(Um mês depois)

– Essa van é um ovo. – Se queixou Logan pela milésima vez enquanto voltávamos para o acampamento, mas ele não parecia tão empenhado em irritar a todos nós como fez durante todo o mês de treinamento.

Talvez assim como eu, ele estava ansioso para chegar logo ao acampamento e ver como as coisas andavam, saber se Will, Molly e todos os outros estavam bem. Certo, talvez ele só se preocupasse com Molly, algo que só os deuses sabiam o motivo. Mas eu gostava de todos os meus irmãos do chalé 7.

Com o pensamento lembrei de algo e lancei um olhar para Fernanda, que me olhava melancolicamente, a trégua entre os chalés estaria suspensa assim que ela pisasse no acampamento devido ao mal-entendido entre minha irmã e um dos irmãos dela.

Não que eu não tivesse tentado abordar o assunto e resolver tudo com ela, mas a irmã de Linda não aceitava quando eu tentava argumentar. Por fim acabávamos conversando sobre quase tudo, menos a rixa dos chalés.

Mais um sacolejo ocorreu na van que Quíron mandou para nos buscar, mas nem isso me chateou.

Olhei para Kevin, que me fitava com uma expressão entre o riso e uma careta. Ele ainda não havia se acostumado com a minha mudança de visual e por vezes pediu que eu voltasse ao que era antes. Revirei os olhos para ele que deixou uma risada escapar.

É, a maioria das nossas conversas era tão produtiva quanto essa.

Eu ainda achava surreal saber que um mês havia se passado desde a última vez que todos nós estivemos no acampamento. A grande maioria não havia mudado quase nada.

Ao contrário de mim. Olhei para baixo, para minhas roupas, afinal antes de sairmos da mansão eu obviamente coloquei a roupa do acampamento, camiseta laranja e jeans. Meu cinto firme em minha cintura e meus óculos sobre o meu cabelo (que Sadie havia me convencido de que pintar algumas mechas coloridas iria ficar legal) que resolvi deixar solto, meu material egípcio dentro da bolsa de carteiro ao lado do meu corpo.

Novo sacolejo na van que estava lotada, uma vez que Walt/Anúbis fez (ou fizeram? Eles dois deixam qualquer um louco. Como Sadie conseguiu casar com ele (s?) é um mistério para mim, ok, talvez nem tanto, afinal a Sadie é a Sadie) questão de mandar alguns dos iniciados do Nomo, por esse motivo Liz e mais alguns magos nos acompanharam durante a viagem de volta.

Talvez Logan não estivesse tão errado em reclamar do tamanho da van. Eu podia sentir cinco pés diferentes sobre os meus, felizmente minhas botas de combate eram bastante firmes e protegiam meus dedos de serem esmagados.

Havia pouca conversa ao nosso redor, os magos pareciam desconfortáveis com o fato de nós, que também éramos semideuses, termos trocado a ‘farda’ dos magos pelas roupas do acampamento.

Dei de ombros. Foi-se o tempo que eu teria me importado com aquilo.

Quando paramos meu coração acelerou. Faltava pouco agora, mas mesmo assim ainda era perigoso, muitos semideuses fora do acampamento deviam deixar qualquer monstro em um raio de cinco quilômetros em alerta. Tirando os magos que também tinham preocupação com monstros egípcios.

Argos abriu a porta da van e eu pulei rapidamente para fora para poder jogar minha mochila sobre os ombros e me esticar. Também queria ver o estrago feito em minhas botas.

– Quem diria que a nanica precisa se esticar em? – Logan falou debochando quando estiquei meu corpo o máximo que podia ao ver que nenhum dano havia acontecido aos meus pés.

Isso me irritou. Eu estava exausta das provocações dele que fui obrigada a aguentar no vigésimo primeiro nomo.

Uma bola de fogo cresceu na palma da minha mão até ficar do tamanho de um pires. Talvez a minha raiva não estivesse colaborando, pois não pretendia conjurar algo tão grande.

– Não sou mais obrigada a ouvir suas gracinhas meu querido irmão. – Falei disfarçando a minha surpresa quando ele recuou ao ver o fogo na minha mão. – Papai pode até ter que se manter neutro, mas duvido muito que Rá irá protegê-lo.

Pequenos raios começaram a surgir nas mãos de meu irmão juntamente com redemoinhos de areia. Como seguidor do caminho de Set ele era meio que um especialista em criar tempestades de raios. Eu escolhi um caminho pouco comum, quer dizer, o caminho me escolheu, afinal Zia havia me contado que em toda a Casa da Vida havia apenas três magos, incluindo eu, que foram escolhidos por Rá para seguir o seu caminho.

– Você está se achando não é mesmo? – Logan falou e com o canto do olho percebi que todos olhavam para nós com preocupação, alguns haviam puxado suas varinhas e cajados, talvez para impedir, ou ajudar. – O poder que Rá dá aos seus raros escolhidos é grande, e isso faz com que você pense que pode me desafiar.

Ele parecia estranhamente irritado com esse fato e isso me surpreendeu.

– Nat. – A voz de Liz chegou até mim, mas eu não a olhei. – Por favor, estamos correndo perigo aqui, parem com isso!

– Logan. – Chamou Adam, que durante a minha estada com os Kane descobri que era um grande amigo do meu irmão. – Isso não vai mudar nada do que aconteceu no passado. Pare com isso.

Meu irmão me olhava ferozmente, mas não desviei o olhar, em seguida ele fechou as mãos e extinguiu os raios antes de virar a cabeça para olhar Adam, a expressão de Logan dizia mais ou menos isso: Fique quieto! Nunca mais mencione isso!

Logan parecia ter ficado bem abalado com o que Adam falou, mas ninguém além deles dois parecia saber o que aquilo significava. Fechei minha mão e a bola de fogo se extinguiu.

– Ainda não terminamos. – Falei indo me postar ao lado de Liz. – Temos um mês para resolvermos isso.

– Estou pronto a hora que você quiser. – Logan respondeu em voz baixa quando Adam se colocou no seu caminho.

Subimos a colina, Liz ficou o tempo todo ao meu lado, às vezes lançava olhares preocupados, mas eu sorria e ela percebia que estava tudo bem. Eu havia aprendido a lidar com meu irmão idiota depois desse mês de convívio.

– Ainda é estranho ver você agindo desse jeito. – Ela comentou quando chegamos ao grande pinheiro que marcava o início da fronteira do acampamento. – Você não era tão briguenta e impulsiva.

– Entendo. – Murmurei me sentindo mal de repente, isso significava que eu estava muito diferente do que eu era antes.

– Mas é bom. – Liz se apressou em completar. – Significa que está mais preparada para enfrentar essa vida de ser duas coisas ao mesmo tempo.

Olhei para minha amiga. Liz não havia mudado demais, continuava um tanto acima do peso, mas não muito, seus cabelos ruivos, ondulados e volumosos estavam alguns centímetros maiores e naquele dia amarrados em um rabo de cavalo frouxo na nuca.

– Oi Peleu! – Alguns campistas falaram ao ver o dragão enrolado aos pés do grande pinheiro, que ao notar nossa presença bufou e sacudiu uma de suas cabeças. Vindo dele era quase uma recepção calorosa.

Olhei para Liz, que não parecia muito confortável. Agora eu entendia melhor aquela expressão, já que na mansão me explicaram que os iniciados não gostavam de se aproximar do acampamento. Semideuses os deixavam nervosos.

O que, na minha opinião, era ridículo.

– Você vem? – Perguntei para ela, que fez careta, mas concordou com a cabeça.

– Liz. – Alertou Antony, um mago seguidor do caminho de Osíris.

Ele era alto, dois anos mais velho que eu e minha amiga, um tanto pálido e com olhos cor de mel, cabelos escuros e um tanto compridos que caíam parcialmente sobre os olhos.

– Antony, não tem problema, ela vai ficar segura aqui, eu prometo. – Falei, mas ele ainda não parecia confortável com a situação.

– A escolha é sua Liz. – Ele murmurou em seguida.

Minha amiga revirou os olhos.

– Tudo bem, vou ficar aqui por alguns minutos, encontro vocês lá na mansão. – Decidiu ao olhar para mim e eu sorri.

– Certo. – Ele falou e olhou para os magos atrás dele. – Vamos.

Todos pareceram bastante aliviados com aquilo, talvez pensassem que Liz os faria ficar ali com ela.

Uma garota no meio deles pegou a varinha e desenhou um hieróglifo branco no ar, a garota se chamava Michelle, seguidora de Toth, vai por mim, os melhores magos para criar portais eram os seguidores dele, os segundos melhores eram os que seguiam Ísis.

Momentos depois todos haviam desaparecido, menos minha amiga. Você deve estar se perguntando por que não voltamos para o acampamento através de um portal, acertei?

Bom, Kevin me falou que os deuses gregos (vulgo: nossa família muito louca) decidiram que poderíamos ir para a mansão do jeito dos magos, mas para voltar usaríamos a van do acampamento.

Acredito que poderia ser pior.

Olhei para trás, mas os outros já haviam atravessado a fronteira mística e descido a colina. Liz mordia o lábio, como se não tivesse certeza de que tomou uma boa decisão.

– Vamos logo. – Falei e entrei tranquilamente no limite do acampamento, mas ela ficou parada no mesmo lugar. – O que foi?

– Só posso entrar se algum campista permitir, mais uma condição dos seus deuses em relação ao acampamento. – Ela deu de ombros. – Eles não confiam exatamente em pessoas como eu.

– Isso é... – Ela me olhou como se eu fosse louca por pensar em pronunciar o que eu achava. – Tudo bem então. Eu, Natália Vasconcelos, permito que você, Eliza Foster, entre no acampamento.

– Obrigada. – Ela falou e cruzou a fronteira.

– Vamos ver a Linda? – Perguntei sem saber o que fazer ao certo enquanto descíamos a colina.

O lugar estava mais bonito do que eu me lembrava.

– Claro, afinal ela não vai me perdoar se eu não contar para ela como foi seu primeiro mês com os magos. – Liz falou e piscou para mim.

Meu sorriso sumiu ao perceber onde ela queria chegar.

– Você não vai fazer isso. – Falei.

– Ah vou! – Liz disse parecendo se divertir antes de começar a se afastar para a área dos chalés comigo atrás.