O banal banalizado escrita por AsgardianSoul


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Esse texto é meu primeiro trabalho sem a coautoria do Gabriel, e ainda estou amadurecendo minha escrita, então, qualquer coisa é só comentar.
Espero que gostem.



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Alguma coisa vem acontecendo com o mundo ultimamente, gradativamente. O sol já não ilumina como antes, arrisco até a dizer que o Astro Rei está a escolher seus iluminados. Ando pelas ruas, vejo pessoas andando, algumas sozinhas, umas acompanhadas, tão sozinhas quanto às outras. Pobres pessoas, usados como propaganda, outdoors andantes, anunciando utopias consumistas. Olhares se cruzam pela avenida movimentada, nada é observado, tudo é ignorado. Todo mundo está preocupado demais com si mesmo. Meu terno está limpo? Estou atrasado? Conseguirei aquele alto cargo ou aquele aumento? Meu carro não é do ano, preciso trocar urgentemente. Sinto-me um estranho na multidão, com minhas roupas fora de moda, meu carro ultrapassado do ano passado que parcelei em 36 vezes e meus ideais simplistas, ou como dizem, irregulares.

Considero-me um mendigo do século XXI. Não no sentido de miséria financeira, mas dos atuais “valores sociais”. Não sou comunista, ou socialista, muito menos capitalista. Sou humano. Trabalho, tenho minha casa, meu carro, nenhuma riqueza ou conta bancária que se admire. Os outros me chamam de antissocial, prefiro me considerar alguém que prefere não compartilhar tais ideologias egoístas. Não quero ser mais um tijolo da pirâmide dos senhores. Continuo trilhando meu caminho pelos andantes, alheio às sensações que eles me despertam. Uma garota do outro lado da rua desfila com seu short desfiado quase proibido, blusa top e saltos altíssimos. Ela sorri e o seu sorriso está coberto por um fio colorido. Logo a visão atormentadora de uma adulta corcunda de dentes defeituosos se forma em minha mente. Involuntariamente lembro-me de uma frase que minha sábia mãezinha costumava dizer: “Quando a cabeça não pensa, o corpo padece.” Padecida garota de sorriso colorido, andas como uma rainha, mas a cabeça tão vazia, coitadinha.

Ao longo dos meus trinta e cinco anos trabalhando como jornalista, aprendi a levar a vida menos a sério. Um espírito jovem de 58 anos. Tanto que fui transferido das colunas policiais para a coluna de sátiras, cuja ninguém lê. Quem se interessaria em ler sátiras quando a maior delas está ao popular alcance? A realidade. Outro dia escrevi uma sátira sobre o julgamento do século, não pela evidente importância, mas por ter certeza que durará todo esse tempo: O Mensalão. Passei duas semanas selecionando peculiaridades do fato, não sou sensacionalista, mas certas coisas pedem um pouco disso. Meus colegas riram ao ver como me referi ao Joaquim Barbosa, “A justiça em pé, ao lado, sentado de mau jeito”. Esperei também risos dos meus leitores. Acho que eles riram, mesmo eu tendo recebido três processos e ligações com ameaças anônimas. Como é bom ser político no Brasil, ter três advogados e direitos infinitos. É como ser cidadão! Acho que daqui a alguns anos, quando alguma criança não quiser nada da vida e ao mesmo tempo querer ser rico e poderoso, uma tia enxerida dirá: “Ih, esse não tem jeito, vai ser político.”

Minha mais atual sátira é outro assunto polêmico: homossexualidade. Classifiquei a homofobia e afins como a incapacidade de cuidar da própria vida ou a ausência dela. Acho que nos tornamos tão autoritários que queremos ser general do nosso próprio corpo e também do dos outros. Logo abaixo, no final da matéria, encerrei com a frase mais chula que minha insônia permitiu citar àquela hora da madrugada: “Opinião é igual cu, cada um tem o seu.” Quando reli a matéria de manhã, reparei que aquela frase tinha adquirido certa intimidade com o assunto. Achei injusto censurar o palavrão. Citei os falsos liberais que se dizem “zero preconceito”, no entanto, quando seus filhos assumem a homossexualidade, são pegos pelo bichinho da contradição. Outro bicho maligno que causa cegueira é o preconceito. Você não conhece a pessoa e julga mesmo assim, e continua julgando mesmo depois de conhecer. O martelo invisível da intolerância é retirado do repouso e brande inaudível sob o balcão, um rótulo permanente é colado em sua face e automaticamente todos saberão quem você é. Com certeza nunca conhecerão a pessoa debaixo do rótulo.

Outra sátira minha que me rendeu o medo de acordar com uma AK-47 apontada para minha cabeça foi a picuinha entre: Rússia x Ucrânia x EUA x ONU x sanções econômicas x Crimeia. Esse assunto foi difícil, principalmente a parte que tive que segurar o riso pelos Estados Unidos pedirem respeito à soberania ucraniana. Diante desse aspecto, tive que recorrer à outra frase pronta (coisa que vem ocorrendo com frequência em meus textos): “Faça o que eu mando, mas não faça o que faço.” Nenhuma outra frase serviria tão bem aos americanos quanta essa. Considero este país sedento por cada vez mais domínio como um buraco negro, engolindo regras, soberanias, causando instabilidade, modificando sistemas. Fiquei tentado em compara-lo a um câncer, mas lembrei-me que o câncer acaba quando o indivíduo morre, ao contrário dessa nação intrometida, que mesmo depois de subjugar um território, matar qualquer tipo de direito civil, se instala e modifica-o usando seus próprios moldes. Porém, me aterei ao direito de calar-me, caso contrário, serei taxado de comunista e me mandarão ir a Cuba, tagarelar com Fidel. Quem sabe não nos tornamos amigos e ele me dá um dos seus moletons da Adidas?

Lendo meus primeiros parágrafos, constatei que me desviei da ideia que os leitores possivelmente tiveram sobre meu texto. Peço desculpas se minhas linhas preenchidas por palavras nem sempre coerentes o fizeram confundir-se. Não foi minha intenção. Deve ser obra da meia idade essa mania de fugir do foco e acabar caindo em assuntos banais. Sim, considero banal tudo aquilo que se fala, fala, fala e mesmo assim continua se arrastando pelas línguas alheias, perdendo o real sentido, adotando versões, ficções. Uma novela, não mexicana, pois não somente a telespectadora emotiva chora, mas todos nós. Não um choro com lágrimas, e sim um pranto silencioso, tímido, passado abafadamente de pessoa a pessoa, consciência a consciência, sufocado, distraído pelo comercial musical da Coca Cola, convocando todos a buscar a felicidade; a felicidade dentro de uma garrafa.

Estão vendo? Lá ia eu vaguear novamente. As letras me são tentadoras demais para resistir. Agora entendo porque ninguém liga para minhas sátiras. São todas banais, feita por um jornalista banal que fala de assuntos banais. Tudo muito banal para os dias de hoje. Tão banais...

COIMBRA, Augusto. O banal banalizado.

Diário Independente, Minas Gerais, 13 mar. 2014.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Mereço reviews? :)