À Sombra da Justiça escrita por BadWolf


Capítulo 5
University of Eton


Notas iniciais do capítulo

Olá!!!! Mais um capítulo (bem longo, aliás) postado agora!!
Bem, vamos dar um tempinho de Jack por hora e mostrar os nossos protagonistas e suas tramas complicadas. Para quem está achando que a Esther é fraca, fraquinha por nosso Pomposo Detetive (I'm Sorry, Anne), terá uma surpresa e tanto, porque ela saberá dar o troco.
Boa leitura.



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Londres, 19 de Maio de 1894.

O primeiro dia como professora da Eton University foi um tanto desafiador, ela sentiu. Cada vez que andava pelos corredores, sentia os olhares curiosos dos outros professores, e principalmente dos alunos. Estes sim seriam a parte mais difícil de lidar. Era um desafio, ela pensava assim. Fazer com que todos aqueles rapazes a respeitassem como professora de Russo. Todos ali tencionavam serem diplomatas, portanto o aprendizado era necessário, uma vez a importância que a Rússia adquiria a cada dia que se passava. Além de quê, Esther tinha passado com louvor por todas as provas e entrevistas, inclusive desbancado todos os seus concorrentes – homens – durante a prova oral, com seu russo impecável, quase nativo.

O diretor, um homem de cerca de quarenta anos chamado Richard Donavan, aprovou Esther para ser a primeira mulher como professora daquela universidade, que ficava a trinta minutos de Londres, em um comboio. O próprio Donavan, aliás, tinha um histórico curioso. Sua esposa era conhecida no meio londrino – talvez até britânico – por sua luta por direitos mais iguais, em um mundo de machistas. Era uma bela e justa luta, pois mulheres eram perfeitamente capazes de fazer muitas tarefas que os homens, e Esther sabia disso melhor do que ninguém.

Ao entrar em sala e enfrentar os alunos, todos homens, que ficaram chocados e um tanto incomodados por estarem sendo ordenados por uma mulher, Esther sabia que aquela não era a batalha mais árdua de sua vida. Afinal, ela tinha vencido o maior machista da Inglaterra.

–Bom dia, classe. – ela começou. – Sou Mrs. Sophie Sigerson, sua nova professora de Russo.

Esther analisou a todos, que estavam completamente estarrecidos e pálidos. Era uma notícia tão difícil de digerir assim?

–Isso é um absurdo!

Pelas características mencionadas pelo diretor, aquele deveria ser James Stewart. Magro, pálido, de cabelos loiros e olhos azuis, e altamente conservador em seus pensamentos. Ele levantou-se e disse isso, como se estivesse na Câmara dos Lordes em um dia de votação.

–Seu nome?- perguntou Esther, com educação.

–James Stewart. Acredito, Mrs. Sigerson, que lecionar em uma Universidade não é algo de competência para uma mulher.

–São só estes os seus argumentos, Mr. Stewart? Porque o senhor sequer viu uma aula minha para chegar a esta conclusão.

–Mulheres servem para administrar o lar, educar e cuidar dos filhos e zelar pela família. Qualquer uma que haja diferente disso é uma...

–Acho melhor o senhor medir bem as suas palavras, Mr. Stewart. – disse Esther, enquanto apagava o quadro, e escrevia em russo algumas palavras, incompreensíveis aos alunos. – Bem, o senhor deixou o seu ponto de vista, eu respeitei. Agora, eu peço sua educação para que se sente e respeite o direito de seus colegas de assistirem minha aula. Obrigada, Mr. Stewart. Alguém tem mais algo a dizer? Não? Pois bem, daremos início a nossa aula com uma ligeira apresentação do idioma russo. Como todos devemos esperar, o idioma russo...

A aula ocorreu sem maiores perturbações embora Esther escutasse um ou outro cochicho a respeito de si. Ela os ignorava, e passava sua aula firmemente.

Ela percebeu, ao final, que alguns alunos foram amolecendo e cedendo, graças à sua maneira de dar aula e de ensinar. Foi um alívio constatar interesse em alguns, no final da aula.

Quando boa parte dos alunos já tinha ido embora, Stewart se aproximou de Esther, de maneira desafiadora.

–Hei de tirá-la desta Universidade!

Ela ignorou, e recolheu seu material. Sabia que a batalha seria difícil, mas ela estava disposta a enfrenta-la mesmo assim.

Quando angustiada, Esther tinha o hábito de levar sua mão ao pescoço. Secretamente, ela usava seu cordão judaico, o mesmo que Holmes tinha presenteando-a em Montpellier, quando ainda estava disfarçado como John Sigerson. Ela não o exibia, mas o fato de tocar em sua corrente e saber que ele estava lá era um consolo.

Ela fez a mesma coisa, enquanto caminhava de volta para a sala. Foi então que ela percebeu que não o estava usando. Suas sobrancelhas se ergueram de espanto. Ela lembrava-se de que o fecho estava com problemas, então certamente o cordão caiu de seu pescoço sem que ela percebesse.

Esther ficara magoada. Aquele foi o primeiro presente – entre outros daquela ocasião, em Montpellier – que Holmes lhe dera. Ele não tinha o hábito de ser um homem amável e nem mesmo Esther exigia isso dele, mas ela tratava com consideração aquele cordão ou qualquer coisa que seu marido lhe entregasse. Seu último presente estava muito longe de ser algo romântico: fora um pequeno kit de arrombamento, que Holmes cismava que ela, um dia, usaria. Mas agora, ela estava bem longe de cumprir a promessa de saber manuseá-lo. Não como professora em uma Universidade.

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Holmes certamente teria sido contra à sua decisão de se candidatar ao posto de professora em uma Universidade, mas um caso de importância na última semana o fez não ficar a par do assunto, e deu a Esther a oportunidade de comparecer às entrevistas. Ela sabia que ele estaria de volta à Londres ainda hoje, oportunidade perfeita para contar sobre seu novo emprego.

Qualquer outra esposa teria medo de enganar o marido desta forma, mas não Esther. Desde que se casaram, Holmes não tinha sido intransigente, pelo contrário. Queria que Esther fosse independente, uma vez que ele não poderia estar ao lado dela todo o tempo, por causa de sua profissão. Ao menos, era isso que ele tinha se proposto a ser. Desde que ele a fizera ser afastada pelo Serviço de Inteligência Britânico, sob a alegação do perigo que o Conde poderia exercer, Esther tinha dúvidas. Teria sido apenas um subterfúgio para afastá-la de uma profissão reconhecidamente masculina, ou era mesmo sinal de preocupação? O que quer que fosse, essa dúvida corroía seu coração, e isso se refletia em seu casamento. Ela se lembrava da manhã que acordara, após ceder a Holmes quando tinha acabado de discutir seriamente com ele. Sentiu raiva pela fraqueza da carne e por ser tão apaixonada por ele, a ponto de ser desarmada com apenas um sorriso – algo raro de se presenciar no sisudo detetive – que a fazia se esquecer de qualquer coisa ruim que ele fizesse.

Não se sabe se milagrosamente ou por mera maneira de se redimir, Holmes ainda estava dormindo na cama, embora fosse oito da manhã. Raras vezes ela o vira dormir ao seu lado, após uma noite juntos. Mesmo vê-lo dormindo de maneira serena, em parte pelo cansaço das atividades da última noite, a raiva ainda lhe dominava, deixando-a inquieta. Quando ela se levantou, acabou mexendo a cama, acordando Holmes.

–Vista-se. Está tarde e Mrs. Hudson certamente dará por sua falta. – disse Esther, com raiva, enquanto recolhia suas roupas espalhadas pelo quarto.

–Bom dia para você também, meu amor... – disse Holmes, se espreguiçando e bocejando, para ódio de Esther. – Vejo que você está irritada...

Esther ajeitou o lençol que lhe servia naquele momento de roupa e lhe atirou um travesseiro.

–Acho que tenho motivos para isso, não é? Ou você pensa que uma noite de amor será capaz de me fazer esquecer do que você fez?

–Pensei que já tivéssemos superado isto...

–“Tivéssemos”?! Eu é que tenho que superar, não você! Você terminou esta história com um caso ganho de um homem importante do governo e certamente um cheque felpudo.

–Você sabe que eu nunca me importei com status dos meus clientes, muito menos com o dinheiro... Esther, o que eu fiz foi...

–Chega, Holmes. Eu vou me banhar e você deve se arrumar, depressa. A não ser que você queira ter a sua santa imagem de solteiro convicto trincada, eu acho melhor você ir.

Holmes bufou derrotado e juntou suas roupas, que estavam espalhadas pelo quarto.

Agora, lembrando-se de tudo isso, foi a vez de Esther suspirar, derrotada e triste. Um casamento certamente não era algo fácil, que dirá um casamento da natureza que ambos tinham. Para começar, ambos viviam juntos com identidades falsas: Holmes era John Sigerson, e Esther era Sophie Evans. Ambos se casaram com uma licença em uma capela no interior, como Sophie e John Sigerson. O verdadeiro Sherlock Holmes permanecia sendo o solteirão de Baker Street, enquanto Esther Katz era uma viúva que tinha desaparecido do mapa depois da morte brutal de seu marido. Nenhum impedimento de concreto havia para impedir o casamento, mas ambos acharam que era melhor assim. Esther ainda morava a menos de uma quadra da casa de Holmes, e era agora uma mulher casada. Embora se sentisse tão sozinha por várias vezes que até se esquecesse disso. Como nesta última semana, desde sua primeira briga.

Esther estava casada com Holmes há duas semanas. A primeira semana, ela lembrava, tinha sido uma maravilha, mesmo sem ter acontecido uma viagem de lua-de-mel. Holmes passou inteiramente com ela todos os cinco dias em Sussex, e depois estando em Baker Street enquanto ela trabalhava em seu antigo trabalho. Naqueles dias, não havia nenhum caso, e para seu alívio, Holmes tinha encontrado outros caminhos para combater sua monotonia. Ele parecia calmo e paciente todos os dias, isto é, até terem sua primeira briga, com oito dias de casamento.

Esther lembrava-se, é claro, de certas dificuldades que ambos passaram. Embora tenham dividido um quarto ao mesmo tempo nos tempos na França, ambos não dividiam a mesma cama, o mesmo cobertor. Holmes era grande e um tanto espaçoso, e Esther era assim também, o que causava certos conflitos, como puxões de cobertores que acabavam por deixar alguém descoberto. Havia também a questão da privacidade. Esther percebeu que Holmes era mais tímido do que ela nesse quesito, mas ela respeitou sua intimidade. De maneira cômica, ele ficava mais ruborizado do que ela, quando ele a flagrava se trocando ou com pouca roupa. Sua típica educação de homem vitoriano falava mais alto que a vida de casado.

Apenas uma simples lembrança de seus primeiros dias de casado fazia Esther rir levemente, e ficar também ruborizada, lembrando-se dos momentos com Holmes. Ela ainda o chamava assim, após algumas tentativas para chama-lo de Sherlock, mas achava um nome tão esquisito que desistiu, passando a chama-lo apenas de Holmes eventualmente, ou vez ou outra de Sigerson.

Ela pensava ainda como ele iria se comportar quando descobrisse toda a verdade sobre seu novo emprego. Ela temia que Holmes não se mostrasse tão favorável a isso, embora ele sempre dissesse não se importar com suas atividades. Entretanto, não era este o seu comportamento nos últimos tempos.

–Posso saber por que está tão reflexiva?

Era ele. O forte cheiro de tabaco rapidamente impregnou suas narinas. Era quase um alerta de sua chegada, uma vez que ele pouco ficava em casa e Esther não fumava. Ambos trocaram um beijo.

–Não é nada, Sigerson. Só uma novidade.

–Ah é? Poderia saber?

Ela abandonou o preparo do jantar, e o encarou olho no olho, colocando suas duas mãos sobre os ombros, algo que quase a fazia ficar na ponta dos pés.

–Eu consegui um emprego.

Os olhos de Holmes se iluminaram. – É mesmo? Onde?

Ela respirou fundo. Pronto. Agora vai. – Na Universidade de Eton.

Holmes, que parecia contente pela novidade, logo obscureceu-se.

–Na... Universidade de Eton? – ele perguntou, quase como se estivesse analisando a possibilidade. - O que exatamente você faz lá?

–Professora de russo. O que acha? – ela perguntou, francamente.

–Bem, eu... Esther! – exclamou Holmes, ao perceber. – Você dará aulas para uma turma lotada de homens! Faz uma idéia de como...

–Sim, é claro que eu faço, porque comecei as aulas hoje.

–Deus Todo Poderoso! – exclamou Holmes. – Esther...

Esther sentou-se ao lado de Holmes. – Não há com o quê se preocupar. Eu darei aulas de Russo na Universidade. Os alunos me trataram com respeito, e o salário é muito bom também, e...

–Certamente você estará recebendo por isso menos da metade que um homem receberia.

–Não é uma questão de dinheiro, Holmes, mas também de realização profissional. Eu preciso do meu trabalho da mesma maneira que você do seu, e eu nunca me opus a ele. Espero que você também não se oponha ao meu. Da última vez que fez isso...

–Eu pensei que já tínhamos superado isso. – interferiu. – Você não me perdoou, não é?

–Perdoar não é o mesmo que esquecer.

Holmes resmungou qualquer coisa. Toucheé, ele pensou.

–Tudo bem, mas não me venha com queixas depois.

Ela regozijou-se, e deu-lhe um beijo na bochecha. – Eu sabia que você não se importaria com isso. Bem, você andou sem aparecer aqui há quase cinco dias... O que aconteceu, algum caso?

–Sim, um caso complexo que estou nas mãos. - disse Holmes, lembrando-se instantaneamente de suas incursões pelas delegacias do East End, reduto de Jack. - Mas confio que conseguirei resolvê-lo. Enfim, estou fatigado e um banho seria benéfico agora.

–Se quiser, eu posso preparar um banho para você.

Quando terminou de pôr os ingredientes na panela, Esther subiu para o seu quarto, onde ficava a suíte, deixando Holmes na sala, fumando. Ela abriu a torneira da banheira e lançou alguns sais. Quando a banheira estava parcialmente cheia, no entanto, Esther ouviu um barulho.

–O que foi isso? – ela pensou. – Sigerson!

Enquanto ouvia os passos nítidos de Holmes subindo para o quarto, Esther se assustou com o quebrar de uma das janelas, e uma pedra sendo lançada, bem próximo dela. Ela soltou um grito de susto, e Holmes imediatamente apareceu.

–O que foi, Esther?

–Havia alguém aqui, Holmes.


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Notas finais do capítulo

Caramba, que casal complicado!!!
Esther é tinhosa pra cacete. Arranjou um emprego pior do que espionagem, rs
Nessa época, mulheres em universidades era algo quase proibido. Nem mesmo alunas, muito menos professoras! Esther gosta de levantar uma polêmica e não se intimida. É Holmes, segura essa bomba porque isso é só o começo...
Ah, e deixem reviews!



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