O Jogo do Cristal escrita por Rumplestiltskin


Capítulo 11
Capítulo 10




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Chovia. Era algo comum para aquela altura do ano.

A água molhava as suas pernas, escorrendo por elas pequenas gotas que ensopavam o tecido e uniforme da pele. O hoodie vermelho cobria apenas parte do corpo masculino que o vestia, deixando as mãos geladas, encharcadas com aquela água miúda. Era em dias com aquele em que Killian mais gostava de correr. O ar frio misturado com a chuva, o cheiro a molhado conferiam-lhe paz e tranquilidade. Não se via ninguém na rua: as plantas dançavam alegremente naquele festival húmido, molhado e energético, os animais abrigavam-se nas árvores, nas tocas, nas casotas que possuíam no quintal dos donos.

Não ofegava. Por muito que corresse, por muito esforço que fizesse, o ar nunca lhe escasseava. Killian sabia-o. Tinham-lhe contado o que ele era, qual o seu destino, o que deveria fazer… Só não sabia como, quando, onde… A cidade sossegada, tranquila e chuvosa de Frame’s Hallow começava a desvanecer-se. As casas deixavam de ter a dimensão normal, as árvores desapareciam aos poucos e toda aquela urbanização dava lugar a uma neblina imensa e densa. Killian estava no centro de um nada pacífico, impassível de ser perturbado. Olhou em volta e tudo o que viu foi uma fina nebula, de um cinzento translúcido. Algo se aproximava, vagarosamente.

“Quando vais deixar de me visitar assim?”- inquiriu o rapaz sorrindo. Um ser feminino, de cabelos pelo pescoço negros, surgira atrás de si. Não media mais do que um metro e meio. Balançava as suas asas brancas, finas atrás de si, olhando para baixo.

“Desculpa, mas ainda não sei aparecer de outra forma.”

“Tudo bem, Lor.”

O ser, de seu nome Lorena, abanou freneticamente as asas em sinal de aprovação. A alegria espalhava-se no ar, como micropartículas de emoção expelidas ao acaso, numa festa onde os confettis explodem no clímax da mesma. A criatura parou suavemente a apenas alguns centímetros de distância do rapaz. As suas pequenas mãos alongadas e magras acariciaram-lhe o rosto com a barba por aparar. Killian fechou os olhos e esvaziou a mente. Lorena era uma fada, um elemental do Ar. Ainda jovem, apenas com pouco mais de seiscentos anos, aquela não tinha sido a sua primeira aparição ao rapaz. Segundo o que lhe contara, para que os humanos fossem capazes de verem as Fadas, tinham de silenciar e esvaziar a mente de tudo apenas focando a sua atenção no vazio e no silêncio, na pureza do mundo mudo e imperturbável. De pequeno porte e tronco estilizado, a matéria pela qual são compostas é subtil e etérea, sublime. O seu corpo é fluído e pode moldar-se com a força do pensamento, assumindo uma forma pré-concebida que os humanos possuem destes seres. A primeira vez que Lorena visitara Killian, tratara-se apenas de uma sombra, indistinguível. Ela explicou-lhe que isso se deveu ao facto dele não acreditar que tais seres pudessem existir e que, à medida que a sua mente começara a aceitar tal realidade, Lor tinha a capacidade de lhe aparecer sob a sua forma natural.

“Estás gelado.”- observou a pequena criatura.

“Sim, bem, em Frame’s Hallow está a chover.”

“Podias usá-lo para te secar.”- sugeriu, rodopiando sobre si mesma de braços abertos.

“Não vou usá-lo dessa maneira, já to tinha dito.”

“ Vamos Kil, tens que ser mais espontâneo, mais tu mesmo.”

“E sou, mas não vou usá-lo para isto.”

“Há de chegar a hora em que o quererás utilizar e não vais saber como.”

“Quando essa hora chegar, vai ser um problema meu.”- rematou o rapaz.

“Muito bem então. Depois não digas que não te avisei. Já agora, quem era aquela loira oxigenada do outro dia?”- perguntou Lorena, sentando-se, flutuando no ar.

“Que loira?”- Killian arqueou as sobrancelhas. Ele não conhecia nenhuma rapariga loira para Lor lhe estará fazer uma pergunta daquelas.

Rose Miller.”- declarou a fada numa voz fina revirando os olhos.- “Se queres que te diga, não faz nada o teu estilo.”

“E quem achas que faz o meu estilo?”

“Não sei, mas alguém mais… Ou melhor, menos… Humano.”- finalizou, piscando o olho.

Killian quase se esquecera de que Lorena, apesar de parecer pequena e frágil, era tudo menos isso. Para fada, tinha um ar muito pouco tranquilo e pacífico. Os cabelos negros contrastavam com a sua pele fina e pálida, cor de lavanda. Os seus olhos prateados eram rasgados e profundos como os de um gato. Não possuía qualquer vestimenta, encontrando-se apenas coberta por uma ténue camada de gás e musselina quase transparentes. Desceu, flutuando, até à altura do rapaz. Passou, novamente, uma das suas mãos pelo rosto de Killian, agarrando-o fortemente pelos cabelos do pescoço.

“Nem penses sequer em olhar para aquela humana.”- advertiu-lhe Lor.

“Senão o quê?”

A criatura soltou um grunhido agudo, fazendo ao mesmo tempo, um gesto no ar. Killian agarrara-se a bochecha direita: os dedos pontiagudos tinham-lhe cortado meia face, que sangrava. A fada sorriu e aproximou-se dele.

“Pode acontecer pior.”- avisou, beijando-lhe a face ao mesmo tempo que lambia o sangue o escorria.

*

“Que bom! Finalmente tens tempo para a tua melhor amiga.”- exclamou Rose, tristemente.

“Desculpa, não era minha intenção deixar-te de lado. Aliás, eu até acho que devias de vir connosco.”- declarou Phoebe enquanto fazia alongamentos. Correr pela manhã era um ritual já antigo das duas. Corriam quase todas as manhãs, pelo menos durante uma hora, sentando-se depois no muro de casa de Rose bebendo a famosa laranjada que a sua mãe lhes preparava.

“Como eu te estava a dizer, o Leonard é perfeito.”

“Mas afinal quem é esse Leonard? A tua nova paixão?”

“Hei! Ao falares assim até parece que tenho uma paixão nova todos os dias.”- Constatou Rose, indignada.

“E não tens?”

“Hum, não. Todos os dias não.”

As raparigas riram-se. Sempre que Rose estava por perto, o ambiente era calmo e descontraído. Talvez por ela ser normal ou apenas por se tratar da sua melhor amiga, Phoebe esquecia-se sempre de que algo grande, maior que todos eles, estava a acontecer naquele momento. As tropas especiais (era assim que o Oráculo lhes chamava) tentavam penetrar, rasgar a Muralha mas, até então, sem êxito. De facto, nem Phoebe, nem os outros tinham presenciado algo que indiciasse que o outro mundo estivesse em perigo.

“Quando a Muralha enfraquecer, o vosso presente será o primeiro atingido. Não sei esclarecer ao certo quais as implicações que terão a passagem de habitantes de Nékros para o vosso mundo mas situações estranhas vão iniciar-se, minha irmã. Mantenham os olhos e os ouvidos bem abertos e a boca fechada. Desconfio que hajam seres das forças especiais transfigurados no vosso mundo. Não confiem em ninguém.”

Aquelas haviam sido as palavras que o Oráculo lhe dissera na noite anterior. Tinha que conta-las ao grupo mas como? Segundo as suas contas, ainda faltava o elemento Ar e ela não tinha nenhuma ideia de onde o pudesse encontrar.

“Então? Aceitas?”

“O quê?”- questionou subitamente, afastando aqueles pensamentos da sua cabeça.

“Fazer uma festa no próximo fim de semana. Convidamos umas quantas pessoas e assim podias conhecer o Leonard.”- explicou entusiasmada, Rose.

“Mas é preciso uma festa para eu conhecer o rapaz?”

“Com uma festa, tudo sabe melhor. Aliás, nada poderá correr mal.”


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