Amor não Existe escrita por 01


Capítulo 1
Oneshot




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"Amor não existe", eu digo sempre, à mim e aos outros. Tanto ouviram isto que se afastaram de mim. Não ligo, amor não existe mesmo...

_Margot? Margot! - Beatrice grita atrás de mim enquanto escrevo.

_Margareth! Meu nome é Margareth, não Margot! Deixe me escrever. - Acabo de dizer. Enquanto ela parece morrer de desespero, mantenho-me calma. Para quê se aborrecer?

_Margo... Margareth! Você tem que ir ao casamento da Haileen! - Ela tenta me tirar da cadeira, mas sempre fui mais forte que ela... Não só fisicamente...

_Eu odeio casamentos, Beatrice. Você me conhece. - Eu não sairei da frente deste computador, nem hoje, nem amanhã, nem ano que vem.

_Margoreth! Ela sempre nos ajudou muito! Quando precisávamos de dinheiro e casa, ela nos cedeu o que tinha! Quando precisávamos de comida, ela nos alimentou! - Beatrice implora.

_Margoreth? Margoreth! Era o que faltava! Pelo menos uma vez na vida acerte meu nome, Beatrice! E ela sempre ajudou à vocês, não à mim. Ela ajudou você, Pablo e mamãe. Lembre-se que eu nunca pedi nada à ela. E eu nunca precisei das migalhas que ela deixava para vocês. - Respondo, assim mesmo. Verdade, a mais pura. Haileen sempre teve tudo do bom e do melhor... Claro, tambem, só poderia... É filha do prefeito desta pequena e imunda cidade.

_Sei que ainda está magoada por causa do Trent, mas já fazem 5 anos, Margo... Digo, Margareth! Ela vai se casar com ele hoje e você precisa superar isso, ou ao menos mostrar que superou. E por favor, não repita mais estas coisas! Ela sempre ajudou a todos nós. - Céus, como essa mulher grita...

_Saia, Beatrice. Eu não vou. mande meus parabéns à eles e diga que eu estou doente. Ou melhor, diga que morri, ou que estou em coma. De qualquer forma, me deixe em paz. - Eu ainda não entendo porque faço questão de escrever tudo o que se passa neste exato momento, sendo que ninguém absolutamente vai ler esta porcaria de livro sobre o que as pessoas chamam de amor...

Aleluia! A velha saiu! E bem aborrecida... Que se dane. Continuando o que começei, antes da interrupção nauseante de Beatrice, eu tenho provas da inexistência deste "sentimento".

Primeira prova:

Em um dia chuvoso de meus cinco anos, eu brincava com as panelas enquanto minha mãe, Janet (que afirmo não ser uma pessoa muito simpática) fazia sopa de alguma coisa, a qual não me recordo.

"Mamãe, posso te ajudar?", perguntei inocentemente quando a megera simplesmente jogou toda a sopa em cima de mim. "Para acabar ainda mais queimada?", ela gritou. Desde aquele dia, tive a certeza de que ela nunca me amara. Eu apenas não sabia o por quê.

Segunda prova:

"Papai, o senhor está fedendo!", eu berrava, sentada no chão da sala, sentindo o cheiro de álcool, que naquela época eu não reconhecia, em uma noite quente de meus sete anos. Pablo, meu irmão mais velho, já dormia. Minha mãe costurava, sem perceber que havia uma cobra perto de mim. Naquela época, as estradas dessa minúscula cidade eram de terra, e as casas, que eram poucas, ficavam ao lado da mata. Era comum animais entrarem.

"Que se dane, garota! Vá se enforcar com essa cobra! Desde que você nasceu tudo tem dado errado, bastarda!", ele me chutou, e caí ao lado da cobra, que não me mordeu, por pura sorte, eu acredito.

Terceira prova:

"Vovó, pode ler este livro para mim?", eu ouvi meu irmão perguntar. Observei enquanto minha vó lia, com Pablo no colo. Eu tinha 4 anos, e ainda não sabia ler... Pablo, que tinha 8, já sabia, mas não gostava de ler.

Imitando a ação dele, aproximei-me de Beatrice, um pouco mais tarde. "Vó, pode ler este livro para mim?" Ajoelhei-me ao seu lado. Ela era tão nova! Mamãe também... Papai era da idade de Beatrice. Naquela época eu ainda não entendia aquilo.

"Não. E que livro é esse? O diário de sua mãe? Saia daqui, menina!", Beatrice disse, focada apenas no livro. "Mas Beatrice, leia!", eu gritava. "Cale-se!", ela apontou para a porta, e entendi que ela queria que eu fosse para o quarto. "Eu quero que leia!", quando papai dizia coisas com "eu quero" para mamãe ou vovó, elas faziam...

"Onde aprendeu a ser tão mal educada?! Você não pode ser minha neta... Céus! Agora saia!", ela gritou. Então percebi que ela não me queria por perto.

Quarta Prova:

Meu irmão jamais me ofereceu ajuda.

"Pablo, me ajuda!", eu gritava, presa à um arame farpado, em um dia nublado de meus doze anos. Os cachorros do vizinho latiam, quase se soltando das correntes. "Pablo!", tamanho era meu desespero, minhas mãos e costas estavam furadas, e o louro nem sequer dava um passo, apenas assistia.

"Eu não me importo com você", ele disse e apenas foi embora. Quanto à mim, chorei e gritei por uma hora que mais pareceu um século, até que o vizinho chegou em casa e viu-me presa ao arame farpado.

Quinta prova:

Eu estava perdidamente apaixonada por Trent, o rapaz moreno, que morava do outro lado da rua. Ele correspondia. A cidade era maior, já. Estudávamos no mesmo colégio e às vezes saíamos à noite. Dois jovens de dezenove anos, apaixonados e preocupados com os estudos. Nossas histórias sempre foram diferentes. Ele tinha uma vida boa e era amado. Eu era a filha nascida de uma traição por parte de minha mãe, a filha mal-tratada e abandonada, de certa forma. Ainda assim, ficamos juntos por dois meses que para mim foram o paraíso. Eu queria me casar.

"Quando vamos casar, Trent?", eu perguntava esperançosa. "Nunca.", rapidamente ele respondeu. "Mas e o que você disse antes? E sobre nossos filhos? Nós já combinamos tudo!", eu gritava, naquela noite estrelada, sentada no muro do colégio. "Era mentira, e daí? Eu sou jovem, quero é aproveitar! Que se dane você e esse romance todo!", ele apenas foi embora, e eu ainda o amava. Um amor sincero, verdadeiro... Por alguém que jamais mereceu. Ele era falso como a mais venenosa serpente jamais conseguiria ser. E ainda assim, eu o amava, pelos sonhos que ele havia falsamente construido para mim.

Sexta prova:

Passávamos por dificuldades financeiras, e a culpa era minha. Ao menos era isso que diziam. Eu tinha acabado de fazer vinte e trez anos, Pablo estava prestes a se casar, Beatrice estava doente e meu pai havia nos abandonado, alegando mais uma vez a traição de minha mãe. Uma moça, filha do prefeito, formosa, em seus vinte e cinco anos, bateu à nossa porta e nos deu tudo o que precisávamos. Digo, deu à eles o que precisavam, e roubou tudo de mim.

A pena que tinham de mim era a única coisa que me mantinha naquela casa, e esta se foi, quando Haileen comprou para mim um pequeno apartamento no norte da cidadezinha. Eu morava sozinha então, e me sentia melhor assim, em termos. Eu era só uma jovem escritora solitária, afundada em seus sonhos mirabolantes sobre estrelas que choravam e lágrimas de diamantes. Meus contos jamais foram interessantes.

"Beatrice, estou passando fome. Pode me dar o que comer?", certa vez bati à porta da minha antiga casa. "Que morra!", a senhora, que estava visivelmente bêbada, gritou e bateu a porta.

Sétima, a prova final:

Em resumo, eu jamais fui amada. Abandonada à própria sorte fui, só por ser fruto de uma traição. Jamais tive família, acredito, e se Beatrice me tortura ainda hoje, é porque está velha demais e não tem quem cuide dela. Meus "pais"? Morreram. Pablo? Casou-se, nunca mais deu notícias.

Trent foi aos poucos me despedaçando, e acabou comigo por completo quando anunciou seu casamento com Haileen, ano passado. Eles estavam juntos desde meus vinte e cinco anos, e faziam questão de vir me visitar para "comemorar", não sei o quê. Eu jamais me apaixonei novamente, por medo.

Hoje bebo e me drogo, é o que me resta. E quando chego bêbada, Beatrice vem dar sermão. Lembro à ela então que ela jamais me educou e jamais me deu valor, lembro-a que hoje é tarde demais para fazer-me religiosa, bondosa e educada. E quando me drogo, quando me drogo as estrelas sorriem... Aposto que se drogam também.

Aliás, neste exato momento há ao meu lado uma garrafa de vodka, onde afogo minhas mágoas ridicularizadas. E então me dou conta de que quero fumar...

Se creio em Deus? Quem sabe... Se Ele existir, ou é extremamente cruel, ou me odeia, ou se esqueceu de mim. Provavelmente é a primeira opção.

E quando lembro que pensei em me matar... Percebo o quão ridículo isso é. Se for para morrer, que eu morra logo, mas não vai ser pelas minhas mãos. Eu sou mais forte do que isso, posso sobreviver à todas as dores. E se é para viver, que eu continue como estou. Não quero uma paixão, não quero uma família. Contento-me em ser apenas Margareth, a mulher que vive trancada num pequeno apartamento.

Agora, após estas provas melancólidas e trágicas da vida de uma mulher que hoje completa seus trinta anos, uma mulher que não se importa com nada, completamente amargurada e que apenas torce para que a morte chegue logo, provavelmente pensará que é apenas egoísmo e drama meu. Talvez seja verdade, mas também é verdade que o amor não existe, porque se ele existisse e fosse divino como é descrito em textos, poemas e canções, no mundo não existiriam dores como as minhas.


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