Era Uma Vez o primeiro Vôo escrita por Pedro_Almada


Capítulo 6
Lutas São Para Sempre




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Lutas São Para Sempre

 

            Olhei o vale verde ao longe, como se fosse a primeira vez que meus olhos vislumbrassem a imensidão da beleza natural. Os sons, as cores, os animais, tudo parecia uma novidade. Mas estava tudo do mesmo jeito, como sempre foi. Eu é que tinha mudado. E como tinha.

            O frescor do vento, o banho discreto de ouro que o sol derramava sobre o campo, atiçando as asas das borboletas, instigando os girassóis a se exibirem com sua exuberância e imponência diante dos arbustos discretos.

            Fechei os olhos, deixando o vento penetrar em minhas narinas, eriçar os cabelos da minha nuca, deslizar sobre o meu rosto e me lembrar como era bom estar vivo, como era importante correr atrás da felicidade.

            Tinha alguma coisa a mais na atmosfera. Era um mundo bastante diferente. Um mundo novo, onde eu estava começando a aceitar os imprevistos, onde eu comecei a ver com os olhos das circunstâncias.

Dói. Uma ferida rasgada, incicatrizável. Uma úlcera pulsante, que me faz relembrar, a cada instante, aquele dia. Mas eu aceitei. E decidi sorrir mais uma vez. Todas as expressões de Deus, todas as manifestações naturais, eram como um analgésico nas feridas, uma forma de tornar esse ar respirável novamente.

 

            Samantha, Greg e eu estávamos correndo pela colina. Éramos meio que donos daquelas extensões de terra, donos da nossa alma. Nossa palavra em nosso mundo era lei. Subíamos nas árvores, que eram obrigadas a nos aceitarem sobre seus galhos. Arrancávamos rosas e girassóis que mal haviam florescido, e a natureza nos perdoava assim mesmo.

            Samantha era uma típica caipira daquela região, adorava passar o tempo na cachoeira. Greg não sabia nadar, mas subia em montanhas como ninguém. Era um verdadeiro profissional. Eu corria. Melhor do que qualquer um na minha cidade, eu era capaz de cortar o vento, fazê-lo tomar outro rumo, sair do meu caminho. Meus pés conheciam todas as rotas, e eu abria os braços, deixava o meu corpo receber a onda de ar. Uma nadadora, um escalador e um corredor, natos, amigos. Vivíamos nossos momentos. O sol dourado era mais parecido como uma moeda gigante, capaz de comprar o vale mais extenso. A longa campina verde, tão perfeita, era um tapete verde que se estendia em nosso caminho, nos guiando para um mundo desconhecido a cada aventura infantil. Os animais eram mensageiros de Deus. Mensageiros que nos diziam onde era perigoso e onde era seguro andar.

            Se houvesse um urso, obviamente manteríamos distância. se houvesse um castor, era seguro nadar por ali, sempre confiando na engenharia impecável de se construir represas desses roedores natos. Se os pássaros piavam mais alto, era porque o dia estava indo e a noite viria em seguida. Era o momento para abandonar as aventuras e repor as energias para o dia seguinte.

            Naquela noite, decidimos nos aventurar. O céu estava cheio de estrelas, e, na campina, a visão era muito mais perfeita. A lua, cheia e grandiosa, exibia toda a sua atração diante dos olhos fascinados de três garotos aventureiros. Como era perfeita a voz de Deus!

            _ Uma corrida – falou Samantha – vamos ver quem chega primeiro no vale CleanWood.

            Concordei no mesmo instante, sentindo a euforia dos meus pés ecoarem em cada extremidade dos ossos. Era meu maior prazer, correr e se deixar levar. Não precisava de mais nada se eu pudesse chegar o mais longe que pudesse.

            Corremos pela campina, rindo e berrando canções desafinadas. Éramos um trio, uma pequena família. Greg ficou para trás, não por ser o mais lento, mas por não ser capaz de me ultrapassar, e por ser apaixonado demais por Samantha para vencê-la. Era esse o sentimento que nos ligava e, igualmente, nos segurava firme nesse laço invisível.

            Cortamos o ar como navalhas humanas. Subimos uma colina, comecei a sentir fisgadas na perna, mas esta ali com meus melhores amigos era o suficiente para valer a pena as dores do ofício. Samantha, por muito pouco, não me ultrapassa. Precisei ser mais veloz, apertar o passo.

Era noite, o tempo em que os aventureiros dormem. Essa era a nossa lei. Mas naquele dia nós a quebramos. Desobedecemos nossas normas. Eu corri, olhando para trás, vendo Greg e Samantha perder a velocidade. Sorri, vitorioso, sentindo a satisfação de mais uma corrida ganha. Mas então eu caí.

            Um buraco que havia brotado, uma penitência, talvez, pelas leis ignoradas. Meus pés falharam, o caminho abandonou meus passos, e me vi caindo, minha voz abafada pelo vento. Vi um vislumbre de luz branca, alva, consoladora. Depois, não vi mais nada.

 

            O mundo que eu via está tão diferente. É como uma tela gigante, pintada com tintas mágicas, que ganhavam movimento. Mas eu não podia tocar nas formas, ou sentir as texturas. Apenas sentir os perfumes, admirar, embasbacado, as novidades daquele mundo que eu estava descobrindo. Eu estava ali agora, depois de tantos anos, lembrando-me do buraco que se projetara na minha frente.

            Senti uma mão macia e reconfortante acariciar minha bochecha.

            _ Vamos – chamou Samantha. Ela estava tão mulher, tão madura. Não era aquela mesma criança.

            Eu só pude sorrir.

            _ Vamos.

            _ Eu te levo – ela me deu um beijo no rosto.

            Samantha empurrou a cadeira-de-rodas, enquanto eu admirava, maravilhado, minha segunda chance. A voz de Deus se manifestando em minha visão. Eu tinha uma nova oportunidade para fazer tudo da forma correta, seguir as normas. Eu ainda podia ser feliz. Porque eu não precisava andar para chegar até a felicidade, e ela não é algo que pode ser segurada com as mãos. Apenas sentida. Diferente dos meus braços e pernas, que não mais me obedeciam, eu tinha algo que buscaria, fervorosamente, dia após dia, essa felicidade. Meu coração.

            _ Está anoitecendo – comentou Samantha – é melhor irmos.

            Eu sorri, sentindo os últimos feixes de luz do sol.

            _ É nessa hora que os aventureiros dormem. – murmurei.

            Ela sorriu, envolveu seus braços sobre o meu pescoço e me beijou, como uma irmã faz com um irmão.

            _ Vamos apostar uma corrida? – ela me desafiou.

            Eu apenas ri.

            _ Duvido que consiga me vencer.

            Ela me empurrou até minha casa. Nós chegamos juntos. É, acabei considerando um empate. Não precisei de nenhuma medalha para me sentir um vencedor.  


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