Aprisionada escrita por Arabella Turner


Capítulo 3
A Destemida




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Edmundo crescera, Susana tinha que admitir. Ele deixara de ser aquele menino birrento e se tornara um grande homem sábio por suas próprias experiências. Quando falava, falava como um grande e justo sábio. Susana se lembrava de que um dia, o povo de uma nação costumava o chamar de justo.

O relógio bateu onze horas. As lágrimas que Susana lutava para guardar para si, começaram a cair sobre sua pele de porcelana. Mal enxergou a lápide que levava o nome que mais doía em seu peito ao ler:

Lúcia Pevensie

1932 – 1949

A Destemida

– Ontem mesmo ele me disse que queria te ver o quanto antes – afirmava Mary, uma amiga que Susana havia conhecido nos tempos da escola – Ele disse que sente muito pelo que você viu...

– Se ele sentisse tanto, não teria feito isso – Susana estava com os braços abraçando o próprio corpo perto da janela para que sua colega não percebesse as lágrimas que queriam cair.

– Susana, pare de ser mimada! – Mary a repreendeu – Bernard se mudou dos Estados Unidos pra cá porque queria ficar perto de você! Isso já não é o bastante? Ele estava com outras garotas ontem, mas isso não quer dizer nada! Não deixe um bom partido como aquele ir embora por caprichos sem importância como esse que está tendo.

Susana mordeu o lábio. Estava muito confusa com aquela situação. Ela gostava do Bernard, afinal, quem não gostaria? Um soldado de guerra que voltou como um herói, lindo e rico... Quem não se apaixonaria por ele? Por outro lado seu coração dizia que havia outros heróis, heróis de verdade lá fora. Havia heróis que abdicavam toda a sua família e linhagem ao lutar pelo que era certo. Ela se lembrava muito bem, pois sabia que estivera mais de uma vez em um campo de batalha e da última vez, havia visto um verdadeiro herói... Seu coração apertou ao lembrar-se daqueles belos olhos negros...

– Susana, pare de sonhar acordada! – exclamou Mary. Susana não havia percebido que sua colega havia parado a sua frente, entre ela e a janela e acenava com a mão para chamar a atenção – Bernard está lá fora agora! Vá falar com ele!

Ainda pressa naqueles pensamentos, Susana foi automaticamente andando pra fora do quarto quando deu de cara com a sua irmã Lúcia. Literalmente. Susana não conseguia acreditar que sua irmã estava do seu tamanho, uma verdadeira mulher, com seus cabelos ondulados cor de mel caído abaixo da cintura, seu rosto fino com os olhos azuis que brilhavam acima do seu largo sorriso...

– Desculpe Su – disse – Mas temos visita.

– Quem?

– Eustáquio está aqui com a Jill e o professor Kirke com a tia Polly. Mas estamos de saída – e baixando a voz, completou – Você não sabe o que faremos. Vamos tentar voltar pra Nárnia! O professor acha que sabe um modo...

Susana fechou a porta do quarto encarando Lúcia no corredor.

– Pare de falar sobre isso quando eu tiver companhia! – bravejou – Não já é o bastante eu ter que ficar ouvindo comentário maldoso sobre a sanidade dos meus irmãos?

– Que eles falem – Lúcia aumentou seu tom de voz – Só queria saber se a sanidade ainda existe em você! Eu sei que você estava saindo pra se encontrar com aquele tal de Bernard, mas não se preocupe, eu já o mandei ir embora!

– Susana você ainda está aí? – Susana ouviu a voz de Mary do outro lado da porta. Ela bateu freneticamente na porta, mas Susana continuou segurando a maçaneta com toda a força que podia.

– Espere um pouco! – gritou, descarregando o choque que sentia naquele momento – Estou dando uma lição na pirralha da minha irmã!

Lúcia a olhou com os olhos arregalados que logo foram cobertos por lágrimas. Seus lábios enrijeceram, como Susana sabia que ficava quando Lúcia tentava se mostrar forte. Ela se arrependia de ter chamado a irmã de pirralha, mas estava muito nervosa para retirar o que disse.

– Você está diferente – Lúcia falou levantando o queixo, encarando a irmã – Eu não sei mais quem é você. Não sei se minha irmã ainda está aí.

– Lúcia, pare com isso! – Susana gritou, puxando Lúcia para o outro lado do corredor – Eu não aguento mais vocês parados no tempo. Ele não quer mais saber da gente, por isso nos mandou de volta. Ele nos usou em suas batalhas e fez com que a gente desejasse morar lá. Mas depois de vencermos as batalhas, ele nos mandou embora. Foi assim com a gente, foi assim com Eustáquio e será assim. Pare de acreditar nisso! Por favor, vá viver sua vida nesse mundo, porque é isso que importa!

Lúcia estava estagnada. Ela não conseguia falar nada. Susana por outro lado, queria continuar com seu discurso, mas sentia seu coração apertar cada vez mais quando falava mal daquele lugar, falava mal sobre Ele, sua boca ardia, como que as palavras estivessem cheias de veneno, queimando-a por dentro.

Mary abriu a porta com um estrondo e olhou para a cena no corredor.

– Acho melhor eu ir embora – disse já caminhando para a escada – Nos vemos mais tarde, Susana.

Antes que Susana pudesse responder, Lúcia falou por ela.

– Espere Mary – disse – Susana irá com você como sempre faz. Ela não irá perder sua tarde comigo ou com seus amigos pirralhos.

Lúcia se aproximou de Susana e sussurrou em seu ouvido.

– Houve uma vez em que eu sonhei em ser como você. Corajosa, bela e maravilhosa. Eu pedi com todas as minhas forças para que um dia eu fosse como você. Mas hoje eu vejo e percebo que o meu desejo mudou: Não penso nem por um momento ser como você, irmã. Você conseguiu acabar com toda a admiração que eu sentia por você em algumas frases – Lúcia hesitou por um momento e olhou nos olhos marejados da irmã – Não sei o que Caspian viu em você.

Antes que Susana pudesse dizer algo, Lúcia já estava descendo a escada. Ela sentia um vazio em seu peito, tendo certeza de que seu coração havia despedaçado em milhares de pedaços que nunca iriam ser reparados. Mary ainda esperava na escada, olhando curiosa para a cena. Susana a acompanhou até a porta, dizendo que não se sentia bem, enquanto Mary só sabia perguntar sobre o tal Caspian. Susana ignorou qualquer pergunta, bateu a porta da frente e correu para o seu quarto. Começou a pensar em algo que não pensava fazia muito tempo. Seus anos dourados como rainha. Ela desceu para a sala, mas sua irmã já havia saído com todos os outros. Mas ela não se preocupou. Teria tempo para falar com sua irmã quando ela voltasse da Grande Aventura. Ela mostraria para sua irmã que ela ainda podia ser a mesma que ela tanto admirava. Era só questão de tempo até Lúcia voltar naquela tarde para casa e as duas fazerem as pazes.

Mas Lúcia nunca mais voltou.


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