Num simpático cortiço, na cidade de Harbin, na pequena casa de três cômodos, Dalay se acomodava num pequeno sofá.

– Gueiya, eu mal caibo nesse sofá sentado, que dirá me deitar!

– E você acha mesmo que eu iria colocá-lo para dormir no meu quarto? Dê graças a Deus por estar dormindo debaixo de um teto, Dalay.

– Tá, ta. Não precisa passar na cara, também. Amanhã eu dou um jeito em tudo.

– O paizinho querido vai mandar dinheiro para o lindo filhinho estudioso e dedicado! – A garota falava rindo.

– Ele já sabe dos últimos acontecimentos, Gueiya. Não precisa vir com ironia.

– Ah! Estou surpresa, sabia! Eu não esperava que você tivesse essa iniciativa. Contar a seus pais que é um perdedor é realmente muito corajoso da sua parte.

– Mais uma vez a irônica Gueiya deixa-se levar pelos contos de fadas. É claro que eu não contei nada, a faculdade me poupou...

A garota ria mais ainda.

– Pode rir do meu triste destino. – Se lamentava Dalay.

– Por que você diz isso? Papai vai deixá-lo sem mesada?

– Pior... Ele vai me casar.

– O quê? E quem em sã consciência iria casar com você?

– Também não me menospreze, Gueiya. Lá em Rozan, algumas famílias ainda têm o hábito de casamentos arranjados...

– Então, você vai se casar com uma linda donzela camponesa?! – Gueiya falou sério, mas não se conteve e mais uma vez caiu na risada.

– Não ria. Ela, talvez, não seja uma linda e jovem donzela...

– Uau! Você pode estar comprometido com uma velha?

– Ou com uma criança...

– Seus pais conseguiram um castigo em tanto para você.

– Nem me fale.

No dia seguinte, em Rozan, a doutora Kokoro se espreguiçava na cama, tinha dormido muito bem, parecia que a nuvem negra de preocupação em sua mente, havia passado dando lugar a um belo arco-íris.

– Bom dia! – Saudou uma voz grave ao seu ouvido.

– Bom dia, Dohko!

– Dormiu bem?

– Como há muito tempo não dormia. – Declarou ela.

– Vou preparar um café, afinal, tenho uma filha para levar a escola...

O pai bateu a porta do quarto da filha, a mesma já estava acordada olhando para a menininha deitada ao seu lado.

– Shunrei. – Chamou-a Dohko.

– Bom dia, papai!

– Dormiu bem?

– Sim. Eu gostei de dormir com a Paradox, ela é muito legal, apesar de ser pequeninha, ela não é chorona!

– Fico feliz, filha!

– Papai, a gente podia pedir a doutora para elas ficarem aqui na nossa casa, assim a Paradox podia brincar comigo... Poderíamos ir juntas para a escola!

–Sim, filha, mas ela ainda tem que esperar uns anos para ir à escola.

– Eu sei papai...– Ela respondeu abraçando-o.

– Agora vai se arrumar que a hora está passando.

Dohko foi para a cozinha preparar o café enquanto Shunrei foi até o banheiro. Para chegar lá, ela tinha que passar na frente ao quarto do pai, que estava com a porta aberta, então, ela vê a doutora deitada na cama do pai e acha estranho, pois nunca vira ninguém, além dela mesma, naquele quarto. Shunrei segue em disparada para o banheiro.

Kokoro, que ainda estava deitada, não percebeu a presença da menina, lembrando-se da noite que tivera com Dohko. Suas mãos másculas, cálidas e calosas pelo trabalho na horta. Sua boca que percorreu todo o seu corpo, seus beijos... E quando ele finalmente a tomou era como se estivesse flutuando no céu noturno sob a luz do luar. Foi uma sensação única.

Shunrei, minutos depois, aparece na cozinha com um olhar desconfiado.

– Filha, o que você vai querer? Temos bolo, pãezinhos...

– Qualquer coisa. – Respondeu ela desconfiada.

– Aconteceu alguma coisa, Filha?

– Nada não.

– Shunrei, sabe que não pode mentir...

– Papai... – A menina hesitou um pouco. – Papai é a doutora quem está no seu quarto?

Dohko parou por um instante. Então, Shunrei queria que a Paradox morasse com eles, mas não estava preparada para que para dividir a atenção e o amor do pai com a Kokoro.

– Shunrei... – Dohko, mais uma vez, não sabia como conversar sobre o assunto coma filha.

– Papai, a doutora vai dormir com o senhor todas as noites?

– Shunrei... Filha... Kokoro e Paradox vão morar com a gente... Logo, você vai dividir o seu quarto com a Paradox e eu com a Kokoro!

– A Paradox vai dormir na minha cama?

– Não. Nós vamos trazer a caminha dela para cá.

– E vai trazer a cama da doutora também? Dohko respirou fundo antes de responder.

– Não, Shunrei. A doutora vai dormir comigo na cama.

– Por quê? - Porque ela vai ser a minha esposa!

– Esposa? Ela vai ser uma mãe?

– Ela é uma mãe, filha. Ela é a mãe de Paradox e se você quiser, ela também pode ser a sua!

– Não, obrigada. Já tenho uma mãe que está lá no céu.

Dohko sorriu ao ouvir a filha. Depois da mesa pronta, Kokoro aparece com a filha nos braços.

– Bom dia.

– Bom dia, doutora. – Saudou Shunrei. – A senhora vai dormir todos os dias na cama do meu pai?

A pergunta pegou Kokoro de surpresa. Então, Shunrei continuou:

– O meu pai falou que você vai ser a esposa dele e vai buscar a cama da Paradox para colocar no meu quarto.

– O seu pai é bem resolvido, não é?! – Kokoro falou olhando para Dohko.

– Kokoro, você sabe que tudo mudou...

– É... Eu sei. – Kokoro falou desviando o olhar. - Eu vou pegar uma carona com vocês, Paradox precisa tomar um banho...

– Então, vamos tomar um café e sairemos.

Em outra casa, o dia era de expectativa. A mãe de Dalay estava ansiosa pela chegada do filho. Sentia muita a falta dele, por isso algumas vezes ela chorava.

– Por que está assim, mulher? Sabe como o rebelde do seu filho é. Ele não quer saber de responsabilidades e sendo quase um homem, ainda não conquistou nada nessa vida.

– Querido, talvez ele esteja apenas confuso... Mas com a volta dele pra casa tudo será diferente!

– Será diferente porque eu vou colocá-lo nos eixos para ele aprender ser homem! Se a filha do senhor Dayu não fosse tão criança...

Em Harbin, Dalay saía do banco central direto para o aeroporto. Chegaria a Rozan dentro de algumas horas.

– Rozan... O que diabos eu vou fazer nesse fim de mundo? – Questionava-se.