Silent Hill: Sombras do Passado escrita por EddieJJ


Capítulo 19
Sebastian - Pt. 2


Notas iniciais do capítulo

"A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente." - Soren Kierkergaard



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Os meninos eram anormalmente parecidos, não havia nada que à primeira vista pudesse diferenciá-los. Tinham a pele clara, olhos e cabelos castanhos lisos e finos feito uma pena, como já dito, bem parecidos com o pai. Não se passaram muitos dias até que Silvia tivesse alta do hospital. A primeira casa em que pararam foi a dos pais dela, os novos avô e avó fizeram uma comemoração para celebrar o nascimento dos bebês, onde os cercaram numa longa noite de risadas, conversas e mimos. Em meados da madrugada, Charles e Silvia finalmente foram apresentar aos bebês seu novo lar.

O casal, e agora pais, estavam certos, os anos que se seguiram após o nascimento dos gêmeos foram os melhores de sua vida, os dois cresciam bem unidos enquanto tornavam a casa e a vida de todos mais alegre e feliz, sempre brincando e armando as mais diversas situações aproveitando o fato de serem idênticos. Porém, embora iguais na aparência, os gêmeos eram bem diferentes em relação à sua personalidade, o que foi descoberto logo nos primeiros anos.

Sebastian era um bebê mais ativo e desconcentrado, gostava de aparecer, ser o centro das atenções nas festas da família como Natal ou Réveillon, e até certo ponto desobediente, características essas que quase o levaram a morte várias vezes (dedos em tomadas, engolir pecinhas) e que faziam o casal ser sempre chamado na escolinha ou creche com reclamações do tipo: Sebastian bateu no amiguinho, Sebastian cortou o cabelo da amiguinha, Sebastian pintou a parede. Todavia, embora possuísse essas características ativas e curiosas, Sebastian era uma criança muito dependente, não por ser preguiçosa, mas simplesmente por demorar mais a aprender coisas até certo ponto simples, como colocar a comida no prato ou comer sem melar tudo.

Simon, por sua vez, era uma criança calma, centrada e muito inteligente. Cresceu sendo um exemplo a seguir, não só para Sebastian, mas para todas as outras crianças dos ambientes que frequentava, tanto em público como em particular. E quanto a independência, bom, podemos dizer que enquanto Sebastian precisou de bastante ajuda e acompanhamento dos pais para começar a andar, ele os surpreendeu ao aparecer andando no quarto do casal numa tarde de outono.

Porém nada disso era motivo para que Charles ou Silvia o admirassem ou amassem mais, para os dois era divertido e interessante ver o quanto dois serezinhos iguais se desenvolviam de formas diferentes, tendo cada um seu próprio lugar aos olhos dos pais. Bom, nada disso era motivo... até que Simon começou, quando os dois tinham 10 anos, a mostrar um interesse e uma queda muito grande para a profissão do pai. Tal ocorrido, combinado à personalidade semelhante que Simon tinha do pai, como a independência e inteligência, fez com que Charles, ainda que involuntariamente, desenvolvesse uma espécie de favoritismo, percebido sem demora por Silvia, que não se agradou nada, e mais tarde, por Sebastian.

Porém de nada adiantaram as críticas e conversas que os dois tinham sobre como isso poderia afetar Sebastian, esse favoritismo cresceu com o tempo, o que não queria dizer que Charles não amasse Sebastian, ele amava, assim como amava Simon, porém a afinidade crescente dos dois e o desejo que Charles possuía de ver um de seus filhos policial, ao mesmo tempo que Sebastian não demonstrava o menor interesse na carreira do pai, fez com o que os dois se apegassem muito e desenvolvessem comportamentos que explicitassem o tal favoritismo: Charles levava Simon para pescar, caçar, para assistir futebol nos estádios, dava mais valor as conquistas acadêmicas e pessoais dele, o levava para suas reuniões no quartel e o deixava participar dos seus treinos de tiro, parte preferida do menino, que em pouco tempo mostrou um grande potencial no manuseio de armas.

Os anos passaram, e embora tivesse consciência desse favoritismo de Charles, Sebastian nunca se importou ou mudou sua relação com seu irmão, pois sabia que no fundo a culpa não era dele, porém em relação ao seu pai, Sebastian guardava um certo rancor, não porque ele tinha os gostos em comum com Simon, mas porque, embora soubesse que ele o amava tanto quanto a seu irmão e que apenas possuía uma relação mais estreita com ele pela coincidência de gostos, Charles não demonstrava se preocupar em como ele se sentia em ter consciência e até mesmo ver os frutos deste favoritismo. Charles, por sua vez, cego pela admiração que tinha por Simon, não conseguia ver como isso afetava Sebastian, e mesmo com as constantes broncas de Silvia ele nunca conseguiu melhorar seu comportamento. Mas por dentro, Charles nunca rebaixou Sebastian em seu plano de visão, embora não conseguisse mostrar, via e tinha os dois iguais para si, e daria tudo por qualquer um, até mesmo a vida. E como ele desejou ter dado a sua vida... naquele dia...

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– Era uma tarde de inverno, meu pai, minha mãe e meu irmão foram até minha escola à noite... para me assistir uma peça do grupo de artes local. – Sebastian disse, limpando o rosto.

– Você tem um irmão?

– O nome dele era Simon, era meu gêmeo. – ele soltou um breve riso – Mas não éramos nada parecidos. Bom, a peça foi um sucesso. Mas depois... – os olhos de Sebastian se encheram de lágrimas.

– Depois... – Emma pediu para que ele continuasse.

“CRRECC”, um pedaço da porta quebrara e uma das muitas criaturas já conseguia por sua mão dentro do lugar. Sebastian enxugou o rosto, levantou-se e empurrou um dos pesados armários que guardavam os lençóis e as toalhas contra a porta, sentando e escorando-se no móvel, a fim de fazer um pouco mais de peso, enquanto as criaturas, ainda furiosas, surravam a porta, que por algum milagre ainda estava inteira.

– Vamos morrer aqui... – Emma recolheu os joelhos para perto do seu corpo.

– Depois... – Sebastian decidiu continuar a história para distrair Emma, pelo menos até que as aberrações entrassem ali e acabassem com tudo - ... nós saímos e fomos pro carro, mamãe disse que íamos comer pizza em comemoração à minha peça. – ele chorou um pouco – Simon disse que ia querer de queijo... me lembro como se tivesse sido ontem... mas aí... mas aí vieram dois homens encapuzados e... eles... eles gritaram que era um assalto... – Sebastian pôs as mãos na cabeça como se estivesse revivendo o momento – Meu pai ele... sacou a arma que tinha escondida mas... um deles foi mais rápido e o imobilizou... ele conseguiu jogar a arma pra mamãe, que pegou... o outro correu até mim com os braços prontos para me bater ou... ou sei lá... eu estava assustado mas Simon agarrou ele... ele pulou na minha frente e foi pego no meu lugar, o homem pegou Simon pelo pescoço e pôs sua mão na boca dele para que ele não gritasse... mas parou quando mamãe apontou a arma para ele, ameaçando atirar... ele então sacou uma faca da sua meia e se preparou para golpear Simon... papai entrou em pânico e gritou para ela atirar...

Houve silêncio entre os dois.

– Porque... porque ela teve que atirar?! POR QUÊ??!! – Sebastian começou a chorar como se fosse uma criança – A potência da arma... o tiro... rasgou a mão do homem mas... Simon... ela acertou... a cabeça... o corpo dele... a neve vermelha... meu pai gritou... mamãe largou a arma no chão... e caiu... os dois homens correram pra longe... mas... eles... eles levaram o Simon naquele dia! O Simon! Eu... eu... Simon... era par ter sido eu...

– Eu... eu... sinto muito... – Emma estava experimentado algo que não sentia há muito tempo: compaixão.

– Mamãe suicidou-se tempos depois... na carta ela dizia que não aguentava mais viver, via Simon em todos os lugares e sentia o sangue dele em suas mãos... – Sebastian enxugou o rosto com a manga do sobretudo.

– Mas o que isso tem a ver com o você estar me ajudando? – Emma perguntou confusa.

– Simon era o preferido do meu pai... Simon queria ser policial e como meu pai era policial em Jersey, ele amava essa ideia...

– Seu pai era policial em Jersey?

– Sim, um dos melhores. – Sebastian riu um pouco - Mas nós tínhamos quinze anos quando ele o perdeu e perdeu mamãe... ele entrou em depressão... ele... ele era frio... Após alguns anos e muitas idas ao psicólogo, eu consegui me recuperar, mas ele não. Foi então que eu decidi que iria ser policial, queria dar-lhe a alegria que ele tinha em Simon, daí passei a treinar. Não acha que nasci com essa habilidade no gatilho né? – ele balançou a arma e ficou em silêncio, baixando a cabeça – Até certo ponto funcionou...

– Em algum momento deixou de funcionar?

– Sim... quando eu vi que não queria ser policial... não queria perder minha vida em algo que não gostava. Minha verdadeira paixão era o teatro, sempre foi, mas quando falei isso pra ele... bom... digamos que ele não gostou da ideia, dando bem ênfase na parte do não gostou. A partir daí as coisas entre nós ficaram ruins, bem ruins, nos falávamos cada vez menos... e embora morássemos na mesma casa, nos víamos cada vez menos também... ele me tratava como se eu fosse ninguém, chegava do trabalho e fechava a porta do quarto... Até cheguei a morar com meus avós por uns tempos quando a convivência ficou insuportável. Larguei meu curso no esquadrão também... eu... só queria seguir minha vida, deixar o passado para trás... mas o passado o havia envolvido de uma forma monstruosa... que eu pude testemunhar quando tinha dezoito anos, após receber uma bolsa para uma universidade no exterior, onde eu poderia me especializar em teatro e virar... professor... quem sabe... – ele ergueu os ombros – Fui até em casa dele depois de muito tempo me despedir... ia passar uns anos fora, mas chegando lá... brigamos de novo. – Sebastian quis começar a chorar novamente mas segurou as lágrimas – Foi horrível, ele me disse coisas que eu não acreditaria ter ouvido nem de um inimigo... é como se toda a raiva que ele tivesse do que aconteceu... tivesse sido jogada em mim naquele dia... como se eu fosse o culpado... ele até chegou a dizer que... – ele passou a mão no cabelo e olhou nos olhos de Emma com um sorriso amargo no rosto - ...devia ter sido eu...

Emma aregalhou os olhos.

– Eu saí de lá determinado a nunca mais voltar... peguei o avião e olhei pela janela... “Diga adeus...” eu falava pra mim mesmo... – ele parou por uns instantes – Tempos depois, meu vô e vó se mudaram com minha tia para outra cidade enquanto eu estava fora, nunca mais tive notícias deles, e meu pai ficou sozinho em Jersey. Até que... no meu terceiro ano na universidade, não sei como me acharam mas... eu recebi a notícia de que ele havia morrido em um dos casos policiais. Foi como uma facada Emma, como se a maior faca do mundo tivesse transpassado o meu peito... meu pai havia morrido... sozinho. Daí voltei pra Jersey, pra resolver os assuntos do enterro e tudo mais e acabei ficando por aqui. Nunca consegui terminar o meu curso mas pretendo concluí-lo algum dia...

Sebastian lamentou em silêncio por alguns instantes e continuou.

– Ele ficou órfão aos quinze anos, perdeu o filho preferido quando ele tinha 15 anos, também perdeu a mulher que amava, e seu filho... o único que lhe restara, o abandonou.

– Mas o que ele disse com você foi...

– Não importa... – Sebastian interrompeu Emma - ... o que ele disse comigo. Meu pai teve uma vida feliz até onde se pôde ir, mas a amargura das perdas ofuscou esses momentos e fez dele um escravo, um triste e rancoroso escravo... ele não soube seguir em frente, e ele está errado, mas... algumas pessoas não possuem capacidade para continuar... eu não sei o que ele estava sentido quando me disse aquilo mas com certeza era algo ruim... algo que o fez fazer uma coisa horrível, uma coisa que não queria... – ele respirou fundo - A questão é que eu queria ter me reconciliado com ele, daria qualquer coisa para tê-lo aqui e dizê-lo o quanto era especial... enquanto havia tempo... E é por isso que quero ajudar você Emma... quero fazer por você o que não consegui fazer por mim! Para que você não tenha os mesmos arrependimentos que eu.

– Eu não... eu não sei... – Emma olhou para o chão – Mas agora nem importa mais... não conseguimos ir muito longe...

– Hm... - Sebastian passava a vista nas estantes.

– Sebastian...

– O quê?

– Está me ouvi....

– É isso! - ele abriu um sorriso no rosto e levantou-se animado, pegando todos os lenções à vista – Pegue quantos lençóis conseguir, iremos sair daqui!

– Mas tudo que temos é uma escada bloqueada, um elevador quebrado e um buraco gigante, não tem saída.

– Não temos... é verdade. – ele largou os lençóis no chão e amarrou as pontas de dois deles – Faremos uma!


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Notas finais do capítulo

Segunda Parte Explicativa Sobre o Passado de Sebastian; Sebastian conta o porque de estar ajudando Emma e tem uma ideia que pode os tirar de lá.



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