Helena e as amoras... escrita por Safira Negra


Capítulo 1
Parte I


Notas iniciais do capítulo

esse é o único conto que já escrevi na vida! gostaria de comentários construtivos ( ou seja, criticas boas ou ruins que me façam melhorar na escrita!) Até lá embaixo... :3



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PARTE I

É incrível como as horas teimam em correr quando estamos preocupados ou irritados com algo. Toda a cidade lá fora dormia em mais profundo sono, o som do vento ao bater nas folhas das arvores era a única melodia que chegava aos meus ouvidos, um cantar sofrido em gemidos.

Olhei para o relógio digital obsoleto, sua luz vermelha indicava duas e meia da manhã, as tenebrosas e solitárias primeiras horas da madrugada, durante toda a noite não pude dormir, não pude descasar ou ao menos respirar com calma, eu precisava de espaço, de ar puro.

O velho apartamento parecia transbordar... De quê? Não sei, só estava apertado e abafado demais para mim, a luz da lua cheia se infiltrava pela janela e pela fina cortina azul celeste à esquerda, banhado o pequeno quarto com lindos filetes de luz prateada e manchando as paredes terríveis sombras fantasmagóricas, as quais temia quando era criança. O ar quente e saturado tinha um leve toque de poeira e cera para pisos.

Levantei-me da cama, as molas velhas e manhosas guincharam como um gato que teve sua calda pisoteada, o chão frio me deixava com os olhos ainda mais abertos, me dirigi ate a janela com as cortinas puídas, as ruas estavam desertas não havia uma santa alma consciente, os prédios à frente de dois três andares tinham suas cores acinzentadas transmutadas e algo negro manchado e “bruxulento” com o jogo de luz e sombra que a lua emitia.

Os carros nas ruas pareciam ter adormecido junto com seus donos, as arvores sacudidas pela leve brisa de verão se assemelhavam a um doce ronco pela cidade. O ar quente da pós-chuva fora embora, no lugar poças prateadas salpicavam o chão, trazendo frescor ao mundo lá fora, bem diferente do estado deste quarto infernal.

Eu precisava sair, precisava andar isso, andar é bom, ajuda a não pensar.

Peguei a primeira roupa que vi pela frente e me vesti, o som do zíper sendo fechado, o som dos sapatos sendo batidos para se encaixar melhor parecia ser ensurdecedores naquela hora da madrugada.

Não pensei, nem refleti quando dei conta de mim estava trancando a porta, o som metálico e frio das chaves lembrava-me instrumento cirúrgicos, aos quais conheço muito bem, meu material de trabalho. Sacudi a cabeça não queria pensar nisso, não agora.

As flores do jardim, damas da noite, em minha opinião não havia flor mais cheirosa que aquela, banhava o ar com seu aroma doce e inebriante pelo quintal, um aroma tocante que só poderia ser descrito como ‘cheiro de mãe’.

Ela plantara aquelas flores e ela cuidava delas ate hoje.

Comecei a andar depressa, o vento fresco e o cheiro de asfalto molhado tinha um poder sobre minha mente como uma borracha, isso, ou um botão de delete para os arquivos “Pensamentos horríveis que te deixara acordado” que todas as pessoas possuem.

“Ruas vazias, noites frias”, essas palavras martelavam em minha mente como uma pequena canção. A noite não era fria, mas era vazia, tanto que cheguei a imaginar que era o único ser humano existente sobre o globo terrestre.

As casas mal cuidadas se estendiam pelo horizonte esse negro escuro, banhado por nuvens rala se que não encobria à poderosa e cintilante lua e seu brilho perolado.

No fim do quarteirão havia aquela magnífica praça, a praça da minha infância, aquela que acolhia a todos nas tardes de domingo de quando eu era apenas mais uma criança em meio a tantas outras.

O espaço sem casas, com poucos coretos, quatro em cada canto do retângulo pavimentado, e um ainda maior no centro, cinco ao todo. Eram de uma cor que deveria ser verde-menta, mas o tempo inimigo como sempre, deixou a tinta descascada e envelhecida, as telhas eram na sua maioria quebrada e incrustada com lodo verde, ninhos de pássaros espalhados pelas vigas de sustentações como um enfeite para os puídos coretos encardidos. Os bancos de cimento surgiam como pontos cinza estratégicos sobre a grama verde banhada por gotas de orvalho.

Sentei-me naquele mesmo banco de sempre, ao lado da amoreira, a árvore estava dando frutos fora de época, o cheiro doce da fruta lembrava-me os tempos mais calmos e olhos mais do que doces...

“Não vá muito longe!” mamãe dizia, o lindo vestido azul se encaixava perfeitamente em seu corpo, as mãos afagaram meus cabelos com carinho.

Sai correndo, queria a minha arvore, aquela arvore, com os agridoces pontinhos pretos presos em seus galhos. Sim aqueles pontinhos eram bons, bons, bons...

Quando cheguei a minha arvore um ódio me tomou, havia alguém na minha arvore! Comendo as minhas frutas, os meus pontinhos docinhos. Meus, meus, meus...

“Essas amoras são minhas, essa arvore é minha!”- eu gritava e batia os pés de raiva. - “Saia daí agora!”.

O riso chegou antes do individuo, não ladrãozinho, o ladrão de pontinhos pretos docinhos.

O riso era doce, fino e profundo, altamente feminino e gracioso. Uma menina de cabelos sedosos e negros descia com cuidado da pequena árvore, usava um vestido marfim e rendado, quando ela se voltou de fronte para mim, vi as terríveis manchas roxas em seu vestido, bolas de tinta arroxeadas, não círculos, não parecem rodinhas do meu carrinho de brinquedo...

“A árvore não é sua, é do parque!”-a voz doce, tornou-se autoritária os lábios finos estavam tingidos com uma coloração violeta, ou seria vinho? Os olhos azuis emoldurados por sobrancelhas grossas e mal feitas, as bochechas eram rosadas e a pele translucida o cabelo negro e brilhantes era enrolado, ou ondulado, ou simplesmente bagunçado.

A menina era meio gorduchinha, o caldo das frutas escorreu pelos cantos da sua boca, transformando-a em uma vampira recém-alimentada. Não era bonita, nada bonita, principalmente com aqueles dentões enormes e tortos, saltando para fora da boca.

“É minha, é minha, é minha!”- era minha, eu sei, eu venho aqui desde sempre desde...

Ela bufou e cruzou os braços.

“Podemos dividir, já que tem tanta teimosia!”- ela voltou a subir na árvore, se sentando em um galho grosso á um metro e meio de altura-“Esse lado é meu e esse é seu!”.

Também subi na arvore rapidamente me apossando do meu lado, egoísta como sou.

“Qual o seu nome?”- a curiosidade era parte constante de mim.

“Helena” - os dentes saltaram para fora da boca, acho que aquilo era um sorriso- “E você?”.

“Eu...”

Um barulho de latas sendo reviradas me tirou do devaneio, um mendigo, a uns dez metros revirava um grandioso saco plástico, negro as latas que nele encontrava eram jogadas no meio da rua e ele voltava a procurar algo dentro do lixo.

Não podia dizer que o que ele vestia eram roupas, no lugar camisa ele usava um saco encardido e seboso de batatas, rasgados em alguns pontos do abdômen, a barba emaranhada e oleosa descia como uma mancha de óleo queimado do queixo até o peito, os cabelos eram compridos, muito compridos, se estendiam pelas costas até os quadris, de tão emaranhados e sujos pareciam uma placa de fibra flexível, duro e grudado. No lugar da calça estava um short aos trapos, rasgado e desbotado, com manchas negras que estavam impregnadas no tecido há tanto tempo que nem era possível a identificação de suas origens.

Os pés descalços e enlameados tinham uma camada grossa de pele morta presa aos calcanhares, era uma cena debilitante até que ponto a decadência do ser humano e a ignorância da sociedade podem chegar?

O homem encontrou o que procurava no lixo, um pote velho e rachado, ele o abriu e sem pensar muito engoliu o que estava ali dentro com voracidade. Acho que isso respondia a minha pergunta.


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Notas finais do capítulo

até o próximo capitulo( o ultimo, só para lembrar! :P)



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