Helena e as amoras... escrita por Safira Negra


Capítulo 2
Parte ii


Notas iniciais do capítulo

E nos encontramos de novo, se está aqui é por que se interessou o bastante para ler o segundo capitulo... Obrigada e espero não decepciona-lo!



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PARTE II

— Ei, amigo?- gritei para ele.

Seu rosto sujo se voltou em minha direção eu não sabia se ele era branco ou negro, acho que aquilo só poderia ser descrito como encardido.

Com certa relutância e medo nos olhos ele se aproximou como um animal assustado e maltratado. Seu cheiro me alcançou antes mesmo dele, ele fedia a suor, comida estragada e a esgoto, cheiros que deveriam pertencer a tudo que estivesse morto ou em fase de decomposição.

Tossi, engasgando quando aquele cheiro terrivelmente forte acertou meu nariz como um soco, a náusea começara a revirar meu estomago.

— Olha, eu só estava com fome se...

—Tudo bem, não vou repreendê-lo!- eu o interrompi, enfiei a mão no bolso da calça, a mesma que eu usara hoje, bem ontem para ir ao mercado. Dali tirei uma nota de vinte e entreguei para ele.

—compre um café da manhã decente!- eu sorri incentivando a pegar.

Seus olhos se arregalaram, mas ele não negou pegou a nota rapidamente, sorrindo feito um bobo, os dentes, bom os poucos dentes que ainda lhe restavam eram cariados amarelados ou quebrados, seu hálito cheirava a carne podre e arroz azedo. O vomito subiu até minha garganta, mas forcei-o a descer.

—Muito obrigado, muito obrigado mesmo!- ele virou as costas e se afastou por cima do ombro ele gritou um ‘ Deus lhe pague’ e eu sussurrei ‘ ele já pagou’.

Essa cena, uma representação bem semelhante àquela primeira, sim, até sinto a mesma efervescência daquele dia, aquela sensação estranha de...

“Tome meu senhor!”- Helena entregara umas notas dobradas para um gordo, encardido e ensebado sentado na calçada com uma caixa de sapatos as mãos.

“Deus lhe pague menina, Deus lhe pague!”- o homem sorria como se tivesse ganhado na loteria, como uma criança e um doce do qual gostava muito.

“Ele já pagou, meu senhor!”- ela sorriu e seguiu seu caminho comigo em se encalço.

“Você sabe que ele vai gastar aquela quantia com bebidas ou drogas, não sabe?”- questionei ironicamente.

O seu cabelo de mogno estava preso em um gracioso rabo de cavalo, no qual a franja estava solta na testa, a saia longa até os tornozelos a fazia em todos os seus 1,65m de altura parecer mais alta, a camiseta branca marfim cintilava sob a luz fraca do dia nublado.

“Por que você só pensa o mal das pessoas?”- os olhos azuis me encararam indignados.

“Não é lado ruim, é a realidade!”- respondi.

“A realidade é relativa, assim como o tempo!”- ela citou, sorrindo.

Ela adorava bancar a esperta, lia livros importantes, renomados e complicados, livros que nem seu avô achava interessante, mas ela nos seus 16 anos, venerava.

“Você e a sua relatividade!”- bufei.

“Você deveria fazer caridades também!”- Helena com seu cotovelo macio me empurrou brincalhona.

“Pra quê? Por quê?”- meu tom não podia ser mais crítico –“Pro meu dinheiro ser gastado com bobagens destrutivas?”.

Helena se voltou para mim chateada, as sobrancelhas agora bem feitas se uniram, e os lábios se franziram.

“Você é a pessoa mais idiota e mais pessimista que eu já conheci!”- ela grunhiu, olhou por cima do meu ombro e sorriu, com o aparelho dentário brilhando como um farol. -“ Você queria um motivo para a doação , então olhe!”- ela apontou com o queixo.

Eu me virei, e ali onde o homem estava pedindo esmolas, uma mulher igualmente suja e descabelada carregava uma criança de colo e tinha outra um pouco mais velha agarrada a sua perna. Todos sujo, mal vestidos, descalços e magros.

O velho entregou o dinheiro à mulher sorridente e afagou o cabelo do menino agarrado à perna da mãe, todos andando rapidamente começaram a atravessar a rua, o homem contava uma historia para a mulher e depois apontou para a gente, eles nos encararam sorrindo e as crianças acenaram felizes.

“Ele já pagou!”- Helena repetiu.

E naquele instante eu realmente entendi aquelas palavras...

A cidade começara a acordar lá fora, bem fora da minha mente melhor dizendo, hoje eu realmente tirei o dia para ter flash Black.

As pessoas seguiam para o trabalho, em carros, bicicletas e até a pé. Pareciam perdidas correndo para um lado e para outro, meu relógio de pulso marcava cinco e meia da manhã.

— O tempo é relativo!- sorri.

Levantei-me e decidi ir visitar Helena, para falar a verdade hoje é o dia dela.

Com passos firmes e longos comecei a caminhar pela cidade em direção ao lugar onde Helena morava, era um condomínio chamado Paraíso. O sol começava a nascer ao longe, na direção em que eu caminhava, tingindo o céu de laranja, salmão e perolado à frente e azul, púrpuro e negro ao fundo.

Carros passavam lentamente pelas ruas, o vento não incomodava mais as árvores, as poucas pessoas que passavam por mim sussurravam somente um tímido “dia”, como se o dia só teria sido bom se eles ainda estivessem dormindo. Crianças também se apressavam para a escola, mesmo sendo tão cedo, muitas estavam paradas nos pontos de ônibus esperando a condução que as levariam para o colégio.

Ao meu lado um grupinho de meninas passou tagarelando, espalhafatosas.

— Ai, meu Deus, ele te beijou?- uma garota de cabelos castanho-avermelhados, crespo e comprido disse com a voz fininha e cheia de surpresa. - Tipo, te beijou mesmo? Tipo na boca?

— Onde mais seria?- uma loura cheia de sardas respondeu meio irritada – Foi tipo, de cinema, sabe...

— Uau, seu primeiro beijo... –outra de cabelos Chanel e preto parecia fascinada.

Então eu estava muito distante para ouvir o restante. Eu ri tanta empolgação por causa de um beijo... ‘crianças brincando de ser adultos’. Se bem que, com toda a certeza, devo ter reagido da mesma maneira quando foi...

“Isso é errado!”- Ela se afastou, pela terceira vez ela repetia isso, foi só um beijo, bem o meu primeiro beijo, mas ela não precisava saber disso.

“Não, não é, você gosta de mim e eu sinto o mesmo por você, isso é normal!”- segurei seu queixo entre o polegar e o indicador trazendo seus olhos azuis para os meus castanhos.

Seu rosto se transformou em uma daquelas mascaras gregas, hora feliz, hora triste e ficava oscilando até que ela suspirou e fechou os olhos e se afastou.

“Eu tenho namorado!”- eu mais li seus lábios do que escutei as palavras.

“mas você me ama, não?”

Como resposta ela me beijou de novo, depois sorriu os dentes sem aparelhos há dois anos estavam perfeitos e alinhados, brancos como a neve.

“Eu te amo, mais do que deveria!”- ela sussurrou.

Trombei com algo, quer dizer, alguém.

— Me perdoe!- me desculpei.

— Não foi nada!- um homem alto e corpulento respondeu e seguiu o seu caminho.

Eu Havia chegado ao condomínio de Helena, tinha um muro muito alto, branco desbotado e um portão de ferro batido com a tinta azul toda descascada pelo tempo.

Eu entrei sem me anunciar, ela dividia o condomínio com varias outras pessoas e ao atravessar a calçada eu podia ver as suas plaquetas e fotos no espaço que as pertenciam.

Ali bem no meio do condomínio Paraíso, o cemitério da cidade, estava à lápide de Helena com sua doce face imortalizada na juventude por uma fotografia em preto e branco.

‘Helena G.’

‘ 22/10/77 á 21/10/94’

“Boa amiga, ótima filha, maravilhosa mãe”.

Esses eram os dizeres daquela maldita plaquetinha de chumbo fundido, seu rosto sorridente da foto era lindo, tão sereno...

A face pálida, agora amarelada pelo tempo, era emoldurada por lindos e longos cabelos negros e brilhantes a boca carnuda e avermelhada na foto continha apenas um tom estranho de cinza.

E seus olhos... Ah os olhos que tantas vezes me esquentaram, só por aparecerem em meus pensamentos, já fui à cobiça que os iluminava, a piada que fazia seus lábios sorrirem, o amor que fazia seu coração bater mais rápido.

— Feliz aniversario, minha doce Helena!- me aproximei da sua lápide e depositei um suave e terno beijo em sua fotografia amarelada pelo tempo.

Lágrimas silenciosa escorriam pelo meu rosto, duas de tantas outras que derramei por Helena, que compartilhei com Helena, elas eram simplesmente a manifestação da parte de Helena que ainda existia em mim e continuaria a existir eterna mente na minha alma, sim na alma pois um dia o coração para de bater. As minhas costas, passos ecoavam, duas pessoas se aproximavam, uma mais apressada que a outra.

—Corre mamãe!- uma criança risonha gritava.

—Espere Helena, não corra!- alguém gritou para a menininha, eu conhecia essa voz, o som de passos se aproximou e subitamente parou.

— Você tá bem?- a pequena Helena parada ao meu lado perguntou, o rostinho miúdo e magrinho estava serio os olhos verdes brilhando.

Em resposta apenas assenti, sequei minhas lagrimas e me levantei sorrindo para a pequena garotinha.

—Você por aqui?- Marcela, filha da doce Helena, a minha Helena, estava parada logo atrás, o rosto preocupado e surpreso, ela tinha as mesmas feições da mãe, mas seus cabelos foram castigados com a genética do pai, louros e os olhos verdes.

O seu nome era uma homenagem a mim o primeiro amor de Helena. uma benção é um castigo ao mesmo tempo.

— Já estou indo embora!- segui em direção à saída, eu tinha que ir embora a cascata de lágrimas estava a ponto de banhar-me pelo resto do dia, escorrendo-me pelo rosto durante horas tortuosas.

— Espere... – Marcela grito chamando-me.

Mas eu ignorei, não podia aguentar aquilo, ver tão perto de mim alguém tão parecida com a única pessoa que amei, não pude aguentar ver a menina que eu trouxe a vida, na noite em que perdera a mulher que amava...

O som de meus passos acompanhavam a velocidade das minhas lágrimas, ambos desesperados pela saída.

No portão, Samuel  o vigia, estava sentado e alerta, os olhos perderá um pouco do brilho  ao me reconhecer.

—Bom dia Samuel! - sussurro para ele tentando esconder o choro.

— Que assim seja doutora Marcela! - e ele anotou pela décima vez meu nome no livro de visitantes.


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Notas finais do capítulo

espero algumas manifestações de meus leitores! Pode ser qualquer coisa tudo me deixaria muito feliz em saber que vocês se prontificaram a comentar sua opinião!



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