Pilar despertou com o telefone de Félix tocando dentro do paletó que ela segurava, não sabia ao certo quanto tempo permanecera ali.

– Oi Niko, querido, é Pilar.

– Oi Pilar, tudo bom? Eu queria saber do Félix, ele tinha ficado de almoçar comigo aqui no restaurante e já são quase duas e meia...está tudo bem com ele?

– Ah querido, eu não sei...ah, preciso falar com alguém, acho que é bom que você saiba também. Só não diz pra ele que comentei com você. Depois que chegamos ele se trancou no quarto e eu fiquei aqui na sala - Pilar tenta se recompor enquanto Niko começa a ficar impaciente:

– Pilar, claro, pode contar, mas por favor, não me esconda nada, não se preocupe, pode confiar em mim.

– Acho que você já sabia que o César havia acordado, não é?

– Sim, sim - Niko já estava uma pilha.

– Pois bem, vou ser breve; o Félix estava ansioso para falar com o pai, mas o César o ignorou até que...Desu me perdoe, mas acho que foi intencional para ele sair do quarto...bom o César o chamou de bicha. Desculpe, querido, preciso de um minuto para respirar...

Niko também ficou calado, desde ele e Félix começaram a se conhecer melhor e o pai dele teve o AVC, era conversa recorrente o dia que o pai acordasse.

– Pilar? Pilar?!

– Oi Niko, estou aqui.

– Onde está o Félix?

– Ele se trancou no quarto quando chegou, eu acabei ficando aqui na sala, achei que ele precisava de um tempo sozinho. Eu vou lá.

– Pilar, posso te pedir uma coisa?

– Claro, filho, eu só te preocupei, não é?

– Se ele tiver cabeça, pede pra ele me ligar? Eu não vou mentir, mas se eu puder falar com ele vou me sentir melhor, até porque se ele quiser cancelar o jantar hoje com meus pais eu vou entender. Era pra ser um dia feliz hoje.

– Sim, pode deixar. Eu peço pra ele te ligar, mas você já o conhece...então qualquer coisa eu te ligo. Não quero te deicar mais preocupado que eu.

Enquanto isso, Félix seguia perdido em si, as batidas na porta de seu quarto o trouxeram de volta:

– Mami, agora não, daqui a pouco eu saio daqui. Preciso de um tempo.

– Meu filho, o Niko te ligou, você esqueceu do almoço? Agora estamos ele e eu preocupados. – Pilar apelou para Niko porque sabia que talvez a lembrança dele fizesse Félix se abrir.

A porta cedeu e com ela Félix:

– Mami, você comentou algo com o Niko? – O rosto dele estava amarrotado, era a figura do desânimo, mas pelo menos aquela estratégia havia funcionado.

– Eu disse pra ele que você estava muito cansado e que devia ter adormecido no quarto. Ele pediu pra você ligar. – Pilar inclina sua mão com o celular dele – Filho, ligue pra ele, depois queria conversar com você...Tudo bem?

– Tudo bem...mami, posso te pedir uma coisa?

– Claro, todas meu querido.

– Eu só quero um abraço agora... – e se jogou nos braços da mãe.

– Meu querido, eu nunca mais vou te abandonar ou questionar quem você quer ser, na verdade quem você realmente é...e se for preciso eu te apoio no que você precisar...agora e sempre...eu sinto tanto por não ter entendido, aceitado tudo antes. Agora eu só posso te pedir desculpas e dizer que eu me orgulho muito da pessoa que você está se tornando.

– Mami, eu sei que se tem alguém que eu posso contar é você. – Ele tentou esboçar um sorriso, mas no final só chorou um pouco mais. – Mami, antes que eu me desmanche mais uma vez, é melhor que eu ligue pro Niko, se eu conheço bem o Carneirinho, aquela criaturinha já deve estar chateada comigo e com razão, imagina quanta fome ele deve estar passando.

– Sim querido, é melhor ligar, quem sabe ele não te anima na medida do possível. Quando você quiser, eu estarei na biblioteca.

Félix fechou a porta novamente e foi lavar o rosto, queria se organizar, disfarçar, qualquer coisa pra evitar que Niko percebesse algo, já tinha muita coisa na cabeça para conversar com os pais dele e a opinião de César não ia mudar o que ele sentia por aquele homem ou quem de agora em diante ele lutava pra ser.

– Niko? Oi, tudo bom? Desculpe, acabei não indo.

– Félix, está tudo bem? O que aconteceu dessa vez pra você não dar notícias? – Niko falava um pouco tenso, era o suficiente para Félix...

– Carneirinho, o que a minha mami te falou? Nem tente disfarçar!

– Feeélix?! De que você está falando? – o carneirinho ainda tentava disfarçar...

– De novo, senão eu desligo...Que ela te disse?

– Deixa de ser Félix, da onde você tirou essa idéia que al falou algo? Ela teria algo pra falar?

– Se ela não tivesse falado nada, você já ia perguntar se eu tinha feito o cartão escrito ‘Desculpa Niko’; como dessa vez você não falou nada, já sei muito bem que ela falou algo....Última chance.

– Ai Félix! Você não existe, até parece que lê minha mente ou eu que não sei mentir...

– Fala logo criatura! – Félix apesar de tudo tinha um sorriso tímido nos lábios, já conhecia muito bem Niko pra saber quando ele tentava esconder algo. Gostava daquela sensação de conhecer alguém por conhecer, não somente adivinhar porque haviam outras intenções.

– Bom, ela me disse apenas que o encontro com seu pai não havia sido bom, disse que se fosse pra contar algo seria você, não ela. E daí eu deduzi que você não estava bem pois nem quis vir almoçar comigo. Mas pelo visto você já deve ter melhorado, porque já ressurgiu das cinzas como uma fênix de novo...já está querendo briga, pôxa.

– Niko, não faz bico pelo telefone! Que coisa! – agora ele estava indo do arredio para o irritado, tão instável...

– Eu não estou fazendo bico...bom, estou...mas também você só me dá patada quando eu me preocupo com você.

– Exagerada! Mas desculpe, na verdade não estou bem mesmo, mas não queria que você me visse como estou agora.

– Félix – a voz dele se torna mais doce – eu gostaria muito que você confiasse em mim nessas horas, sabia? Assim você me faz sentir só um corpo bonito – às vezes Niko também tentava fazer paidas como Félix, mas seu senso de humor ainda era muito longe do que o moreno conseguia com suas tiradas.

– Corpo fofo você quer dizer, não? – risos baixinhos

– Tchau Félix, não vou ficar escutando pelo telefone nenhuma crítica porque agora eu sei que você gosta!

– Tá, tá, tá, vamos parar com isso. Acho que você está certo, mas não seja injusto, eu sempre te procurei quando precisei, mas hoje em especial, achei que era melhor pra mim ficar sozinho. Você estava trabalhando, não queria te atrapalhar...

– No dia que você atrapalhar eu te aviso, até lá não tente adivinhar o que eu acho, ok?

– Ok...ok...ainda está de pé o jantar com seus pais?

– Sim, claro. Nos encontramos lá em casa? – Niko não disfarçava – Félix conhecer seus pais era muito especial, mesmo com todos os problemas e instabilidades, ele acreditava que eles poderiam dar certo e ele finalmente teria a família completa do jeito que sempre imaginou.

– Sim, e até lá por favor me deixe trabalhar, hoje acredito que termino a contabilidade do seu restaurante. Até que não está tão ruim como você dizia, só bagunçada mesmo.

Despediram-se, Félix ainda conversou com Pilar um pouco, era agradecido por sua mãe dar-lhe tanto apoio agora, nem ele imaginava que seria tão difícil tudo ao mesmo tempo: seu pai com a nova condição de saúda que ainda er auma incógnita, sair do armário, sim, sair verdadeiramente do armário... A vida que Niko queria era totalmente diferente do que ele havia tido, sempre havia Edith como disfarce, mesmo que muitos comentassem o contrário, sempre havia aquele ar dúbio.

Agora não, não havia volta, algo que ele sempre admirava em Niko, a coragem de enfrentar tudo, mesmo ele dizendo que seus pais o aceitaram, havia todo o resto, todos e ele sempre levava tudo muito bem, até adotar uma criança ele havia conseguido....

Contas, contas e mais contas. Por fim tudo estava organizado. Colocou tudo numa caixa com um pen-drive e foi se arrumar. Escolheu um terno branco e camisa azul, exatamente como Niko havia dito que gostava de vê-lo, com roupas claras.