Dead Inside escrita por Valentina


Capítulo 6
"Eu venci"


Notas iniciais do capítulo

13 acompanhamentos e 2 favoritos. Vocês são incríveis, sério!! Muito obrigada por lerem a história, isso me deixa muitíssimo feliz!! Espero que gostem, uma amizade está surgindo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/483540/chapter/6

Minha mente tornou-se vazia. Meus pensamentos literalmente vazaram pela orelha, deixando-me desconfortável e com uma expressão provavelmente ridícula. A dor que eu senti ao ouvir aquele garoto dizendo aquelas palavras era simplesmente inexplicável. O quanto da infância dele ele teria sacrificado para estar aqui, vivo, dizendo-me todas essas coisas? Teria valido à pena? De repente, percebi que eu e Carl tínhamos muito mais em comum do que eu pensei. Ele também tinha conflitos internos, também sofria por uma perda como eu. Tentei falar alguma coisa, mas nada saía. Meus olhos estavam arregalados, projetando a enorme surpresa e dor que senti e ainda sentia ao vê-lo parado, chorando. Quando estava prestes a me mover, Carl ergueu a cabeça e passou pela porta, deixando-me sozinha dentro da casa.

Pensei em dar a ele algum espaço. Pensei em perguntar a ele o que havia acontecido, mas temi que se afastasse, e me evitasse a partir de então. Honestamente, eu não tinha tido boas conclusões quando o conheci, assim como ele não deve ter tirado boas conclusões de mim. Mas ali, mostrando-se vulnerável como nunca, eu senti tanto remorso por pensar qualquer coisa negativa em relação à ele que quis apagar todas as primeiras impressões que tive. Quis abraçá-lo, mas repensei – se ele não o quisesse, partiria meu coração. Vê-lo frio e distante era pior do que vê-lo vulnerável e sensível.

Finalmente percebi que o controle de meu corpo tinha sido devolvido a mim, e então fui em direção ao lado de fora. Ele estaria a alguns metros de distância agora caso tivesse decidido voltar, mas eu correria. Tudo o que eu fiz a vida toda foi correr; correr de problemas, de perigos, de incertezas.

Ao contrário do que eu esperava, Carl estava sentado nos degraus da varanda, fungando. Sentei-me ao lado dele cautelosamente, pronta para receber insultos – infelizmente, só recebi o silêncio, o que no momento, julguei ser pior. Seu chapéu cobria sua feição, e eu queria tirá-lo desesperadamente, queria saber o que se passava pelos seus olhos. Não foi necessário; ele levantou o olhar e encarou a rua à nossa frente.

“Minha mãe traiu meu pai” – ele começou. Sua voz ainda estava trêmula, e reprimi meu reflexo de segurar sua mão para reconfortá-lo. – “Ela pensou que ele estava morto. Tanto faz. Não estava. Ela o traiu com o melhor amigo dele” – ele ainda estava indecifrável, embora sua voz estivesse claramente afetada pela dor que sentia. Apenas fiquei calada, esperando que ele continuasse. Ele precisava desabafar. – “Depois de um tempo, ele apareceu. Ela engravidou e nunca se soube de quem. Inferno que não sabiam. Era do Shane, claro” – ele falou, com certo nojo no timbre. – “Quando ela ia dar à luz, soube que não iria sobreviver. Escolheu a vida do bebê, então eu a matei” – algumas lágrimas voltaram a cair, e ele as limpou com as costas da mão, respirando fundo para dar continuação. – “Meu pai sempre teve certeza que era dele. Mesmo se não fosse, acho que trataria como filha dele. Ele deixou que eu escolhesse o nome dela. Judith” – ele falou, com tanta saudade na voz que apertou meu coração. – “Estávamos seguros nessa prisão quando foi atacada. Não pudemos salvá-la. Todos morreram” – de repente, soluços invadiram sua garganta e o choro o alcançou novamente

Carl tinha acabado de contar tudo o que estava entalado dentro de si, tudo o que o atormentava, para mim. Fiquei insegura em tentar qualquer gesto físico, ou dizer a ele qualquer conselho. Eu não tinha nada a dizer, contudo. Eu havia perdido todos com quem me importava, e não tinha esperanças de que algum deles ainda estivesse vivo. Apesar de eu carregar o fardo de não poder ter salvado meu pai, eu não sabia o que era matar a própria mãe, não sabia o que era ver a última coisa que restou dela perdida em um mundo como esse. Provavelmente morta em um mundo como esse. Quando me dei conta, minha mão estava repousada sobre a dele. Ao invés de sentir calafrios ou borboletas no estômago, como garotas costumam se sentir ao segurar a mão de um rapaz bonito, eu apenas senti que aquilo era certo. Como se fôssemos um, e nos conhecêssemos tão bem a ponto de tornar aquilo comum.

“Eu sinto muito” – quis bater em mim mesma por dizer algo nem um pouco produtivo. Quis prosseguir, contar a ele sobre a minha história, estabelecer confiança. No entanto, muitas outras coisas estavam envolvidas no ato de contar a minha história, coisas que iam além da compreensão e que eu não estava permitida a contar.

“Por que você me salvou?” – ele perguntou, com os olhos fechados. Sua respiração se normalizara, mas ele ainda parecia apreensivo.

“Por que quando você permitiu que eu entrasse, eu não sabia se queria continuar vivendo sem ninguém para viver comigo. Eu percebi que eu ainda sou muito nova e que mereço viver, mesmo que sozinha. Eu sei que eu mesma não sou muito a se oferecer, mas eu posso estar aqui pra você, caso queira. Você também merece viver e nós não precisamos lidar com tudo sozinhos” – Carl puxou sua mão da minha, o que me frustrou. Não sei o que eu estava esperando, talvez que ele a apertasse ainda mais, e vê-lo se retrair novamente me deixou decepcionada.

Um walker apareceu subitamente, embora estivesse longe o bastante para que pudéssemos nos preparar e perto o suficiente para que pudéssemos notá-lo. Ele se arrastava, uma das pernas estava fraturada, o que o tornava ainda mais lento. Carl levantou-se, pegou sua arma do coldre com uma naturalidade anormal e preparou sua mira. O walker aproximava-se ao sentir o cheiro dele, querendo despedaçá-lo. Carl apenas o torturava, trazendo-o cada vez mais para perto de si, deixando-me preocupada com um possível suicídio; mantive meu machado firme em mãos. Finalmente, quando o walker estava prestes a mordê-lo, Carl apertou o gatilho, e o som do tiro voou pela paisagem quieta. Ele parecia nervoso, porém feliz. O walker tombou imediatamente, e eu me levantei – se não partíssemos agora, teríamos de lidar com uma horda que acabara de ouvir o tiro.

“Eu venci” – ele sussurrou para o corpo oficialmente sem vida do pobre isso. – “Eu venci” – ele repetiu, para tornar aquilo tudo mais apalpável, mais certo. – “Vamos” – ele se voltou para mim, permitindo que eu pudesse vê-lo sorrir.

O sorriso de Carl era branco e sincero. Eu tentei registrar aquele momento, gravá-lo na parte mais segura de meu cérebro, por puro medo de nunca mais presenciá-lo novamente. Contudo, ele rapidamente o desfez, assumindo uma posição de liderança em relação a mim, seguindo de volta para nossa casa temporária, sem olhar para trás.

O Carl retraído e arrogante ainda estava dentro dele, porém senti que ele não se manifestaria com tanta frequência para mim.

Todos têm traumas, Blair. Não julgue ninguém se não puder entendê-los. Meu pai, de fato, era um homem muito sábio. A partir daquele momento, propus a mim mesma o desafio de entender a Carl, porque ele merecia essa chance. Merecia um amigo, e eu merecia alguém para me acompanhar durante a minha breve, talvez longa, vida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Será que essa amizade vai rolar? hm