À Sombra da Justiça escrita por BadWolf


Capítulo 9
Testemunha Silenciosa


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Avançaremos alguns dias nessa investigação do Estripador.
Creio que quem está sentindo falta da Esther e do Watson ainda ficará desapontado, mas peço para não ficar assim. Os dois irão aparecer no próximo cap.



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Londres, 26 de Maio de 1894.

Naquela manhã, quando acordou, Esther estendeu seu braço sobre o lado onde Holmes costumava se deitar. Vazio. Claro, ele já tinha ido embora. Algumas vezes, os dois acordavam juntos, e em outras ele partia imediatamente para Baker Street, sem acordá-la, embora ela se lembrasse de um beijo suave em sua testa ainda de madrugada. Mas de uns tempos para cá, ele mal fazia isto.

Esther sequer poderia imaginar no quê Holmes estava ocupado.

Naquele momento, enquanto ela estava se preparando para mais um dia na Universidade, Holmes tinha acabado de chegar ao Necrotério da Scotland Yard, onde o corpo da segunda vítima, ainda sem identificação, estava.

A identidade daquela moça, de aparentes vinte anos, constituía-se de um elo importante na investigação. Reid não encontrara nada na moça que pudesse ajuda-la a identifica-la. Ela era tão comum, sem cicatrizes, queimaduras ou sinais, como uma página em branco.

Agora, naquela manhã, Reid estava andando lado a lado pelos corredores do Necrotério Londrino com o único homem que poderia depositar alguma fé nesta tarefa – ainda que a contragosto. Na verdade, ele estava até preparado para ver aquele homem elegante e fino passar mal com o cheiro forte de formol que exalava pela sala. Mas Holmes agia normalmente.

–Mr. Holmes! – cumprimentou um dos legistas, vestido com um enorme avental branco respingado de sangue, que mais lhe dava a aparência de um açougueiro.

–Olá, Dr. Patrick. Vejo que está ocupado com um cadáver robusto.

O homem sorriu com a dedução. – Ah, sim... Seria perguntar demais se...

–Os respingos de sangue. Estão na altura de seu peito.Sinal de que precisou utilizar um banco para ficar na altura do peito do corpo para abrir o tórax.

–De fato, Mr. Holmes. Estou lidando com o cadáver de um homem gordo, pesava mais de cento e quarenta quilos, creio eu. Bem, se me permitem, tenho que terminar a autópsia. – disse o homem, despedindo-se de ambos.

Reid olhou brevemente para Holmes.

–Que lugar mais inóspito para manter vínculos de amizade. – resmungou Reid, provocador como sempre.

–O necrotério é um bom local de aprendizagem prática, Mr. Reid. Lembro-me de ter dispendiado horas por aqui, analisando e dissecando cadáveres. Até ajudei com alguma contribuição científica. Se fizesse visitas mais frequentes, perceberia sua valiosa contribuição à sua carreira na Polícia.

–Não precisei de livros para chegar ao posto de DI (Detetive Inspetor), eu tenho faro, instinto, tripas no estômago. – disse Reid, orgulhoso.

–Curioso suas tripas terem sido derrotadas por um Estripador. – Holmes soltou uma risada única, mas forte. – Desculpe, não pude resistir à piada. Olha, creio que esta seja a ala. – disse Holmes, cortando Reid com a aproximação da ala onde o corpo estava pousado.

Perto daquele único corpo feminino, despido sobre a mesa, estava o médico legista Stample, dito como um dos melhores do local.

–Senhores. – apresentou-se Stample. – Espero que consigam logo desvendar a identidade da moça, pois sua conservação encontra-se cada vez mais comprometida a cada dia que se passa.

–Sabemos disso, Mr. Stample. Faremos o possível para dar a este corpo um desfecho digno. Mas diga-nos, o que pôde apurar até agora?

Stample suspirou e recorreu a um bloco de anotações.

–Bem, ela tem entre vinte e vinte e três anos. Possui todos os dentes, embora dois dentes de trás tenham estado comprometidos com cárie.

–Sinal de que tinha ainda algum zelo. – observou Holmes.

–Bem observado, Mr. Holmes. – disse Stample. – Isso não é uma situação fácil de ser vista nos mais desfavorecidos, que tendem a já ter perdido algum dente nesta idade ou estar com todos podres.

Enquanto Stample falava dos detalhes que pôde ver, Holmes analisava o corpo. Pegava na mão, verificava as orelhas, enquanto fazia observações.

–Teve atividades sexuais antes de morrer. Diria que não mais que horas. Entretanto, não com muita frequência, se pensarmos nas prostitutas.

–Algum órgão foi removido de seu lugar?

–Não. Apenas as vísceras foram mexidas, entretanto. Ainda não sei com qual pretensão.

–Quanto ao estômago, Stample? O que achou?

–Não deu para investigar muito, o alimento já havia passado por uma etapa considerável de digestão. Creio que ela estava de jejum. Mas há um fato que eu queria mostrar-lhes, senhores. Encontrei algo bem peculiar. Querem ver?

–Por mim, está tudo bem. E quanto a você, Mr. Reid?

Reid detestava mexer com o corpo humano. Sabia segurar-se diante de cadáveres, mas vê-los abertos em suas entranhas era uma situação diferente. Ele podia sentir a bile em sua garganta apenas em pensar nisto, mas aceitou o convite.

O legista pediu a ajuda de Holmes com uma espátula para abrir o tórax. Enquanto explicava que o músculo da caixa toráxica se encontrava cada vez mais rígido por causa do estado mortis, Reid sentiu seu estômago revirar-se. Ao deparar-se com os órgãos ali, em meio às vísceras, o inspetor não resistiu ao chamado de prostração de seu próprio corpo e ameaçou vômito.

–Há um balde embaixo da mesa. – disse Stample. – Você sabe, anos de experiência, com famílias vindo aqui para reconhecimento... Estou sempre preparado para tais situações.

Holmes poderia ter se divertido com a cena cômica e nada graciosa do inspetor Reid vomitando diante de um cadáver dilacerado, mas estava tão concentrado no caso que ignorou tudo que estava ao seu redor. Embora ele tivesse certeza de que riria da cena mais tarde.

–Percebe, Mr. Holmes, o tingimento da traquéia? – disse Stample. – Realmente, eu não sei o que é isso. Creio que tenha sido aspirado horas depois.

Holmes analisava a cor amarelo claro que cobria fracamente parte da traquéia.

–Nunca vi nada igual.

–Hum... – Holmes pensava. – E bebida? Houve ingestão de bebida alcoólica?

–Não.

–Deixe-me ver as roupas. – pediu Holmes, com Reid já recuperado.

Stample puxou uma das gavetas e deixou pousar sobre uma das mesas um vestido simples, meio encardido. Holmes retirou de seu bolso a sua lupa e começou a analisar.

–Era um bom vestido, em um tempo remoto. Costura inglesa. Perceba só o traçar da costura, o material...

Efeminado, pensou Reid, enquanto observava Holmes alisar o tecido do vestido.

–Pode denotar que a vítima já esteve em boa situação, ou que o vestido era de segunda mão. Olhe só quantos remendos já foi feito no forro. Espere... O que é isso?

Havia uma mancha no vestido, na altura do peito. Holmes soltou um sorriso satisfeito, enquanto Stample e Reid tentavam entender o que estava acontecendo.

–O que foi? – Stample perguntou, curioso.

–Preciso de água... Reid, dê-me um copo.

Reid obedeceu a Holmes sem reclamar, tamanha era sua curiosidade. Entregou ao detetive o copo com água, e imediatamente Holmes molhou os dedos e passou sobre o tecido, depois esfregou-os por algun segundos, levando até mesmo ao nariz.

–Acho, senhores, que teremos de ir à Fábrica de Sabão de Lowership.

–O quê?! – resmungou Reid, sem entender.

–Essa menina trabalhava lá, Mr. Reid. Era uma operária. Eu encontrei resíduos desse sabão em todo lugar, em sua roupa, debaixo das unhas... A coloração da traquéia também vem disto. O aspirar diário do composto químico, corantes... Parte ficou colada a traquéia. Foi ótimo perceber isto, Mr. Stample, senão eu teria deduzido que ela era uma lavadeira.

Stample sorriu. – Obrigado, Mr. Holmes. Mas como sabia qual era a fábrica?

–Lowership é a única em um raio de cinquenta quilômetros que utiliza este pigmento em sua fabricação. Sei disso porque a minha senhoria reclama bastante desse sabão, se bem me recordo. Mas o importante é que temos por onde começar agora. Devemos ir para Lowership.

Na fábrica de sabão, foi confirmado que uma das funcionárias, chamada Mary Lisbeth, estava há dias sem comparecer ao trabalho e que seria demitida na primeira oportunidade. Sua discrição batia com o cadáver do corpo localizado em Whitechapel.

–Uma agitadora, isso que ela é! -esbravejava o chefe dela. – Tenho certeza de que ela ajudou a promover uma paralisação nessa fábrica... Sempre à espreita, enchendo os ouvidos de suas colegas com aquela baboseira comunista...

Holmes e Reid entreolharam-se rapidamente, com suspeita a respeito do homem.

–Então, Mr. Button, porque não a demitiu antes?

Button se encolhera. – Er...

Holmes parecia satisfeito com a inexplicável falta de argumentos. De certa forma, Reid também estava, mas seu jeito sempre provocador de agir não lhe deixaria sair daquela em brancas nuvens.

–Parece que Miss Lisbeth tinha um grande poder de persuasão... Ademais, não estamos aqui para comentar sua vida pessoal, Mr. Button. Nós gostaríamos de um endereço dessa mulher, Creio que ela tenha deixado algum em sua ficha, não?

Button olhou ressabiado. – No quê ela andou se metendo?

–Dê logo o endereço, Mr. Button, ao menos que o senhor deseje conhecer os aposentos da minha delegacia por dificultar uma investigação...

–Tudo bem, inspetor, tudo bem... – ele se rendeu, caminhando até o arquivo. Depois de alguns instantes, retirou de lá uma pasta e anotou o endereço em uma folha.

–Sabe dizer se ela tem familiares? - perguntou Holmes, já pensando na identificação do corpo.

–Não. Ela era uma sozinha no mundo. Parece que sempre foi. Por isso era desse jeito, audaciosa, petulante... Faltou limites. - disse, entregando a folha a Reid.

–Obrigado, senhor. Aliás, gostaríamos de conversar com algumas operárias. Apenas algumas averiguações.

–Espere até as onze horas, é o horário de almoço.

Holmes e Reid esperaram a hora do almoço e entrevistaram algumas mulheres na fábrica. O refeitório estava lotado de mulheres, das mais variadas idades e tipos, tendo em comum apenas o olhar cansado e miserável em seu rosto.

–Não, ela não tinha nenhum parente...

–Muito dedicada ao partido...

–Ela cuidava de todas nós...

–Sempre amiga, atenciosa...

–Bebia muito pouco, apenas a vi bêbada uma vez...

–Jamais se atrasava...

Reid e Holmes saíram da fábrica com uma das mulheres da fábrica, chamada Loretta, para fazer o reconhecimento do corpo. Realmente, Lisbeth não tinha nenhum parente e a única mulher que se mostrou disposta a ir a um necrotério fazer o necessário reconhecimento foi Loretta. Ela contou que devia isso a Mary, pois uma vez a moça lhe impedira de ser demitida. Ao saber do real motivo da presença de Holmes e Reid na fábrica, a moça se entristeceu, mas permaneceu firme.

–Mary era uma moça de vida problemática. Ela me contou uma vez que foi criada por um padre, que se dizia seu tio. Há cinco anos atrás ela descobriu que esse padre, que sempre lhe ajudou, era na verdade o pai dela. Fugiu de casa e veio para Londres, morar nesta miséria.

–Então, ela tinha uma vida confortável?

–Não era rica, mas certamente vivia melhor do que agora, em um cubículo abafado nessa cidade cinzenta e empoeirada.

Reid orientou Stample a não permitir que a moça visse a ferida causado por Jack, revelando apenas seu rosto. Ao puxar o lençol branco, Loretta sentiu um tremor subir à espinha.

Silêncio.

–Então? - perguntou Reid, com educação.

–É ela. Essa é a Mary.


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Notas finais do capítulo

Missão dada, parceiro, é missão cumprida!
Já temos um corpo identificado e outros dois para somar às vítimas do Jack.
Parece que as coisas estão começando a andar. Isso aí, Holmes sambou na cara do Reid. Se não fosse por sua dedução no necrotério, jamais teriam chegado à garota. Pelo visto, o casamento não lhe está atrapalhando.
No próximo episódio mataremos a saudade de Watson... Só não sei se irão gostar da aparição dele daqui em diante...
Obrigada por acompanharem, e até a próxima.



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