Another Life escrita por MsNise


Capítulo 12
Superando


Notas iniciais do capítulo

It's Friday, Friday
Gotta get down on friday
Everybody's lookin' forward to the weekend, weekend!!!!!
Brincadeiras à parte sobre ser sexta, mas eu estava ansiosa para ver os meus lindos leitores! Essa semana eu caprichei com um big capítulo, porque os meus estudos me inspiraram (?)
Anyway, ouçam essa música enquanto leem o capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=akdAvg8SO1A
Espero que gostem e boa leitura :*



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Kyle foi extremamente gentil comigo a partir do fim da semana de teste, me ajudando a superar todos os meus obstáculos de forma atenciosa. Ele não era mais indiferente e não se esforçava para ficar em silêncio. Pelo contrário, incentivava diálogos longos e reveladores, nos quais ele falava na maior parte do tempo e mesmo assim me ajudava. Questionava-me coisas que queria saber sobre mim, para nos conhecermos melhor.

Agora, eu não precisava superar as lembranças sozinha; ele me ajudava. Não precisava me esforçar para não chorar; ele me ajudava. Não precisava ficar com medo de tropeçar; ele me ajudava. Kyle estava pronto, sempre com a mão estendida, a boca aberta ou com os braços ao meu redor. Ele estava sendo tão gentil que nem mesmo parecia ele.

Havíamos nos tornado cúmplices, tentando nos ajudar sempre que conseguíssemos. Uma relação mútua e verdadeira entre dois irmãos.

Por volta da terceira semana que estávamos na floresta, encontramos uma cachoeira pequena onde poderíamos nos banhar. Daquela vez, eu compartilhava o sentimento de satisfação de Kyle, pois me sentia imunda e pesada. Até mesmo ergui os cantos dos lábios; sem mostrar os dentes.

As duas semanas seguintes ao meu teste foram praticamente insuportáveis. Embora eu treinasse para ser mais forte e tivesse ajuda, a realidade de encontrar Jamie se tornava cada vez mais distante. No começo da jornada, acreditava cegamente que o encontraria logo no início e mataria o meu sofrimento.

Estava enganada.

Os dias se passavam arrastados e eu sofria como nunca havia sofrido em minha vida. Era a luta constante a que eu seria submetida. Tinham dias que eu não acordava disposta e tinha vontade de me deitar em um lugar qualquer e esperar pela morte. Nesses momentos, Kyle se ajoelhava ao meu lado e me dizia que Jamie me esperava em algum lugar, sofrendo tanto quanto eu. E então eu me levantava com aquela ideia: Jamie está sofrendo em algum lugar, preciso resgatá-lo.

O meu combustível. Apesar disso, continuavam sendo os dias mais longos de minha vida. Busca sem resultado era completamente exaustivo.

Percebi que Kyle me fitava insistentemente enquanto eu analisava a água corrente que logo encontraria a minha pele e me limparia. Lavaria a minha alma. Quase fechei os olhos de forma satisfeita, se não estivesse tão incomodada com um par de olhos azuis me esquadrinhando.

— O que foi? — perguntei, encolhendo-me.

Ele balançou a cabeça, franzindo o cenho por causa do sol que estava em seu rosto já bronzeado.

— Estava me lembrando do dia que nós encontramos aquela cachoeira — ele deu de ombros.

— Três semanas atrás — murmurei, meio hipnotizada. — O início da minha semana.

— Você lembra por que?

Como eu me esqueceria? Tinha saído correndo de dentro da água por causa de minhas lembranças de Jamie me ensinando a boiar e por ter conseguido fazê-lo sozinha. Kyle achou que eu não tinha sustento o suficiente para continuar nessa aventura. Engoli em seco.

— Não tem como esquecer, Kyle — balbuciei, desviando o olhar.

— Claro que não — ele riu um pouquinho, suspirando em seguida. — Sabe, eu estou morrendo de vontade de deixar o resto das buscas para amanhã e de ficar aqui, aproveitando essa água e tudo o mais…

Era um convite claro para nos “divertirmos” e aproveitarmos um pouco um momento de ócio, sem cansativas horas de caminhada sobre galhos pontudos e com surpresas de bichos indesejáveis como cobras e aranhas. Tentador.

E, diabos, inevitável.

— Por que não? — murmurei desanimada e soltei a minha mochila de meus ombros, deixando-a no chão.

Kyle respirou fundo, largando as suas mochilas também e se espreguiçando demoradamente, parecendo aliviado por aquelas horas de descanso. Ele sorriu um pouquinho e me olhou com o canto dos olhos.

— O que acha de aproveitarmos essa água? — ele questionou, inclinando a cabeça para a cachoeira.

— Bem…

Mas não deu tempo de eu concluir. Quando percebi, Kyle já estava dentro da cachoeira, com as mesmas roupas que usava ainda. Ele estava radiante — provavelmente tentando me transmitir um pouco de sua animação —, com os braços abertos em um convite irrecusável: ir aproveitar aquele lugar com ele.

— Está uma delícia essa água — ele comentou, mergulhando para molhar seu cabelo.

Suspirei, desistindo de relutar. Agachei-me e comecei a tirar o tênis para avançar o curto espaço que nos separava. Contudo, meus músculos se paralisaram quando eu me lembrei da última vez. Os flashes voltaram, fortes, me cegando, enquanto eu me recordava daquele momento perfeito com Jamie. O Jamie que eu não tinha mais.

Sentei-me no chão para não cair. Estava tonta, as lembranças me deixando nauseada, instável. Minha respiração falhou, meu corpo ficou trêmulo e eu… perdi o meu sustento. A minha barreira. Estava mais uma vez próxima demais àquela lembrança, que brilhava nitidamente em minha mente.

Ouvi os passos de Kyle se aproximarem de mim e sua mão molhada tocou o meu ombro. Isso, pela primeira vez, não me confortou. Ele encostou sua testa na minha, para firmar a minha cabeça. Segurei as lágrimas; isso eu posso fazer, isso eu posso fazer. Aquilo eu podia fazer e, mesmo assim, parecia impossível.

— Venha — ele cochichou, tentando me ajudar a levantar.

— Não — protestei com a voz fraca, amolecendo o meu corpo para que ele não conseguisse me ajudar a levantar. — Não posso.

— Pode — ele falou rudemente, tentando manter o meu olhar firme no dele, sem obter sucesso. — Deve. E vai.

Foi então que ele passou o seu braço por baixo de minhas pernas e me levantou como se eu fosse extremamente leve. E eu devia ser. Comendo precariamente por tantos dias eu devo ter emagrecido significativamente. E isso foi uma vantagem para Kyle novamente, que mantinha a sua forma de modo impecável.

— Não vou conseguir — murmurei fracamente, com a respiração precária.

— Você vai conseguir sim, Susan Foster — ele sentenciou, usando o meu sobrenome “verdadeiro” provavelmente para me irritar e me deixar mais forte, sem obter sucesso algum.

Ele começou a andar, me conduzindo até a pequena cachoeira. Seu corpo começou a mergulhar na água e eu fechei meus olhos para não ver e não sentir. Eu não podia sentir. Não podia… E então a água encontrou a minha pele quente, engolindo-me tão rapidamente que foi apavorante. Sufocante.

Minha respiração acelerou mais ainda e eu encontrei forças para apertar o ombro de Kyle, comunicando-o que aquilo não me fazia bem. Visivelmente fui ignorada, pois meu corpo continuou mergulhando e mergulhando cada vez mais, a água lavando todos os lugares de meu corpo até a minha alma.

— Susan — ele murmurou, parecendo estar muito longe de mim. — Eu preciso que você abra seus olhos.

Imediatamente, não foi possível. Juro que lutei para piscar as minhas pálpebras e foi como se eu não controlasse o meu próprio corpo. E então eu respirei bem fundo e tentei novamente, obtendo sucesso daquela vez.

A primeira coisa que eu vi foi a face de Kyle bem perto da minha, contra uma luz forte. Várias árvores apareceram em um ângulo bem estranho também. E eu continuava na água. Deitada sobre a água, com um par de mãos me apoiando.

A lembrança.

— Seja engolida — Kyle sussurrou.

E eu realmente fui.

Duas mãos apoiavam o meu corpo e o queimavam lentamente. Entrando em combustão, seria a palavra certa. Mas havia o contraste do fogo; a água fria, que envolvia uma boa parte de meu corpo.

Você precisa se concentrar — uma voz rouca e confortante ordenou de uma forma muito suave e delicada.

Ri, divertindo-me com suas palavras ingênuas.

Eu não acho que seja possível — sussurrei hipnotizada, abrindo meus olhos e encontrando um par de chocolates derretidos me encarando.

Voltei à realidade com um baque, percebendo que não havia Jamie nenhum me segurando. E que o par de olhos que me encaravam eram azuis. Meu coração acelerou de decepção e lágrimas passaram a escorrer muito rapidamente por meus olhos, embaçando a minha visão.

De repente, eu estava desesperada.

— Eu não posso — murmurei, debatendo-me contra os braços firmes de Kyle. — Eu não consigo aguentar, Kyle — disse quase sem fôlego, elevando o tom de minha voz. Continuei repetindo que eu não podia de forma cada vez mais sufocada. Minha voz aumentava gradativamente, até que se transformou em gritos de pura agonia. Eu não conseguia aguentar. Era impossível.

Era a lembrança que me descontrolava. Eu não podia sentir Jamie tão próximo de mim se não tivesse total certeza que ele voltaria para minha vida. Era como uma faca sendo lentamente infiltrada dentro de meu coração. Sangrava por dentro, sendo corroída e consumida por aquela terrível morte que me mantinha viva.

Não queria me lembrar.

— Você pode — Kyle disse em meu ouvido, imobilizando-me. Sua voz era rasgada. — Você precisa se livrar disso, Susan. Seja engolida pela lembrança. Deixe a lembrança te engolir.

Continuei lutando inutilmente, afastando a lembrança. Não, eu gritava em minha mente que se recusava a me dar atenção. Lutei muito para conseguir manter as lembranças longe. Estava conseguindo, estava as afastando. Afastando Jamie, seu rosto delicado e sorridente. Afastando um par de olhos castanhos derretidos, uma mecha de cabelo rebelde e o sorriso mais radiante e verdadeiro do mundo…

Foi quando eu percebi que não podia mais me afastar. Não podia mais afastá-lo. Soava errado. E então, sem conseguir impedir, eu fui engolida novamente.

Você não pode ficar se desconcentrando — ele riu, tentando apoiar mais uma vez meu corpo para eu boiar.

É impossível se concentrar, Stryder — disse, revirando os meus olhos. — Eu não vou aprender a boiar, ok?

Não custa nada tentar te ensinar — ele replicou, fazendo um lindo biquinho. Em seguida, suspirou. — Não tem sensação melhor que se deitar sobre a água.

Tem sim, pensei maliciosamente. Um sorriso escapou em meu rosto, contrastando com a última frase reflexiva que ele tinha dito.

O que foi? — ele perguntou, acompanhando o meu sorriso e fazendo-me derreter junto com os seus olhos.

Nada — balancei minha cabeça, fechando meus olhos. — Gostei do seu jeito pensativo — dei de ombros, mas não era apenas isso. Eu não gostava simplesmente de “seu jeito pensativo”. Gostava também de suas mãos segurando as minhas, de seu sorriso enorme, de seus olhos castanhos derretidos, de sua voz que era uma melodia agradável para meus ouvidos, de suas perguntas, de sua insistência, de suas melhores qualidades, de seus maiores defeitos. Gostava dele; simples assim.

A realidade voltou para minha percepção novamente, quando senti que as mãos que me seguravam eram mais rudes. Daquela vez, porém, eu não sentia mais a terrível necessidade de lutar. Estava entorpecida, exausta e me deixei ser apoiada por Kyle, que me carregou até a margem da cachoeira e fez-me deitar em terra firme, agora definitivamente afastada da lembrança.

— Por que fez isso, Kyle? — perguntei, ainda ser ar. Meus olhos lutavam para ficar abertos. — É tão… cansativo.

— Não é somente cansativo — ele completou, desviando o olhar. — É dolorido também.

— E por que quis que eu sentisse essa dor? — repliquei, piscando pesadamente.

Ele suspirou baixinho e ficou um tempo em silêncio, refletindo sobre o assunto tratado. Parecia algo cruel fazer o outro sentir dor.

— Porque é uma dor que te faz feliz, pelo menos por alguns segundos — ele explicou, parecendo exausto também. Seus olhos se fecharam. — Você sabe há quanto tempo eu não te via sorrir de verdadeira felicidade?

Franzi meu cenho.

— Eu sorri? — questionei, incerta da resposta que receberia.

Kyle abriu seus olhos e, quando eu os olhei, estavam um pouco mais brilhantes que o normal.

— Da forma mais linda do mundo — ele parecia encantado. Ouvi um suspiro fraco. — Eu quero te ver sorrir mais vezes, Susi.

— Mas isso me machuca.

— Não — ele disse, pegando em minha mão. — Não machuca. Ajuda. Você precisa se deixar ser engolida por suas lembranças para superá-las.

— Eu superei essa?

Ele assentiu.

— Como já devia ter superado há muito tempo.

Não consegui crer em suas palavras ditas com carinho. Eu não havia superado aquela lembrança. Ela ainda fazia o meu mundo girar, o meu corpo tremer e meus olhos se encherem de lágrimas. Era impossível superá-la, fazer dela algo bom.

Eu não havia conseguido.

— Kyle, não dá — protestei. — É uma ilusão sua. Essas lembranças são insuperáveis, elas nunca deixarão de me derrubar…

Ele balançou a cabeça freneticamente.

— Eu sei sobre o que estou falando — ele esclareceu, apertando em minha mão que ele segurava. Sustentei seu olhar preocupado. — Porque eu também já passei por isso. A minha mãe me deixou e eu continuei morando na mesma casa. Eu tinha acesso ao seu quarto, suas coisas e sentia o seu cheiro o tempo todo. Ela estava lá comigo, mas não estava literalmente, entende? Pensava que desabaria a cada lembrança também.

Não tive o que dizer. Esperei que ele continuasse.

— Ela se foi. E eu ainda estava com ela e tinha que ajudar Ian, que foi abandonado por uma outra garota nesse meio tempo… Nós dois desabávamos frequentemente, sem conseguirmos aguentar. E então eu aprendi. Passei a acolher as lembranças repetidamente, até que elas se tornassem meros detalhes em minha vida. Superei-as, uma a uma, lentamente. Ergui essa casca sobre mim, Susan. E depois… depois ainda tive que me sustentar para poder sustentar Ian em nossa fuga. Aprendi a sobreviver.

Meus olhos estavam estreitos e cheios de lágrimas apenas de dimensionar o sofrimento que meus dois irmãos passaram. Parecia dolorido demais ter que aprender a sobreviver sozinho.

— Eu não quero sobreviver. Estou cansada disso — reclamei com a voz embargada, provavelmente tendo a minha atitude mais fraca desde que entramos naquela floresta. Estava admitindo que não era forte suficiente para sobreviver. — Eu preciso viver, Kyle. Preciso sentir a vida.

Ele suspirou.

— As lembranças não te trazem novamente para a vida?

— Na verdade, eu acho que elas me matam um pouquinho mais.

A dor em seus olhos era tão profunda que me afetou. Ele parecia sofrer de um jeito impossível, de uma maneira que ele nunca demonstraria em uma situação normal. Preocupação, era esse o nome do que ele estava sentindo. E saudade. Sua casca e sua postura foram abandonadas por alguns segundos, enquanto ele me olhava com o cenho franzido. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.

— Com elas… — ele murmurou. — Você volta para a vida. Aos poucos. Sem perceber. Quando elas deixarem de ser doloridas e extraordinárias, você vai perceber o quanto estará mais forte.

— E fria — completei, sem ressentimento algum de talvez feri-lo.

Ele se interrompeu com uma lufada demorada de ar.

— Não se preocupe — ele desviou o olhar. — Jamie esquentará seu coração empedrado. Mas enquanto houver a ausência, a frieza será a única opção.

Talvez realmente fosse. Contudo, temi voltar a ser aquela garota impositora que todos detestavam. Temi voltar a ficar com o olhar duro e insensível. Temi parar de sentir; porque a frieza não somente leva a tristeza, assim como leva a felicidade. E se eu me tornasse incapaz de me afetar com os olhos derretidos de Jamie?

— Eu sei que você está preocupada com parar de sentir — Kyle murmurou, parecendo ter lido os meus pensamentos. Ele me lançou um sorriso vazio. — É temporário. Quando você encontrar Jamie… felicidade, tristeza, emoção, todas essas coisas retornarão para você com uma rapidez assustadora.

— Por que você acha isso? — perguntei, com o cenho franzido.

— Eu não acho — ele suspirou, ainda parecendo fraco demais. — Tenho certeza — ele fez uma longa pausa sem me olhar, com os pensamentos distantes. — Foi assim quando eu encontrei Sunny.

— Ela nem mesmo era a sua Jodi — protestei.

— Não, ela não era — ele confirmou, parecendo feliz com a lembrança que povoou sua mente. Quando me olhou, a dor não era mais sua. Postura, casca e satisfação retornaram para ele rapidamente. De forma assustadora. — Ela não era a minha Jodi, mas não deixava de ser uma parte extremamente importante minha. A vida retornou para o meu corpo depois que eu encontrei Sunny. Porque era exatamente ela quem eu estava buscando.

Ele nunca tinha falado sobre Sunny comigo daquela maneira tão apaixonada. Foi estranho e, ao mesmo tempo, normal. Ele havia deixado de negar seus sentimentos e tudo o que antes ele recusava-se a sentir. Agora, a única coisa que importava era o seu amor por Sunny e seu retorno para ela.

Foi então que eu entendi por que ele disse que eu precisava superar as minhas lembranças, assim como ele havia feito. No instante em que se lembrou de Sunny — embora ela estivesse muito distante dele —, ele se renovou. Ele havia desabado completamente e um simples pensamento o fez arrumar sua postura, as lágrimas serem enxugadas de seus olhos e a sua casca envolvê-lo novamente.

Era isso que precisava acontecer. Toda vez que eu me lembrasse de Jamie, eu poderia respirar normalmente e até mesmo carregar algum brilho nos olhos. Precisava daquela casca, que não necessariamente precisava ser fria, mas que me protegeria de muitas coisas. Era necessário aprender a conviver com as lembranças e torná-las combustíveis de minha jornada, para eu me levantar com mais garra todas as manhãs e não desabar todas as noites que percebia que não havia encontrado Jamie.

— Eu entendi, Kyle — murmurei, tomando uma longa lufada de ar. — Preciso ir na água e aprender a recebê-la com os braços abertos. Como a melhor coisa do mundo.

E assim eu fui, sem nem mesmo esperar por sua resposta. Levantei-me com uma coragem que eu não sabia que existia dentro de mim, mas que estava lá o tempo todo. Mergulhei na cachoeira, o pavor tomando conta de mim mais uma vez. Era incapaz de respirar. Sabia que Kyle me olhava da margem, com a expectativa de que eu conseguiria. Eu precisava conseguir.

Ser engolida pela lembrança. Era o que eu precisava fazer. Ser engolida pela lembrança até que eu a superasse. Até que a água deixasse de ser o meu pavor constante. Relaxei os meus músculos e deixei que meus braços pousassem suavemente sobre a água. Minhas mãos tremiam apesar disso. E a minha respiração permanecia fraca.

Fechei meus olhos. Relaxei na água, sendo delicadamente carregada até a sua superfície. Boiando, novamente. Estava deitada sobre ela. Respiração acelerada, pulsação descontrolada. Flashes do rosto de Jamie carinhoso, gentil, irritado e atencioso surgiram em minha mente, fazendo-me oscilar. Contudo, eu não me permitiria vacilar.

Deixei que a lembrança se tornasse parte integrante de meu corpo e voltei para aquele lugar distante em que a vida era mais bela. Em que a vida era mais gentil comigo.

Embora eu estivesse com medo do que sentiria, entendi que estava seguindo pelo caminho certo. Assim como entendi o que Kyle desejava que eu sentisse. A perspectiva de ter aquilo novamente — os braços de Jamie ao meu redor, sua mão me tocando, ele me olhando — fez-me retornar à vida por alguns segundos. Foram poucos segundos.

Senti-me como se realmente estivesse naquele lugar, naquele tempo. Meus batimentos cardíacos eram fortes e eu respirava não apenas por obrigação. Era verdadeiro. Como se eu estivesse… vivendo. Se não estava vivendo, pelo menos sentia a vida.

A realidade retornou aos poucos, suavemente. Não sorri ao final da lembrança, como se tivesse conseguido superá-la. Simplesmente abri meus olhos e deixei de boiar, ficando apenas mergulhada na água. Sentia-me um pouco renovada, sonhando com o meu retorno para Jamie.

Não era a etapa completa. Não estava mais forte, como achei que estaria. Não sorri, como achei que faria. Respirar ainda era complicado. Mas eu sabia, pela maneira como me senti mais leve, que estava andando pelo caminho certo. Talvez tropeçando mais que o necessário, quem sabe não conseguindo me manter em pé com firmeza, contudo os meus passos seguiam pela direção certa.

— Não foi tão forte quanto eu achei que seria — comentei baixinho, ainda na água. — O meu retorno, quero dizer. Não tive vontade de sorrir e não consegui erguer a minha casca, assim como você fez quando se lembrou de Sunny.

Kyle suspirou.

— Não é tão fácil ou espontâneo quanto parece — ele murmurou, abraçando seus joelhos. — Requer tempo e treino. Mas não deixa de ser real.

Inspirei profundamente.

— Eu senti… Eu me senti um pouco mais leve — sussurrei tão baixo que desconfiei que Kyle pudesse não ter ouvido — Não como se todo o fardo tivesse sido tirado de minhas costas, nada disso. Talvez somente uma parte dele. Eu… não sei.

Ele balançou sua cabeça, analisando a situação.

— Pode ter sido apenas uma parte do fardo tirado das tuas costas, Susi — Kyle comentou. — Mas eu desconfio que não tenha sido. Foi você quem ficou mais forte e isso tornou todo o fardo menos pesado. Ele não saiu de você, você saiu dele.

Suspirei, descrente de suas palavras.

— Não me sinto mais forte — balbuciei. — Sinto muito por te desapontar.

Kyle não disse nada sobre o meu comentário porque sabia que era real. Não tinha argumentos para discutir. Em vez disso, ele encarou o vazio, talvez perdido em seus próprios pensamentos. E eu continuei dentro da água, me deixando ser lavada naturalmente. Mais tarde eu buscaria sabonete e gilete, contudo eu estava satisfeita por ora. Simplesmente pelo fato de eu poder tocar na água e não sentir um choque dolorido em meu corpo.

Não havia superado; longe disso. Talvez nunca pudesse superar. No entanto, uma parte minha estava com uma centelha de vida extremamente frágil. E foi exatamente nessa centelha que eu me prendi.

Era o único sustento que vinha diretamente de mim.


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Notas finais do capítulo

E entããããão? O que acharam? Eu amei o Kyle sendo super atencioso e ajudando a Susi, mas é a opinião de VOCÊS que realmente importa. Digam-me o que acharam!
Até a próxima sexta :*