Gypsy escrita por Arabella


Capítulo 19
Um cara de New York.




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Pela manhã, ou melhor, pela madrugada (porque o sol nem sequer tinha nascido ainda) soltei a minha mão da de Finn e fui ao enlace das minhas roupas. Elas estavam espalhadas a esmo por todo o quarto.

E por mais que eu tentasse ser cuidadosa para não fazer nenhum barulho, de tempos em tempos eu acabava tropeçando, ou derrubando alguma coisa. Primeiro porque o quarto estava escuro e segundo porque era comum eu começar a desastrar nos momentos mais impróprios. Como esse, por exemplo. Por sorte, ou por cansaço, Finn não acordou. Vocês sabem como o dia dele foi agitado!

Volto para o meu apartamento, tomo um banho rápido e deito na cama para tentar dormir. Tentar e não conseguir. Sabe, não é que eu não goste de dormir com Finn, muito pelo contrário! Adorei ficar com minha mão entrelaçada com ele e sentir seu braço em minha cintura, mas... Tinha uma coisa que estava me incomodando. Claro que tinha! Sempre tem!

Finn achava que me amava. Achava! Mas será que ele me ama mesmo? Outra pergunta, melhor que a anterior: Será que eu o amava?! Uma pergunta muito filosófica para uma madrugada. Era melhor eu dormir e pensar sobre isso amanhã. Amanheceu e eu acordei na hora certa, sem atrasos. Por um momento pensei que eu era aquela residente responsável e ética de sempre, depois me lembrei do dia de ontem, com Finn e tudo veio por água a baixo.

É, pelo visto o problema do “Eu te amo” vai ficar para mais tarde. Vamos permanecer sem uma posição concreta sobre assunto por enquanto. Mas isso não significava que eu não tinha feito avanços. Porque eu tinha! A caminho do trabalho, (o qual antes, eu não passei para checar se Finn estava bem, por que: a) fazia poucas horas que eu o vi b) ele é bem grandinho, deveria saber se virar sozinho c) se algo estivesse errado ele viria chorar no meu ouvido) eu pensei coisas.

Primeira e mais importante: eu não detestava mais ele. Todas as coisas ruins que eu disse sobre o caráter dele já não eram tão ruins assim... Claro, ele continuava um bebê chorão! Mas um bebê chorão de uma maneira boa, um que me dava vontade de cuidar. (Apesar de eu não ter ido cuidar dele hoje pela manhã). Eu o estava evitando, pelo menos até eu ter certeza sobre em que ponto estou nessa relação.

Outra coisa importante: Será que temos uma relação? Ou será que foi algo que durou somente uma noite novamente?! Sei que pode parecer até idiota fazer essa depois da intensidade das coisas que aconteceram ontem. Mas estamos falando de um cara de Nova York! Com eles, nunca se sabe...

O que nos leva a terceira coisa importante: Naturalmente, eu sinto alguma coisa por ele. Caso ao contrário eu não estaria tão ressabiada. O problema é que eu não sei que sentimento é esse. Muito menos se é amor.

Começo a desconfiar que talvez tanto estudo desenvolveu meu cérebro, no entanto atrofiou meu coração. E que essa é a razão pela qual eu tenho filosofado tanto a respeito, mas não chegado a resposta sobre essa questão do amor ou não-amor. Chego ao trabalho e Blaine parece ultrajado.

– Você está adiantada!

– Deve ter sido o transito... – respondo distraidamente enquanto ponho meu jaleco.

– No metro não tem trânsito – que é de fato uma observação muito perspicaz da parte dele – Mas que bom que você chegou, independente de qual seja o motivo. Você merece um prêmio. - Um prêmio?! Eu não me sentia merecedora de um prêmio. Mas tudo bem, pelo sorriso sardônico dele dava para perceber que o prêmio em questão também não era digno de merecimento.

– Pode soltar a bomba – falei quando terminei de prender meu cabelo em um coque.

– Você vai ter a honra de atender os pacientes da emergência! Sob minha observação, é claro! - Emergência, uma faca de dois gumes. Aprendizagem em dobro, cansaço em quádruplo. Mesmo para quem trabalha na área as vezes pode ser um pouco chocante. Fraturas expostas causadas por acidentes de carros. Cirurgia às pressas para colocar ossos de vítimas de volta aos lugares certos. Dentro, e não fora do corpo. Crianças desestruturadas por conta de brincadeiras de mau gosto...

Enfim, se vê de tudo, muita coisa que às vezes eu não gostaria de ver. E não digo pelos ossos quebrados, pois já estou acostumada. Mas sim pelo sofrimento das pessoas, que chegam ali desestabilizadas e, sobretudo assustadas. Fim do plantão e eu estou na sala de enfermagem com a cabeça encostada no meu armário tentando reunir pensamentos alegre para chegar em casa. Chegar na casa de Finn na verdade. Eu sei, eu sei que disse que ia evitá-lo até ter uma conclusão completa do que é que sinto por ele, coisa que eu ainda não tenho. Mas existe uma coisa chamada saudade que...

– Rach, que bom que você ainda não foi! – disse Blaine que parecia aliviado por me encontrar. "Por favor, não me peça para passar a noite aqui, por favor não me peça, tenho um doente para cuidar", mentalizei.

– Preciso de um favor seu – ele continuou. - Internamente eu me encolhi, sabendo o que vinha por aí:

– Quero-lhe apresentar o Dr. Sam Evans – ele disse fazendo um homem alto, cabelos loiros e vestido de branco como nós entrar.

– Prazer... – eu disse ao apertar a mão dele. Talvez eu tenha sido mais reticente do que deveria ser, porque Blaine acrescentou:

–Ele é fisioterapeuta. O futuro fisioterapeuta de Finn.

– Ah! Muitíssimo prazer! – falei apertando sua mão novamente, dessa vez com muito mais entusiasmo.

– Igualmente! – ele respondeu com um sorriso, mas no fundo eu tinha a impressão de que ele estava me achando um tanto descompensada. O que não de todo errado!

– Esse é o favor que eu queria te pedir, Rachel – Blaine tomou mais uma vez a palavra – Você poderia levar o Dr. Evans para conhecer Finn? Tipo... agora? Você sabe, quanto mais rápido iniciar essa fase melhor para o tratamento.

– Claro! – respondi mais do que depressa – Eu já estou pronta para ir. Saímos a hora que você quiser – falei para o Dr. Evans.

– Então vamos logo de uma vez – sugeriu o doutor, girando em seus calcanhares. Pelo visto, eficiência era seu nome do meio.

No caminho eu fui contando o máximo de coisas sobre Finn que para ele poderia ser útil. Até mesmo um pouco de informações que não eram úteis, como por exemplo:

– No início ele não suportava a comida, sabe? Mas andei pesquisando umas inovações sobre a culinária medicinal e descobri pratos que podem ficar perto do saboroso! Imagine só, ontem mesmo ele pediu para repetir! - Sam Evans escutou todas as minhas histórias sobre as peripécias de Finn com um simpático silêncio e um sorriso divertido no canto da boca.

Chegando ao apartamento de Finn, ele pareceu abismado que eu tivesse a chave. Então tive que explicar que além de médica eu moro no mesmo prédio que ele, e que em caso de emergência, eu sempre estava ali, perto e disposta para atendê-lo.

– Apartamento legal – Sam falou olhando em volta, reparando principalmente na TV gigantesca da sala. - Outro solitário, concluí.

– E a do quarto é tão grande quanto! – disse de antemão, para que ele não se assustasse quando entrasse – Vou só avisar a ele que você está aqui e já peço para você entrar. Fique a vontade! – falo simpática ao me aproximar do quarto de Finn. Ele não estava sozinho. Santana, concluo sem maiores emoções. As maiores emoções eu tive depois do que eu ouvi:

– Porque não pode simplesmente aceitar que me ama e ficar comigo? – era Finn, dizendo para Santana. Gelei.

– Já podemos entrar? – perguntou o Dr. Evans, me impedindo de ouvir a resposta que Santana ia dar.

– C-claro! – digo atrapalhada – Mas antes, você quer algo para beber? Água, refrigerante, café, alguma coisa? Qualquer coisa!

– Um copo d’água não cairia mal. - Bom, se eu pretendo agir como se nada tivesse acontecido, eu preciso me esforçar mais. Com essa fala atropelada eu não vou conseguir ir muito longe com minha atuação, penso enquanto coloco a água no copo. Ou melhor, enquanto derramo a água em mim.

– Cuidado! – diz o Dr. Evans ao tirar ao tirar a jarra de água da minha mão para se servir sozinho. Que era de longe uma opção bem mais segura. E dez segundos depois eu já não tinha mais desculpas para não entrar no quarto de Finn. O Dr. Evans bebeu a água muito rápido, rápido demais para o meu gosto.

Ao entrar no quarto, Sam e eu vemos que Finn está cabisbaixo e Santana está segurando a mão dele. Que cena tão terna! É uma grande pena que eu tenha que interrompê-la... Mas as apresentações precisam ser feitas. Dou uma tosse forjada e eles olham para mim assustados, mas ainda assim, no olhar de Finn não tem nem um pouquinho de culpa. Cara-de-pau!

De agora em diante vou evitar o contato visual. Já estou desconcertada o bastante para ainda por cima ter que retribuir esses longos olhares indecifráveis que Finn está me dando. Eram tão desnecessários! Eu só ia fazer o que tinha que fazer e dar o fora dali o quanto antes. Aposto que até mesmo o Dr. Evans está achando o clima desse quarto muito pesado!

– Boa noite, pessoal – cumprimento com um sorriso forçado. - Estranho isso de falar “pessoal” para somente duas pessoas, mas bem, o que eu posso fazer? Estou tentando não pronunciar o nome dele em voz alta, pois sei que isso vai ter conseqüências catastróficas, como por exemplo, lembrar da noite de ontem, ou ainda pior, desses minutos anteriores. - Vim apresentar o Dr. Evans, ele vai ser seu fisioterapeuta a partir de agora – digo a Fin sem realmente olhá-lo nos olhos.

– Oi! Eu sou Santana, a enfermeira de Finn – ela se apresenta com um sorriso iluminado. - Ninguém pode negar que ela tem razões para ser feliz...

– Olá, – responde Sam com um sorriso cordial – hoje eu só vim aqui para te conhecer – o doutor explica a Finn – e para avisar que pretendo começar as sessões amanhã mesmo e também, saber qual é o melhor horário para você.

– Não é como se eu tivesse muita coisa para fazer, estando semi-preso a esta cama qualquer horário é bom para mim – Finn diz bem humorado. Há há há, que engraçado, todos riem. Todos menos eu.

– Sendo assim... o melhor horário para mim é esse mesmo – diz Sam – logo quando acaba o plantão e posso vir para cá acompanhado da Dr. Berry.

– Com certeza – concordo em meu tom profissional. Finn assente, mas não está mais sorridente. Santana também assente e apesar de isso não ter nada a ver com ela, ela sim está sorridente.

– Bom, acho que meu recado já foi dado. Foi um prazer conhecer vocês – Sam diz apertando as mãos do casal que está sentado na cama de casal.

– Eu levo você até a porta! – falo as pressas antes que alguém interrompa meus planos de sair correndo dali. Ao fechar a porta do quarto atrás de mim chego a respirar aliviada. Tudo bem, não exatamente aliviada, mas sinto que talvez o pior já passou. Mas será que passou mesmo? Eu estava prestes a descobrir que o pior estava somente começando.

– Então, amanhã depois do plantão? – o Dr. Sam me pergunta.

– Combinado!

– Tem uma coisa que eu tenho que perguntar, bem, é uma pergunta um tanto pessoal, mas é só para que eu não cometa uma gafe no futuro.

– Pode perguntar – falei rapidamente, muito curiosa para saber o que era.

– Finn e a enfermeira, eles são... um tanto íntimos, não?

– Bem, é... uhn, acho que sim, eu não sei... Quero dizer, eles não me comunicaram nada.

– Mas parece, não é mesmo? - Assenti, o que mais eu podia fazer? Até porque, eu concordava com ele.

– Eles não devem ter te contado porque sabem que é anti-ético – Sam sugeriu – Puxa, vai ser complicado... eu não trabalho assim.

– E você está coberto de razão – eu o incentivo em sua revolta, mesmo sabendo que eu não tinha moral nenhuma para tal coisa. Que ontem à noite eu estava praticando a melhor falta de ética do mundo. Ah meu Deus, eu sou uma fraude!

Os dias foram passando assim, lentamente, e ao mesmo tempo rápido. Não tive muito tempo para pensar, com o relatório positivo da melhora de Finn apresentada por Sam, meu trabalho cresceu significantemente no hospital. Blaine era um supervisor exigente, sempre soube disso, mas tudo o que ele me cobrou até aquele momento era piada perto do que foram essas semanas. Eu havia ficado quase todos os dias na emergência, quase não tinha tempo para descansar e me alimentar? Acho que nem sabia o que era isso. Provavelmente, por causa disso, devo ter perdido três quilos indesejáveis de toda mulher, a notícia boa. Meu único momento de relaxamento, se é que pode-se dizer isto, era quando Sam – um verdadeiro gentleman, diferentemente de Finn –me esperava depois de seu turno para me levar para casa. Eu até tentei recusar, mas ele era decidido e dissera que estavam indo para o mesmo lugar, por que ficaríamos de charme um com o outro?
Anormal para nova-iorquinos. Mas talvez eu só esteja acostumada com os tipos errados. Leia-se Finn Hudson.

Sam era uma companhia divertida. Mesmo quando você acaba de sair de um turno exaustivo na emergência, eu conseguia dar boas risadas.

Por tudo isso, pelos meus plantões sucessivos e exaustivos, pela melhora considerável de Finn e pela assistência experiente de um fisioterapeuta conceituado, eu nem apareci mais lá. Não tinha clima. E ele não parecia sentir minha falta. Mas também quase recuperado e acompanhado de uma morena voluptuosa, por que teria? Sou só uma desajeitada residente. Como competir? Só que naquele dia, naquele dia eu estava revoltada!!

O dia quatro de julho, como já explicado, era uma data muito importante para mim e minha mãe. Todos os anos eu voava para Califórnia e passávamos o dia juntas, comíamos a comida preferida do meu pai, bebíamos a bebida dele e víamos seus programas preferidos, em tributo. Uma tradição que seria rompida. E que só não me fez chorar na frente do Dr. Blaine porque me deu um ódio que se fosse um pouco menos normal teria dado umas boas bofetadas nele! Estava de plantão por três dias seguidos e ainda enfrentaria um feriado. Parecia que Blaine queria me punir. Ao que, exatamente, eu não sabia.

– Olha quem apareceu! – Finn deu um sorriso cínico quando entrei no quarto

– Poupe-me das piadas, eu não estou num dia bom.

– E quando está?

– Só vim ver se estava bom, pelo jeito está melhor impossível. Então posso ir – dei as costas

– Não, espera! – ele quase gritou. Olhei assustada para ele, Sam tinha a mesma expressão.

– Desculpe. É que Santana merece um descanso, ela não tem uma folga há uma semana...

– Ah! E por acaso eu não mereço? - Nós nos olhamos.

– Vocês não vão tacar uma bomba a qualquer momento, né? Porque se for, me avisa, para que eu gire nos calcanhares.

– Fica! - Finn e eu gritamos juntos, por motivos diferentes, creio eu.

– Sinceramente? Acho que, pelo bem da minha sanidade, melhor não.

– Fique, Sam.

– O que aconteceu com o “doutor”? - Finn resmungou. Eu fingi não ouvir.

– Vou fazer a janta dele. Bom trabalho!

– Obrigado – Sam disse já abrindo a maleta. Tentei me concentrar na janta, a vontade de temperar de mais e fazê-lo morrer engasgado era muita. Que cara de pau! Então, é assim que funciona, quando a Santana não pode ele me chama. Se a Santana pode... pra que a doutorazinha meia tijela do apartamento alguns andares a baixo, não é mesmo? Pois vai ter troco. Me aguarde. Acha que só ele pode ser o garanhão da história?

Vou tirar proveito de algumas coisas, algumas coisas que não teriam nenhum problema de ser tirado. Quando voltei pro quarto Sam já parecia acabar.

– Ah, que bom, estava morrendo de fome! Achei que tivesse ido embora. – falou Finn.

– Bom, - Sam me interrompeu, me olhando – ficamos assim então: Você vai ter um descanso pro feriado, e quando voltar da Califórnia... - Meus olhos se encheram de lágrimas. Rapidamente pus a bandeja sobre a cama e virei o rosto pra que nenhum deles visse. Seria vergonhoso de mais, até para mim.


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