Sim, ele detestava aquilo.

Não existia nessa imensidão terrestre alguma coisa que Ciel Vernutti detestasse mais do que jantar com sua família. Cutucou a comida, sem apetite, imaginando que o veneno das pessoas sentadas ali podia ter contaminado sua comida.

Olhou de relance para o líder da família, um velho frustrado com a vida de nome Victor Vernutti. Um magnata dos negócios que enriquecera de forma muito duvidosa. Desde que Ciel era pequeno, Victor nunca demonstrou ao filho qualquer sinal de afeição, ao contrário do amor que tinha com seus irmãos Fleur e Falco.

Fleur era linda. Linda de arrasar os corações de todos os homens. Já tinha ganhado muitos concursos de beleza. Mas era rude, e gostava de humilhar as pessoas, inclusive seu irmão Ciel. O irmão mais novo não conseguia contar nos dedos quantas situações constrangedoras que passara graças a sua irmã, desde quando eram crianças, até a escola e atualmente. Ciel sentia repulsa pela irmã, e não conseguia gostar dela nem que fosse a última pessoa da face da terra.

Falco era forte, altivo e esportista. Até hoje em dia, depois de adultos, ele não perdia a chance de surrar seu irmão caçula. Era um aliado eterno de Fleur, e sempre faziam coisas erradas e enganavam seus pais. Sempre fazia o que queria sem sofrer as consequencias, pois era sempre protegido pela mãe, Cora.

Cora era uma ex-dançarina, que hoje estava velha e enrugada. Mas isso não a impedia de espremer seu corpo pelancudo dentro de pequenos vestidos colados e com estampas escandalosas. Apesar de gostar muito de Fleur e Falco, parecia não se importar muito com Ciel, apesar de ser a que mais demonstrava afeto ao rapaz.

- Pai! - Fleur cortou o silêncio da sala. - Preciso de dinheiro para um trabalho na faculdade, pode me empresar?

Ciel quis suspirar, mas não o fez. Sabia que a irmã queria o dinheiro para sair, cair na gandaia, e aprontar junto com o irmão. Sabia disso, e não contava para os pais, pois tinha certeza que não acreditariam. Mas, naquela noite em especial, ele tinha um plano.

A família Vernutti era uma das mais ricas da pequena cidade de Belavista. Moravam em uma mansão gigante e cheia de cômodos. Mas, esse exito não fora conseguido por atos legais. Victor era um ex-mafioso, líder de uma gangue que controlou o mundo do crime em Belavista, fazia 20 anos. Ele ganhou muito dinheiro roubando, extorquindo e assassinando pessoas influentes. Mas, depois que conheceu Cora, decidiu se aposentar da vida de crimes, e atualmente, ele estava seriamente arrependido disso.

Victor levantou da mesa, sem cerimônia, e foi para seu escritório, onde passava a maioria do dia trancado, pensando na vida. Estava entrando em depressão. Sentia falta dos tempos antigos, onde ele era temido e respeitado de maneira apropriada. E sua família? Estava enjoado da cara da esposa. Todos os dias pensava em trocar a mulher por uma mais jovem, como sua secretária. Seus dois filhos mais velhos eram seu orgulho, mas logo eles sairiam de casa. O filho mais novo? Detestava aquele garoto. Sempre andando pelos cantos, com aquela aparência doente, e sempre gastando dinheiro com consultas médicas e hospitais, pois não conseguia nem parar em pé direito.

Queria fazer alguma coisa nova. Fugir, qualquer coisa.

Cora suspirou, e se levantou. Ciel foi atrás. Não queria ficar junto de seus irmãos.

- Você teve febre de novo? - Perguntou Cora ao filho, simpática.

- Não, já estou melhor.

- Vou ligar para o doutor Howard essa semana, para ele te examinar.

- Não gosto dele.

- Mas, ele é o médico da família faz anos. Não discuta.

A discussão terminou nesse ponto, e Ciel entrou no seu quarto a tempo de ver os irmãos saindo de casa. Podia parecer infantil, mas Ciel tinha uma vingancinha em mente, para mostrar quem realmente os irmãos eram para os pais. Era simples:

Ciel havia feito estágio no jornal da cidade, chamado Passolargo. Por isso sabia entrar no sistema e editar a edição que iria para a gráfica. Foi só esperar o primeiro site de fofocas colocar as fotos extremamente constrangedoras dos irmãos do ar, que o caçula colocou as fotos no jornal.

No mesmo jornal que Victor estava lendo pela manha, em seu escritório. Abismado. O que faria? Deixar os filhos de castigo? Mas eles eram adultos! Não. Não havia nada a ser feito, além de cortar a mesada dos dois. Dele, não receberiam mais um centavo, por ter mentido! Esse era o respeito que Victor desejava? Óbvio que não.

E assim, seu desejo por mudar, por fazer algo mais crescia dentro de si.