– Bom dia mamãe. – Era impossível para Pilar esconder qualquer coisa de sua mãe, mesmo que ela tentasse.

– Bom dia filha, nossa, que sorriso é esse logo cedo? Aconteceu algo aqui? – D. Bernarda perguntaria algo mesmo que a filha ainda tentasse esconder.

– Ai mamãe, acho que preciso falar com alguém mesmo. Eu não acredito ainda no que vi hoje – e ela cai na risada pedindo que a mãe se sentasse:

– Mamãe, acredita que eu vi o Niko pelado?

– Como assim filha? D. Bernarda até se apoiou na cadeira pra acompanhar a história, cada palavra de sua filha a deixava mais atônita.

– Como é que o Félix me aprontou uma dessa?

– Eu nem sei o que te pergunto minha filha... – E ela também ria – mas me espanta o Niko ter vindo aqui, ele me pareceu um rapaz tão sério.

– Eu também fiquei espantanda mamãe, até agora estou achando que foi o Félix que teve essa idéia e nem pra planejar isso direito...Eu entrei no quarto dele e...bom lá estava o Niko pelado. Talvez como os pais do Niko estão na casa dele e agora; meu filho não tem dinheiro pra manter um flat pra isso como na época do Anjinho...mas o Anjinho até onde eu sabia era outra história, o Niko não me parece estar com o Félix por causa do dinheiro da nossa família. Estou falando até sem nexo de tão surpresa que fiquei.

– Concordo com você, querida, até pelo que vi na casa dele ontem. Ele não leva uma vida má pra precisar desse tipo de coisa. E também tem as crianças

– Sim mamãe, eu só não sei se o Félix entendeu isso. Há alguns dias atrás já havia explicado pra ele que esse rapaz quer algo mais sério, ele tem dois filhos....Preciso conversar com o Félix pra entender isso melhor e mamãe; veja bem: não é pra recriminar, é pra ter certeza das intenções do Félix com ele...se ele está levando isso realmente a sério ou daqui uns dias vai cansar...

– E ainda tem o César, não é? Imagina quando ele sair do hospital.

– Pois então mamãe, mesmo que o César não volte a ser como antes, eu não vou permitir que o Félix haja com esse garoto como ele agiu no passado com tantos outros. Parte disso foi nossa culpa pois sempre nos apoiamos na Edith pra acreditar que ele era ‘homem’ se é que você entende isso. Mas na verdade ele nunca deixou de ser homem por ser gay. Foi tanto sofrimento em vão. É tão difícil mamãe aceitar isso... O Félix já não tem o carinho do pai, eu não posso abandoná-lo agora. Mesmo que não dê certo com esse rapaz, um dia eu quero olhar pro meu filho e ver que as decisões dele na vida o levaram para uma vida feliz.

– Eu te entendo Pilar, só que quando eu converso com o Luthero a respeito também não progredimos muito, de qualquer jeito o que eu puder fazer, conte comigo. Só queria te perguntar uma coisa? – E o olhar de Bernarda diz tudo...

– Mamãe, não mamãe! Eu não vou falar nada. Imagina se o Maciel chega aqui e escuta a minha opinião sobre o Niko, ou o Luthero?

Já no condomínio, ambos chegaram. Depois de mudar de idéia várias vezes Niko havia decido almoçar com os pais e ir trabalhar a tarde no restaurante. Mesmo Félix garantido que tudo estava sob controle, Niko não parava de pensar que tinha duas bocas para alimentar.

O pai de Niko estava brincando com os netos no jardim e a mãe de Niko os recebeu com um café, ainda era cedo:

– Está tudo bem, filho?

– Sim mamãe, desculpe por ontem. – Niko estava um pouco envergonhado, afinal era a primeira vez que deixava seus filhos sozinhos e dormia fora de casa, Félix nunca entenderia isso pensava.

– Filho foi tudo bem, você também precisa ter um tempo pra você, duas crianças são algo pesado, não é como a gente vê na televisão que tudo funciona...nem sei como você viveria sem a Adriana...ia precisar casar! – E ela sorriu, os olhos dela eram tão acolhedores quanto os de Niko, Félix acompanhava tudo calado, aquela conversa nunca aconteceria na casa dele.

– Ah mamãe, casar, imagina?! A gente fala companheiro, já te expliquei.

– Eu sei querido, é só uma brincadeira. Mas de verdade você precisa ou vocês, não sei muito bem como, precisam conversar com o Jaiminho. Ele ficou super preocupado por que acordou hoje e não te viu em casa. E eu não sabia o que você já havia conversado com ele, acabei dizendo que quando você chegasse explicava pra ele...- e o olhar doce da mãe de Niko se transformou em preocupação...

Ambos arregalaram os olhos. Félix não havia pensado nessa parte, Jaiminho não era um bebê como Fabrício...

– Errr, mamãe, o que você disse? E o papai? Ficou bravo?

Félix queria esganar Niko às vezes, ele sempre tendia a falar como uma donzela em perigo fazendo caras e bocas:

– Seu pai entendeu que você iria se divertir um pouco com seus amigos, incluindo o Félix, achei melhor dizer assim. Nem precisa explicar muito pra ele...ele sabe que vocês estão juntos...agora o Jaiminho...bom eu tentei explicar que o Félix foi em uma festa do seu aniversário te acompanhando, festa de adulto e tal...mas acho que o pai dele que tem explicar isso.

“Ela vai falar pra mim isso também, ela vai falar, ela vai falar” – Félix estava mais em crise que Niko, ele não fazia idéia do que explicar pra Jaiminho...mas como escapar daquela conversa...talvez Niko quisesse explicar aquilo sozinho...Niko tinha que explicar aquilo sozinho...

– Eu falo com ele mamãe, vou lá no jardim dar bom dia e pego ele pra conversar no quarto. Não se preocupe, isso não vai acontecer de novo. Foi uma idéia maluca do Félix e eu acabei aceitando.

– Filho, desse jeito vai parecer que você fez algo errado, você já é adulto e tudo mais. E nem preciso te ajudar financeiramente, olha tudo que você já construiu com seu trabalho. Seus filhos lindo. Eu sou tão orgulhosa disso. Mas a partir do momento que você se tornou pai, também ganhou responsabilidades.

Niko sabia muito bem o que a mãe queria dizer, ele convidou Félix para almoço já que ele também precisaria conversar com o menino também.

Enquanto Niko saia pro jardim, Félix caia em si que pela primeira vez falaria do relacionamento dos dois pra alguém e considerando que esse alguém era uma criança, ele estava muito mais do que apavorado...

Já no quarto de Jaiminho:

– Filho, o papai queria pedir desculpas por não te avisar que tinha outra festa ontem a noite.

O menino estava chateado, não entendia muito bem porque ele não podia participar. E como resposta não olhava pra Niko:

– Já sei...era festa de adulto...

– Sim filho, era e terminou tarde, daí achei melhor voltar pra casa de dia...de noite sempre é mais perigoso, eu já te expliquei isso... – Niko sabia quão chateado o filho estava, Jaiminho sempre queria participar de tudo relacionado ao Niko.

– Mas se era perigoso, por que você foi papai? Ontem eu não me comportei bem?

– Sim, claro que sim, seus avós adoraram você. Só que o papai queria sair um pouco...e você ficou com seus vovôs pra cuidar de você e seu irmão...o papai teve o tio Félix pra cuidar dele.

Silêncio.

– O tio Félix foi?

– Sim. E Niko pensou “É agora ou nunca...”

– Sim filho, ele foi, o papai gosta muito do tio Félix. Lembra quando a gente se conheceu que eu te expliquei que se eu virasse seu pai, talvez você tivesse outro papai não uma mamãe um dia.

– Sim lembro. – E o pequeno continuava começava a olhar curioso para o pai. O gelo havia sido quebrado.

– Então filho, e se o papai estivesse procurando essa pessoa e pensasse que essa pessoa fosse o tio Félix, por isso o papai resolveu ir com com ele na noite passada nessa festa de adultos?

– O Tio Félix? O tio Félix pode ser meu pai um dia?

– Talvez filho, se você quiser também... – E Niko tentava buscar mais explicações, afinal o que se explicaria para uma criança?

– O tio Félix é legal, papai! – E um sorriso se abriu para alívio de Niko.

– Eu também acho ele legal filho! Às vezes os adultos querem fazer algumas coisas sozinhosFoi isso que aconteceu ontem, mas hoje eu já estou aqui. Você também faz coisas sem o papai, não ? Ou tudo bem eu ir na aula com você?

– Não, papai, não. – E ele riu, finalmente e correu pra retribuir o abraço do pai.

Félix esperava na sala ansioso pra saber o que ia sobrar pra ele. Pra ele conversar com Jonhatan a respeito das suas preferências como ele costumava dizer foi uma vida inteira, imagina explicar isso pra uma criança com menos de 10 anos...

Por fim ambos surgiram sorridentes de mãos dadas:

– Oi tio Félix! O Papai acabou de dizer que você pode ser meu pai um dia, é verdade?

– FA-BRI-CIO! – Era Niko tentando diminuir a empolgação do menino, também não daria pra chegar na escola no outro dia já falando isso. Ainda tinham muito a conversar sobre isso...

Félix sorriu inclinando a cabeça enquanto Niko fazia caras e bocas atrás de Jaiminho:

– Sim Jaiminho, seu pai está certo, eu posso ser seu pai um dia. Mas eu preciso merecer isso, como seu pai aqui.

– Legal, vou contar pra vovó, pro vovô! – E antes que Niko conseguisse segurá-lo, ele saiu correndo atrás dos avós.

– Obrigado Félix!

– Eu disse a verdade Niko, eu preciso merecer que esse menino me chame de pai. Pelo menos parece que ele gostou do que você explicou. Que bom! - E Félix jogou a cabeça para trás em sinal de alivou pra explicar que só estava pensando no que iria explicar pra Jaiminho.

– Ainda bem Félix, ainda bem, ainda preciso explicar algumas coisas pra ele... até porque não sei como vai ser na escola – tem cada pai que é chatooooo...independente disso, acho que ele entendeu que você é um candidato a pai dele. Olha a responsabilidade, hein?

– Eu nem sei o que dizer Niko, nem sei... – e ele sentado faz um carinho nos cabelos de Niko, que como sempre já estava sentando aos pés dele.

– Não precisa dizer nada agora Félix, mas não importa o que aconteça, só não magoe meus filhos...Eu no final, sempre sobrevivo....

– Vira essa boca pra lá Carneirinho, vai dar certo. A gente vai conseguir! E pensou: “Eu tenho que conseguir...Mas até quando eu vou viver esse conto de fadas...meu pai deve sair do hospital em breve – a mami ainda quer falar comigo hoje...ela não vai deixar barato eu ter levado o Niko pra casa, eu devo ter cortado os cabelos de Sansão mesmo...cada idéia que eu tenho”