A Garotinha: Sherry escrita por Walter


Capítulo 14
Desconhecida


Notas iniciais do capítulo

"Viver é lutar contra os demônios do coração e do cérebro. Escrever, é pronunciar sobre si o último julgamento." - Henrik Ibsen



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Ele continua correndo atrás de mim. De alguma forma, consegui a atenção dele. Eu meio que sempre consigo a atenção das pessoas quando quero. Papai sempre falou sobre isso, sobre o fato de eu ser especial. Especial a ponto de ser queimada para trazer o deus à Terra. Todavia, não é mais o que eu quero.

Vejo entre a névoa que projetei, agora mais densa, a mansão Spencer. Exatamente onde eu quero levar esse homem. Se ele for bondoso e compassivo o suficiente, talvez ele salve meu corpo e me ajude a encontrar as três partes do TriCell. Sim, o TriCell! O objeto deixado pelos anjos! Se conseguir colocar as mãos nele, com certeza impedirei o nascimento do deus e me vingar de todos ao mesmo tempo. Já consigo imaginar. Mas pra isso preciso fazer com que esse homem retire logo o meu corpo dali e pare o ritual. Preciso do TriCell pra fazer o que precisa ser feito e parar de gerar o deus. De outro modo, nem as coisas que posso fazer poderão impedir o nascimento dele.

Corro ainda mais rápido. Já consigo sentir o cheiro de fumaça vindo da mansão. Parece que perderam o controle das chamas... Vejo-o correndo. Afasto-me do caminho. Ele corre e percebe que há algo de errado com o lugar... Perfeito! Ele abre a porta. Mentalizo-me novamente no corpo.

Grito, mas não consigo emitir som. Sinto fogo queimando-me por completo, ainda que as chamas que estavam em mim estejam apagadas. Abro os olhos o suficiente para vê-lo entrar na mansão e olhar o meu corpo. A dor é muito forte... talvez seja melhor morrer de uma vez...

–Deixe-me queimar... –falo sem pensar.

–Não. Vou salvar você.

Sinto meu corpo sobre seus braços. A dor ainda me envolve, mas devo prosseguir. Percebo que ele realmente se dispõe a me ajudar, então irei até o fim. Olho de leve para o crachá pendurado no bolso da parte de cima do macacão e está escrito David King. Ele tenta caminhar o mais rápido possível e consegue me tirar da mansão.

É noite, vejo que ele parece mal. Começo a ouvir o barulho de sirenes ao longe, provavelmente alguém que estava no ritual teve pena o suficiente para chamar os bombeiros e ambulâncias para me salvarem. Mas isso não muda todo o ódio e sofrimento que senti, que sinto...

Ele coloca o meu corpo no chão. Começo a perder a consciência. Ouço ao fundo o som de sirenes... meus sentidos se perdem. Desmaio.

____________||____________

Estou no terceiro andar do hospital. Não consigo acreditar no que passei para chegar aqui. Primeiro, os cães DENTRO do hospital e agora uma enfermeira maluca tentou me matar... não tive outra escolha a não ser fazer o mesmo. Me sinto um pouco arrependido por ter feito isso, mas não havia outra opção.

Sento no chão do corredor ao lado de uma porta de metal. Tem cerca de umas vinte portas, creio que aqui seja o local de leitos. O corredor gigante me assusta, porém creio que nada mais vá me surpreender... penso já ter visto de tudo.

Coloco a bolsa no colo e retiro o TriCell. O objeto formado por três pentágonos ligados pelo ângulo mais pontudo. Posiciono o foco da lanterninha para ele tentando encontrar alguma inscrição que me diga como usar, o que fazer... mas não consigo enxergar nada a não ser três palavras escritas em cada pentágono: Passado, Futuro e Presente. Talvez seja algum enigma, alguma coisa que me leve a algo, não sei. Mas porque destruiria um demônio com uma expressão que denota atemporalidade? Se é que isso realmente aponta para um momento atemporal...

Recoloco o objeto de volta na bolsa e procuro não pensar mais nisso agora. Dou mais uma olhada pro corredor, observando vagamente as paredes familiares cheias de sangue e ferrugem. O rádio começa e eu não consigo ver, mas uma das portas se abriu, acabo de ouvir o barulho. Sinto um frio na espinha e pego a 9mm empunhando na direção do nada. O chiado do rádio fica mais forte e a fraca luz da lanterna ilumina uma enfermeira. Seu rosto parece desfigurado, ela veste um vestido branco e azul. Seu cabelo é jogado pra trás e provavelmente cobre uma espécie de monstro que a controla, assim como as outras enfermeiras. Miro e dou um tiro na cabeça, ela cai. Aproximo-me da mulher caída de costas e atiro no monstrinho ali preso. Ele faz um chiado e morre, junto com o barulho do rádio. Corro em direção ao final do corredor, tentando encontrar a porta que fora aberta. Meu coração está acelerado, temo encontrar alguma coisa.

Consigo ver a porta aberta e entro no leito. Com um baque, a porta se fecha sozinha... corro até ela e tento abri-la novamente. Não consigo. De repente, a luz dentro do leito acende do nada e vejo um quarto completamente intacto pelas trevas ou Outro Lado. Vejo uma cama composta com o relatório e diagnóstico sujo de sangue preso ao espelho. Do lado da cama, há um berço pequeno, provavelmente para um recém-nascido. E, exatamente ao meu lado esquerdo, próximo à cama está posicionada um televisor. Me aproximo do relatório do paciente.

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Paciente: Vallery S. M. Linnai

Entrada: ****************

Causa: Infecção por *******

Situação: Gravíssima

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Não consigo ler boa parte devido às manchas de sangue... mas consigo lembrar do sobrenome. O sobrenome de Varla. Ouço passos atrás de mim, o rádio chia freneticamente. Já imagino o que seja, mas a porta permanece trancada. Repentinamente, a luz apaga e o televisor é ligado fazendo um barulho assustador. Cenas começam a passar e vejo um velório. Há um caixão, várias pessoas chorando e uma grande coroa de flores com a frase: “Pra Sempre, Vallery Linnai”. Meu coração gela quando vejo a televisão explodir, a luz acender e me mostrar o quarto sendo sucumbido pelas trevas novamente. As paredes se descascam, a cama pega fogo e começo a me desesperar. Então, a porta se abre e começo a sentir uma forte dor de cabeça.

Com a visão embaçada, consigo enxergar uma pessoa de frente pra mim. Uma garota alta, branca com cabelos negros e cacheados. Ela tem uma faca manchada de sangue na mão e no pescoço vejo marcas de estrangulamento. Varla.

–William, querido.

–V... Varla...

Tento me recompor, esperando mais um ataque dela. Se não sair daqui, irei morrer.

–Vejo que já descobriu algo novo sobre mim.

Pisco os olhos. Quem era Vallery? Não conseguia lembrar, mas ao pensar nesse nome sentia dores de cabeça... E Varla? Seria uma versão imaginária dessa Vallery? Mas Varla estava ali, diante de mim, viva!

Ela tenta se aproximar de mim, consigo me esquivar e sair da sala chegando ao corredor. Empunho minha beretta. Ela olha pra mim com desdém.

–Will, Will... Quando você vai aprender que não se faz algo que já está feito? Não posso provar duas vezes da morte.

–Cale a boca! Quem é você? Porque me importuna? Eu só quero achar minha filha... –sinto uma lágrima descer do meu olho e percorrer o meu rosto –apenas me deixe encontra-la.

–Oh, tão sentimental. Não sabia que você era assim...

Sinto raiva descer pela minha garganta. Ela estava passando dos limites e eu não poderia mais perde... Isso. Varla era o demônio, só poderia ser. Apenas um ser das trevas seria capaz de fazer tal coisa.

–Demônio, cale a boca e mostre quem você realmente é!

Ela muda de expressão trancando a cara. Seus olhos parecem queimarem, consigo sentir o impacto da sua raiva. Talvez seja mesmo.

–Demônio eu? Quem eu realmente sou? Ora, William Birkin! Você me criou, lembra?!

–Cale a boca.

Tudo é muito rápido. Abro a mochila na mesma hora que ela avança em minha direção. Consigo me esquivar de sua faca e caio no chão junto com a mochila. Ela continua vindo para cima de mim e consigo dar um chute em suas pernas derrubando-a no chão. Enquanto tenta se levantar, meto a mão dentro da mochila procurando com o tato o objeto mágico que a pararia. Encontro. Varla se levantou e está vindo para mim correndo com a faca. Dou um tiro na sua mão, fazendo-a soltar a faca e gritar, um grito ensurdecedor que me faz perder o equilíbrio. Seguro o TriCell firmemente na mão e lanço contra ela. O objeto se desloca no ar até bater no seu peito e cair no chão. Varla tira o cabelo do rosto e olha pra mim com uma expressão de ódio. Não funcionou.

____________||____________

Abro os olhos e vejo um pano branco envolvendo meu corpo. Estou em uma cama e ouço o som de sirenes, o que me faz pensar estar em um hospital. Começo a sentir meu corpo formigando e logo em seguida uma dor insuportável no estômago, seguida pela sensação de queimar no meu corpo inteiro. Grito, mas não ouço som nenhum sair da minha boca.

Em meio a dor, começo a pensar se David já estaria próximo à cidade, se estaria no hospital. Se ele realmente tiver vindo, saberei que há alguma compaixão e amor no mundo. Talvez não seja necessário que o deus seja trazido à Terra. Se David não conseguir, se ele não vier atrás de mim, aceito meu destino e serei o receptáculo que papai sempre falou. Meu sofrimento não será vão.

Tento projetar minha alma mais uma vez, todavia paro quando ouço alguém entrar no quarto. Ouço dois homens conversando, um é meu pai e o outro provavelmente algum médico.

–Alexander, ela não pode ficar muito tempo aqui. Se ela morrer, não quero me responsabilizar.

–Ela não vai morrer. O deus está sendo gerado. Se não fosse por aquele cara, a essa altura estaríamos em paz, no paraíso e tudo no seu devido lugar.

–Ainda acho que ela vai morrer... –Ele remove parte do cobertor que está em volta do meu corpo. Fecho rapidamente os olhos para não perceberem que ouço a conversa. –Veja o seu estado!

–Tsc... tsc... tsc... Ela não vai morrer, George! Ela vai continuar viva, o deus a deixará viva. Só precisa de um pouco mais de dor e sofrimento, além de alguns cuidados. Sugiro deixar a enfermeira Rebecca encarregada disso, podemos confiar nela. O deus chegará e ainda hoje daremos continuidade ao ritual. Deixemo-la aqui até mais tarde, daqui a umas quatro horas. Depois disso a levaremos de volta pra mansão, que não foi queimada completamente e terminaremos o ritual. Ele virá a Terra e você não terá mais que se preocupar com a situação desse seu hospitalzinho.

–Ok, Alexander. Confiarei em você. Só mais uma coisa, chegou um homem aqui a pouco tempo procurando por uma garotinha queimada. Não sei como ele sabe disso, pois parece não ser daqui e tão pouco parte da Ordem.

–Hm... vou verificar. Não deixe ele a encontrar, ou poderá estragar absolutamente tudo. Por via das dúvidas, vou esconder o TriCell para que ela não o ajude a ajuda-la.

–Mas como ela poderia fazer isso? Está de cama, impossibilitada...

–Essa garota é mais complexa do que você pensa, meu caro Hamilton.

Ouço ambos dando passos para fora do quarto e posteriormente o barulho da porta batendo. Alexander estava certo, não deviam me subestimar. Uma vez que sei que David está aqui, ele me ajudará a encontrar o TriCell que meu pai vai esconder... Tenho quatro horas pra isso, então é melhor fazer logo. Encontrarei David, e conhecendo a Ordem como conheço, não será difícil encontrar o objeto. Agora que sei da presença de David aqui, vou até o fim.


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Notas finais do capítulo

William encontra Varla, e descobre informações confusas sobre sua verdadeira identidade, enquanto que Sherry revive as memórias de Aléxia, uma garota que não conhece mas a quem se sente ligada. Em caminhos diferentes e momentos diferentes, ambos parecem convergir para um único desfecho.



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