O Jogo do Cristal escrita por Rumplestiltskin


Capítulo 10
Capítulo 9




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Alana acordou no sofá da sala, desorientada. O local encontrava-se fracamente iluminado, estando apenas aceso o candeeiro de pé que se achava junto à porta. Ali permaneceu, naquele silêncio, não sabendo quanto tempo ao certo tinha estado desmaiada. Endireitou-se, sentando-se, e olhou ao seu redor: ao que parecia estava sozinha. A cabeça latejava-lhe, o estomago contorcia-se-lhe como se tivesse bebido demais e estivesse prestes a vomitar. Vagarosa e pesadamente, levantou-se e foi, encostada à parede, até à cozinha. Era pouco mais pequena que a sala, toda ela com os armários em madeira escura, quase preta, com acabamentos em vermelho e o chão branco. Havia uma mesa de vidro com quatro cadeiras, três delas ocupadas por adolescentes com uma chávena na mão. O cheiro a café emanava no ar.

“Finalmente! Demoraste a acordar.”- declarou, entusiasmada, a rapariga de cabelo violeta.

Mas Alana não proferiu uma palavra. Limitou-se a olhar para o vazio, abanando a cabeça de um lado para o outro, sacudindo os seus longos cabelos ruivos. O que é que aquelas pessoas estavam a fazer na sua casa? Na sua cozinha? O que se tinha passado?

“Bateste com a cabeça?”- perguntou uma segunda voz.

“O que se passou?”

“Desmaiaste.”- limitou-se a dizer Ethan bebericando um pouco mais do seu café.

“E porquê?”

“Porque abusaste.”

“Abusei do quê?”

“Do teu poder.”

“Que poder?”

“Por favor, importam-se de acabar com esse diálogo de pergunta/resposta de duas palavras?”- pediu Phoebe, que estava a perder a paciência.-“Alana, senta-te por favor. Quero explicar-te algo.”

“Estou à espera.”- replicou a rapariga, dirigindo-se ao único assento livre, sentando-se bruscamente nele.

“Nós somos Guardiões da Muralha e cada um de nós tem um poder. Ethan controla o fogo; Alice controla a terra; eu controlo a água e tu…”- seguiu-se uma pequena pausa. Todos os olhares se fixaram na anfitriã. Nenhum deles tinha a certeza de que poder Alana era detentora. O que acontecera naquela noite tinha sido uma demonstração de poder puro, uma mistura de raiva, sede e vingança. Mas o Oráculo dissera que ela era a portadora do Cristal.

“E eu…”- continuou a rapariga, na esperança de obter uma resposta credível para aquela conversa.

“Bem, tu és a Guardiã do Cristal de Eoron.”

“Muito bem. E o que é Eoron?”- perguntou, pacientemente.

Phoebe limpou a garganta e começou a contar o que sabia, o que tinha experienciado e a conversa que tinha tido com o Oráculo. Dito em voz alta, tudo soava ridículo, tudo era ridículo mas era a verdade, por mais estupida que fosse.

“Então, estás a dizer-me que nós os quatro somos Guardiões de Eoron, destinados a proteger esse mundo de Nékros, o submundo. Que nos foram concedidos poderes dos elementos naturais para que nos ajudassem e que agora somos responsáveis por eles?”

“Sim, basicamente foi isso que ela disse.”- concordou Ethan.

“Vocês são doidos. Andaram a beber?”

“Alana, ainda há bocado presenciamos uma demonstração do teu poder. Algo que nunca tínhamos visto. Já todos conhecemos o poder uns dos outros. Por exemplo: o Ethan controla todo o tipo de fogo e derivados. Pode provocar um incendio, extingui-lo, atravessar as chamas sem ser queimado. Alice pode provocar terramotos, desabamento de terra, separar continentes ou simplesmente fazer florescer uma flor.”

“Eu posso fazer isso? Boa, quero experimentar!”- afirmou veemente.

“Em casa não!”

“Já eu controlo a água. Posso fazer nascer uma fonte em qualquer sitio ou apenas não fazer chover. Claro que isto é o básico, mas com tempo e treino, vamos aperfeiçoar.”

“E vocês esperam que eu me junte ao vosso grupo só porque sim…?”

“Não, não é só porque sim. É o teu destino.”

“Quem o disse?”

“Se não acreditas, aqui tens. Depois diz-nos alguma coisa.”- Phoebe tirou algo do casaco que se assemelhava a um pergaminho. Estava enrolado e preso com uma fita, que mudava de cor ao toque da pessoa. Quando Phoebe lhe tocava, era azul. Mas assim que estava o depositara no tampo da mesa, a fita tornara-se castanha baça.

“Vamos embora.”- declarou Phoebe. Os dois adolescentes levantaram-se quase automaticamente das respectivas cadeiras, abandonando a divisão silenciosamente.

A rapariga quedou-se estática e muda no mesmo local, mirando o pergaminho, velho, pensativa, enrolado em cima da mesa. Fitava-o de maneira irregular, receosa e incrédula, como se tudo aquilo não passasse de uma brincadeira que correra mal, depois de uma festa onde a máxima era beber até não poder mais. Caminhou de um lado para o outro, roendo as unhas sem nunca tirar os olhos do pedaço de papel. Esticou a mão e algo estranho aconteceu: a fita que prendia o pedaço de papel mudou automaticamente de cor. Antes castanha, a tira adquirira, agora, um tom escuro, preto brilhante quase cor noite. O papel levitou alguns centímetros da mesa, desenhando formas que cortavam bruscamente o ar. A rapariga recuou rapidamente a mão, o pergaminho caiu, de novo, no local onde tinha sido depositado. Bateu bruscamente com os membros na mesa, fazendo um barulho seco e oco. Sentia-se frustrada e irritada, não acreditando no que lhe estava a acontecer. Ela, que nunca acreditara em magia, em contos de fadas e muitos menos num universo ou realidade alternativos.

“Isto é um absurdo!”- gritou atirando o pergaminho contra a parede. A fita que o atava abriu-se graciosamente no ar, deixando à mostra o conteúdo que, outrora, estivera escondido. O papel abriu-se e expandira-se. Um forte clarão emanava do pergaminho, obrigando a rapariga a voltar-se para ele: tratava-se de um mapa. Mas havia algo de estranho com ele: não era capaz de se ler como os outros. Pequenas manchas cor de vinho pareciam surgir aleatoriamente no velho papel, com inscrições debaixo delas que Alana não conseguia ler. De súbito, algo redondo e reluzente começou a brotar do interior do pergaminho. A rapariga deu dois passos atrás, abrindo imenso os olhos do susto. Na sua frente surgira uma cabeça careca, com um símbolo desenhado igual à sua tatuagem. Possuía olhos azuis penetrantes e uma pele pálida, virgem, pura como a neve.

“Saudações, Guardiã.”

“Quem… Quem sois vós?”- gaguejou a rapariga.

“Sou o Oráculo de Eoron e tu, Alana Dixon, és o Quinto Elemento

“O que significa isso de ser o quinto elemento? Não quero ser nada disso.“

“Senta-se e eu explicar-te-ei.”- pediu.

Alana sentiu-se um pouco ofendida por ser convidada a sentar-se por um estranho na sua própria casa. Desde quando é que ela conhecia aquele tipo para que ele a ordenasse a fazer fosse o que fosse? Contudo, e sem querer adiantar conversa com “O Oráculo”, a rapariga puxou a cadeira mais próxima e deixou-se cair nela.

“Como sabes, o equilíbrio da Mãe Natureza depende da conjugação de quatro elementos-chave: Fogo, Terra, Água e Ar. Separados, são poderosos. Mas juntos, são imbatíveis.”- a medida que falava, pequenos desenhos representativos de cada um dos elementos aparecia no ar, como uma nuvem de fumo.-“Porém, todos eles são os seus opostos: Água e Fogo, Terra e Ar. É aí que Quinto Elemento entra. O Quinto Elemento é o responsável pela união dos quatro elementares. Só graças a ele é que a natureza calma da Água se alia à impulsão do Fogo; a paciente e perspicaz Terra se conjuga com o ansioso e livre espírito do Ar…”

“Isso é tudo muito bonito, mas adivinhe: eu não quero ser parte disso.”- interrompeu bruscamente, a rapariga enquanto estalava os dedos de impaciência.

“Não é algo que possas escolher, Alana. Foste destinada a tal e, mais cedo ou mais tarde, vais ter que abraçar o teu destino. Não tens que temer, minha irmã. Terás imensa ajuda. Seres do Quinto Elemento, tal como tu, serão teus conselheiros. Ajudar-te-ão a tomares as decisões importantes relativas à Muralha. Também eu fui um Quinto Elemento, há dois mil anos atrás, quando a II Guerra estalou. Tinha pouco mais que a tua idade atual. Naquela altura, era muito mais duro e difícil ser-se diferente e ter que desistir de tudo e todos para se seguir o seu destino; numa altura em que o Cristianismo aparecera em força em todo o mundo. Eu era apenas um dos discípulos de Plotino quando este fora preso por pregar ao multiculturalismo religioso. Tinha estudado todas as obras de Sócrates, Platão e Górgias de Leontini. Claro que nos dias que correm já ninguém as estuda…” - desculpou-se o Oráculo ao ver a cara de confusa de Alana ao serem mencionados tais nomes – “Estávamos numa época em que a diversidade cultural era reprovada e castigada de forma severa. Tivemos que nos proteger e esconder durante muito tempo, camuflar a nossa verdadeira identidade e assumir costumes, hábitos e personagens diferentes. Representar nunca fora o meu forte mas fui obrigado a fazê-lo. O que te quero dizer é que, na vida, não nos podemos limitar a seguir um plano dirigido por nós, rígido e inflexível. Temos que nos adaptar às circunstâncias e às situações casuais e divergentes em que a vida nos coloca. Pensa nisso, irmã. E prepara-te porque a luta está prestes a chegar.”


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