recobrar a calma, enquanto Shun tentava recobrar o fôlego. Depois de calmo, voltou-se para o menino adormecido e começou a balançá-lo levemente pelo braço, o chamando.

¬ Fukano. Fukano. - o menino começou a demonstrar sinais de consciência. - Vamos. Acorde. Hora de ir pra cama. - o menino abriu os olhos confusos.

¬ Ah!? - depois de reconhecer o homem a sua frente, o menino deixou a confusão de lado. - Tio Ikki... meu pai já chegou? - a voz dele era arrastada.

¬ Já. - Ikki olhava o irmão por cima do menino

O menino seguiu o olhar de Ikki e encontrou o pai se levantando, sorriu por vê-lo antes de dormir e se levantou meio mole.

¬ Boa Noite. - o menino acenou, mas depois parou olhando por cima do ombro. - Tio, pra que lado fica meu quarto mesmo? - Ikki pegou o menino levemente pelo braço e o guiou até o quarto/dispensa, onde ajudou o menino a ir até a cama sem cair nem nada e o cobriu. - Obrigado. Mas não precisava.

¬ Precisava sim. - Ikki esboçou um pequeno sorriso para o menino. - Tenha uma boa noite.

Ikki encostou a porta e voltou para sala, onde Shun o esperava de braços cruzados e um olhar de puro desagrado, coisas raras de se ver.

¬ Viu!? - sua voz continha uma pequena linha de esperança e sarcasmo. - Você tem muito mais jeito do que eu! Porque não encerramos essa baboseira e você fica com ele?

Por um momento Ikki quis matar o irmão, mas logo desistiu da ideia, o menino precisava se Shun. Ikki então pegou a pasta de papelão na mesinha de centro e a estendeu para o irmão.

¬ Todos os documentos necessários para comprovar a paternidade, guarda e existência do menino estão aqui dentro. - Shun pegou a pasta a contragosto, e Ikki se dirigiu para saída. - Shun... - ele parou antes de fechar a porta atrás de si. - Fukano só quer que você o ame. Custa dar isso a ele? - ele olhou para trás na esperança de encontrar o olhar do irmão, porém encontrou suas costas. - Shun, pense que ele perdeu tudo o que mais lhe importava, pense que um dia nós já fomos iguais a ele.

Shun nada falou. Ikki então suspirou e fechou a porta atrás de si, indo, mas uma vez, embora.

Dias se passaram e Shun matriculou Fukano numa escola ali perto, todos os dias o menino insistia em contar o que tinha acontecido, mesmo que Shun não desse muita atenção. Agora a rotina deles estava melhor definida. Os dois saiam de manhã, treinavam a tarde e iam cada um pro seu canto a noite.

Desde a chegada de Fukano, a rotina de Shun se tornou mais árdua e cansativa. Ele tinha adoecido algum tempo depois da última visita do irmão, em que os dois tiveram uma briguinha. De inicio era apenas uma pequena constipação, mas a rotina só a fez piorar.

Um dia, depois de voltar da escola, Fukano o encontrou inconsciente na cozinha, o menino entrou em desespero, não sabia que o pai estava doente, mas não demorou em agir, viver cercado de Amazonas tinha suas vantagens.

O menino tratou, primeiro de tudo, de levar o pai para o quarto nem que fosse arrastado, sorte que o menino tinha força o bastante para arrastá-lo, ou Shun era leve demais para um homem adulto normal. O menino conseguiu, com muito esforço, colocar o pai na cama, mediu a temperatura e concluiu que ele estava ardendo em febre, correu para cozinha para pegar alho, uma tigela com água e um pano.

Ao voltar, molhou o pano, o torceu e o colocou na testa de Shun. Colocou o alho em torno de seu pescoço e o cobriu, saio correndo para a escrivaninha de Shun e verificou a agenda dele, onde ele anotava tudo. Pegou o telefone na sala e fez apenas duas ligações.

Horas depois Shun acordou com muita dor de cabeça e dando de cara com o irmão, sentado na beirada de sua cama.

¬ E ai? - Ikki sorria de canto.

¬ O que aconteceu? - sua voz era rouca.

¬ Você deve ser o homem mais sortudo desse mundo!

¬ O que quer dizer?

¬ Você, primeiro de tudo, não falou a ninguém que está doente. - ele fingiu contar nos dedos. - Então você piorou, muito, e depois deixou todo o resto para Fukano, que aliais, se saio muito bem cuidando de você. - Shun só pareceu lembrar do menino naquele momento.

¬ Onde ele está?

Shun tinha uma mínima preocupação na voz, podia não querer o menino, mas não significava que lhe queria o mal. Aquilo fez Ikki sorrir e não resistir a provocação.

¬ O instinto paternal está apitando? - Shun pareceu travar por alguns instantes.

¬ Cala a Boca! - aquilo fez Ikki rir.

Ikki sabia estar cutucando um ponto sensível, tanto que o irmão fez uso de palavras incomuns ao seu vocabulário, sinal de que estava irritado, algo que nunca combinaria com ele. Aquilo era tão estranho que Ikki só podia rir do irmão.

¬ Bem... - disse se controlando. - Ele está na escola agora. - a postura de Shun ficou mais relaxada, o que deixou Ikki, de certa forma, feliz. - Devo dizer que June criou muito bem esse menino. Ele tratou de abaixar sua febre, verificou seus compromissos e dando graças por você estar nas férias da faculdade, ele ligou pro seu chefe explicando a situação, este te deu dois dias de folga para se recuperar.

Shun estava de cabeça baixa, talvez absorto em pensamentos, pelo menos, era o que Ikki achava. E de fato era isso mesmo, Shun não entendia o porque de Fukano se preocupar tanto com ele, por fazer tanto por ele.

¬ Agora eu vou dar o fora! - aquela frase chamou mais do que a atenção de Shun, chamou seu desespero também. - Só voltei mais cedo que o normal, porque Fukano me ligou e pediu para voltar. - Shun ficou se perguntando como o menino tinha o número de Ikki, se ele nem se quer sabia que o irmão tinha celular. - Ele pediu que eu cuidasse de você enquanto ele estivesse na escola.

¬ Já vai embora? - Shun tentava esconder a magoa e a raiva.

Magoa, porque o irmão mal pisava em casa já estava indo embora. Raiva, pelo simples fato de ter mudado, mesmo que minimamente, sua postura em relação a Fukano e ter deixado seu irmão notar, e ainda por não ter o telefone do irmão, sendo que o filho tinha. Ikki olhou para trás com um sorriso torto.

¬ Fênix são aves solitárias, Shun.

E se foi, como se aquela fosse a melhor justificativa do mundo, como se tudo o que ele tivesse feito se resumisse naquela frase. Shun voltou a se deitar desanimado.

Queria que fosse como nos velhos tempos, mas desde que Ikki foi para Ilha da Rainha da Morte, desde que Ela morreu, ele mudou, tudo mudou. Ele tinha se tornado uma verdadeira Fênix, vaga pelo mundo sem direção aparente, e sem uma razão clara para viver, preso a vida sem jamais ter a morte como inimiga e sim como amiga. Apenas cinzas, condenado a sempre ser levado pelo vento, até que possa renascer ou repousar.

Já no caso de Ikki, este também desejava os velhos tempos, quando era só os dois, quando eram apenas irmãos. De fato o irmão não errou sobre ele, mas errou sobre si mesmo. Shun queria Fukano longe, não porque o odiava, mas sim por ter medo, medo de perder Fukano, assim como perdeu tantas outras coisas. Assim como perdeu o próprio irmão.

Mas...

Desde que tomaram consciência da existência de Fukano, Ikki tem voltado a aparecer com mais frequência e até mesmo Shun estava mudando. Quanto mais tempo os dois passavam perto do menino, mais eles mudavam e gostavam do mesmo.

Ambos se pegaram perguntando se o menino era capaz de trazer os bons e velhos tempos de volta e imediatamente se censuraram, ele era apenas uma criança, milagre ele não fazia.

Shun já se sentia melhor quando Fukano chegou em casa. O menino nada disse, passou reto, sabia que não era exatamente bem vindo, apertou o passo quando Shun o olhou.

¬ Fukano. - o menino travou no lugar. - Não está esquecendo nada não? - o menino girou nos calcanhares para encarar o mais velho.

¬ T-tadaima!? - o menino arriscou.

¬ Okaeri. - para surpresa do menino, Shun respondeu de maneira calorosa, será que estava delirando?

A situação tinha se tornado muito estranha para Fukano, que tentou sair de fininho quando a expressão de Shun voltou a ficar séria. Ele não tinha ideia do que acometeu Shun, mas ele não queria que o fogo, ou o cosmo, mas isso não fazia diferença, o alcançasse. Assim que deu as costas para correr até seu quarto/dispensa foi chamado.

¬ Porque cuidou de mim?

O menino soltou um riso. Ele não acreditava que teria que justificar algo tão tolo, na verdade era algo quase instintivo, querer ajudar os outros fazia parte de seu ser, assim como fazia parte de Shun.

¬ Porque!? - ele soltou outro riso e deu de ombros. - Faz parte de mim ser assim. Isso é claro, sem contar que você é meu pai e que naturalmente eu iria me preocupar com você.

Shun via a si mesmo no menino, via toda a ingenuidade que um dia possuiu, toda a inocência. O menino era exatamente igual a ele, até mesmo na hora de lutar o menino tinha receio de ferir o oponente, ele nem entendia o porque do menino continuar os treinos de Cavaleiro.

¬ Eu não te entendo. - Shun tinha uma expressão engraçada. - Você mal me conhece.

¬ Te conheço mais do que pensa. - o menino sorriu e foi andando até seu quarto. - Boa noite.

O menino estava louco pra sumir da vista do mais velho, não era normal os dois conversarem, geralmente só ele falava. E ele foi criado de forma a acreditar que depois da calmaria vem a tempestade. A pergunta de Shun o deixou um pouco relaxado, afinal, era uma forma de saber mais sobre o menino, mas ainda estava estranhando a situação. Antes de virar na cozinha, ele foi impedido mais uma vez.

¬ Fukano. - o menino se virou imediatamente e se deparou com um meio sorriso de Shun. - Arigato. - o menino gesticulou que não foi nada e se virou.

Entrou no quarto/dispensa atordoado. Shun sorriu para ele!? Porque!?

Ah, isso pouco importava. Pois pela primeira vez o menino viu um pai em Shun.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ^.^



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