Another Life escrita por MsNise


Capítulo 11
Aprendendo


Notas iniciais do capítulo

Sexta-feira significa um novo capítulo de Another Life!
E pra essa semana eu trouxe uma certa "semana" esperada nessa história pelos meus leitores hahahaha
Ansiosos para mais um trecho da jornada com o Kyle e com a Susi? :3
Leiam ouvindo: https://www.youtube.com/watch?v=FFnajsxYTME
E boa leitura :*



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O teste a que eu fui submetida durante uma semana não foi nada fácil. Embora eu realmente acreditasse que não teria recaídas em frente a Kyle novamente, aguentar a dor em silêncio foi mais difícil que eu imaginava. Era preciso respirar fundo, engolir em seco, controlar o tremor das mãos e mandar as lágrimas voltarem para seu lugar de origem.

Ele não me obrigava a sorrir ou a conversar. Muito menos me encarava severamente como acreditei que faria. Ele simplesmente me acompanhava ou, melhor dizendo, me conduzia. Às vezes reproduzia monólogos sobre coisas da caverna ou de uma época distante que eu não conhecia. Contudo, ficava em silêncio na maior parte do tempo, assim como eu.

Não fomos sortudos o suficiente para encontrarmos mais cachoeiras ou lagos pelo caminho, mas não foi feito nenhum comentário a respeito. Basicamente, não conversávamos.

As lembranças ainda me invadiam e me apavoravam silenciosamente. Não foi fácil chutá-las para longe ou recebê-las com um sorriso de boas vindas. Não foi possível fazer isso tão cedo quanto pensei que faria. Requeria tempo; muito tempo. Assim como eu precisaria de muita coragem.

Reconhecia que precisava aprender a me manter firme caso quisesse seguir em frente com minha jornada, mas todas as vezes que eu me deitava e percebia que mais um dia de buscas sem resultado tinha chegado ao fim eu chorava. Procurava fazê-lo o mais silenciosamente que eu conseguia, apesar de desconfiar que Kyle ouvisse tudo. Ele nunca comentou nada sobre o assunto.

As minhas olheiras aumentavam cada vez mais por causa de noites passadas em claro chorando. O meu couro cabeludo coçava por falta de lavagem. Sentia-me imunda e enfraquecida; e aquela era apenas a primeira semana.

Kyle, em contrapartida, não perdeu sua postura firme nem por um segundo depois de nossa conversa crucial. Marchava em minha frente com segurança enquanto eu tropegava para tentar alcançá-lo. Ele sabia que guardar meu sofrimento somente para mim deteriorava com minhas forças, contudo se manteve firme para dar o exemplo. Desconfiei que ele soubesse como ser um bom sobrevivente.

— Como você aguenta? — perguntei em uma tarde ensolarada que tínhamos nos sentado para descansar. Eu tomava o pouco de água que tinha direito e ofegava de cansaço e calor. Kyle estava sem camisa, seus músculos bem definidos se destacando em seu corpo. Uma barba por fazer começava a escurecer seu rosto.

— Aguenta o quê? — ele questionou com o cenho franzido, um pouco surpreso por eu ter me pronunciado.

Bem, eu já estava arrependida de ter falado mesmo. Suspirei.

— Nada não — murmurei.

— Agora diga — ele ordenou, ajeitando sua postura e esfregando sua mão no rosto suado. — Se começou, termine.

Balancei minha cabeça para relutar, no entanto isso seria a atitude de uma pessoa demasiadamente vulnerável. Não que eu não fosse, contudo fingir parecia um bom recurso. De algum modo me deixava mais “forte”. E, além de tudo, não queria que esse fato ficasse tão óbvio para Kyle.

— Você sabe — dei de ombros. — Não vi sua postura desabar uma única vez. Não ouvi reclamação nenhuma escapar de sua boca. Como você simplesmente… consegue?

Ele não sorriu, mas foi algo próximo disso. Não era feliz ou satisfeito. Era o sorriso cansado e preenchido com a tristeza de quem sabe das coisas.

— Tive que sobreviver muito nessa vida, Susi — ele fungou, bebendo um gole d'água. — Mas eu pensei que você também já tivesse sobrevivido muito.

Bufei.

— Eu tinha o apoio de nossa mãe; ela sobrevivia, eu vivia — dei de ombros. — E quando ela se foi… bem, eu estava com o espírito aventureira. E um mês depois encontrei você e Ian. Não foi tão difícil me manter forte, afinal eu tinha encontrado o que indiretamente buscava — fiz uma longa pausa, encarando o chão cheio de galhos e folhas. — Acho que me acomodei, sabe? Passei a acreditar muito na segurança e na eternidade da vida nas cavernas. Por isso que a perda de Jamie… — o nome passou rasgado por minha voz. Perdi o rumo por alguns segundos. Pensei que fosse chorar novamente. — Me afetou tanto — minha voz falhou. — Estava ridiculamente despreparada.

Kyle estendeu sua mão para mim de forma solidária. Apertei-a com a força que eu necessitava para segurar o choro. Durante toda a luta que se travou dentro de meu peito, eu o encarei. Para que soubesse que se fosse para eu chorar, choraria em sua frente. Mas, acima de tudo, para que soubesse que eu poderia suportar a dor com as garras de uma lutadora. Lutei para enviar as lágrimas novamente para seu lugar de origem; bem longe de meus olhos. Dessa vez, não!, ordenei silenciosamente para mim. Lutei até que conseguisse engolir o choro e afastar todos os seus resquícios de mim.

Foi difícil e cansativo, no entanto eu tinha chegado perto de parecer forte.

— Viu só — Kyle comentou, visto que eu tinha vencido a minha luta, ao menos naquele dia. — Você consegue — ele me lançou um sorriso de canto.

Fechei meus olhos, exausta. Aquela pequena luta havia feito eu me cansar como se tivesse corrido uma maratona em alta velocidade. Era a luta a que eu seria submetida durante muitos dias, até que encontrasse Jamie. Ou para sempre, se não o encontrasse. O pensamento me assustou o suficiente para meus músculos travarem e um tremor perpassar todo o meu corpo.

Senti uma mão acariciando os meus cabelos escuros e oleosos e quando abri meus olhos Kyle estava ajoelhado em minha frente, olhando-me com uma ternura que tinha se tornado desconhecida nessa semana.

— Você é forte — ele murmurou, olhando-me tão profundamente que suas palavras tocaram a minha alma. — Conseguiu uma vez; vai conseguir mais um milhão de vezes se for necessário. Você sabe que é capaz.

Engoli em seco, emocionada com suas palavras delicadas e atenciosas.

— Não posso chorar nem de felicidade ou algo próximo disso? — sussurrei insegura.

Kyle sorriu e foi o seu sorriso mais espontâneo desde que havíamos entrado naquela aventura.

— Somente quando encontrar seu Jamie — ele cochichou em meu ouvido, levantando-se e se espreguiçando.

Foi então que eu soube que ele também acreditava. Não era sua obrigação me acompanhar, não era um sacrifício ou só para me proteger. Ele também desejava que eu encontrasse Jamie e acreditava que eu o faria. Ele acreditava em mim e no poder de meu amor. E ele havia dito “seu Jamie”. Meu Jamie? Eu era tão sortuda ao ponto de ter o meu Jamie, de o Jamie ser só meu? Pensei que eu fosse capaz de pular no colo de meu irmão naquele momento.

Contudo, eu não o fiz. Como uma boa escoteira, levantei-me e voltei a segui-lo mata adentro, o silêncio caindo como uma manta pesada sobre nós mais uma vez. Ele não pronunciou mais nenhuma palavra, assim como eu. Apesar do desconforto e do medo de que nunca pudéssemos manter uma relação muito amigável, agradeci pelo silêncio. Desse modo, conseguiria pensar com mais clareza.

Eu tinha conseguido daquela vez. Embora durante dias tivesse segurado o choro durante a tarde, daquela vez tinha sido diferente. Talvez porque todas as outras vezes eu tenha “reservado” o choro para um momento durante a noite. Naquele dia, porém, eu tinha realmente chutado as lágrimas para longe de mim. Havia afogado-as e sabia que elas não voltariam para me atormentar mais tarde.

Não tinha tanta certeza quanto a outras lágrimas — as das lembranças, as dos meus medos —, mas aquelas que eu quis chorar minutos antes não voltariam para meus olhos. Elas tinham ido embora definitivamente. Para sempre.

Precisava fazer aquilo com mais frequência. Apertar a mão de Kyle, encará-lo nos olhos e mandar o choro ir embora. Alguma hora, desse modo, eu conseguiria fazer isso sozinha. Praticando e aprendendo a lutar, eu conseguiria vencer.

Foi uma chama fraca e vacilante que se acendeu em meu peito. Minha postura não se ajeitou, meus olhos não deixaram de olhar para o chão onde eu pisava. Minha respiração não se tornou mais natural, meu coração não voltou a bater em seu ritmo normal. Eu continuava sendo Susan O'Shea, a garota machucada pela perda de Jamie Stryder, o menino por quem se apaixonou perdidamente. Eu continuava sendo Susan O'Shea, a garota que se vivesse em um mundo humano provavelmente gostaria de adotar Stryder ao seu sobrenome em nome do grande amor que sentia em seu peito.

Ainda sentia medo, muito medo, de tudo o que encontraria em minha frente. Dos animais, de meus próprios monstros, dos fantasmas. Das lembranças. No entanto, havia um tantinho de força dentro de mim, a qual eu roubava das palavras e atitudes de Kyle. A minha fonte de força.

Escureceu e não tínhamos encontrado nenhuma cachoeira ou lago para satisfazer nossas necessidades. Kyle fez uma fogueira enquanto eu arrumava os nossos sacos de dormir com tranquilidade. Provavelmente não era muito tarde, contudo eu sabia que nossa hora de sono já estava próxima.

Tínhamos um pacote de marshmallow, o qual seria a nossa janta naquele dia. Sentamo-nos ao redor da fogueira e tratamos de nos alimentar sem afobação, afinal tínhamos que economizar comida para todos os dias. Suspirei baixinho quando fui me deitar, com medo de que mais um dia de buscas sem resultado me fizesse chorar.

— Susi — Kyle me chamou, a voz sobressaindo os estalos da fogueira.

— Sim — murmurei, surpresa por ele ter dirigido sua palavra a mim novamente.

Ele fez uma pausa dramática tão longa que pensei que tivesse desistido de falar.

— Você conseguiu — foram as duas únicas palavras que ele disse.

Franzi meu cenho, incerta sobre o que ele quis dizer.

— Hoje de tarde? Sobre aguentar sem chorar?

Ele fungou.

— Não — ele expirou. — A semana. Você conseguiu vencer essa semana.

A semana. A minha semana chegou ao fim. O meu teste. Eu o suportei sem chorar em frente a Kyle. Eu consegui ser forte o suficiente, sem desabar em frente a meu irmão.

E eu estava satisfeita com isso?

Visto que eu não tinha dito mais nada, ele prosseguiu:

— Você tem duas opções: ou nós prosseguimos, sem volta. Vamos até o fim de nossa longa jornada. Ou… bem, ou nós voltamos. E você desiste.

“E você desiste”. Aquela frase tinha a conotação tão forte e humilhante que não houve nenhuma incerteza em minha decisão. E não houve incerteza também em sua fala. Como se uma semana atrás ele duvidasse de minha capacidade de ser uma lutadora e agora ele simplesmente confiasse cegamente em mim. Confiasse o bastante para me desafiar dizendo: “e você desiste”.

— Não vou desistir — falei, com a frase de uma lutadora e a entonação de uma fracassada.

Não podia me permitir ser fracassada e desistir de uma causa nobre. Aquela não era eu, Susan O'Shea, criada por Sandra O'Shea, a mulher mais forte que eu já havia conhecido.

— Até amanhã, então — Kyle disse em um tom satisfeito, como se estivesse… orgulhoso de mim.

Suspirei, uma dúvida inesperada surgindo em minha mente. Uma dúvida que estranhamente precisava ser sanada.

— Kyle — chamei e logo prossegui, sem esperar um retorno. — Qual era o sobrenome do pai de você e de Ian?

Ele não respondeu imediatamente, fazendo-me desconfiar que havia mexido em um ponto fraco seu.

— Chapman — ele balbuciou.

— E por que você e Ian utilizam o O'Shea? Vocês não teriam que ter assumido o Chapman?

Ele suspirou, lançando uma explicação.

— Depois que fugimos adotamos o O'Shea, mas em nossas certidões de nascimento está registrado Chapman.

— Por que vocês adotaram o sobrenome de Sandra depois que fugiram? Pensei que a odiassem por ela ter abandonado vocês.

Kyle riu fraquinho.

— Adotamos justamente pela nossa postura de fugitivos. Ela era O'Shea, uma fugitiva. Nós também éramos.

Nunca poderia imaginar essa explicação, apesar de ela fazer total sentido. Aquiesci lentamente.

— E você? Qual era o sobrenome e o nome de seu pai? — ele questionou, tendo a sua brecha.

— Patch Foster — disse sem vacilar.

— Então seu sobrenome deveria ser Foster.

— Eu odeio Foster — franzi meu cenho.

Vi Kyle se ajeitar em seu saco de dormir, passando a encarar o céu.

— É, eu também.

Não consegui descobrir se ele simplesmente não gostava por causa da forma que soava ou se era pelo fato de que Foster engravidou nossa mãe e depois a abandonou. Contudo, fiquei confortada por suas poucas palavras em concordância comigo. Suspirei no escuro.

O estalar da fogueira novamente ganhou destaque.

Foi assim que a minha semana chegou ao fim. Uma semana de lutas perdidas e outras ganhadas como aprendizagem. Uma semana de medo insuportável, de silêncio pesado e de lágrimas contidas. A minha semana de teste, que terminava mais um dia com lágrimas ásperas escorrendo por minha face com a realidade da perda.

Contudo, eu sentia em minhas células a importância do fim dessa semana. Agora, definitivamente, eu entrava nessa aventura. Dessa vez sem volta.

O medo me assolou enquanto eu percebia que a minha aventura de dores estava simplesmente no seu início. Eu iria vencê-la, não é? Tinha uma torcida grande esperando por isso. Era necessário satisfazer minha torcida. Era crucial.

Era crucial.


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Notas finais do capítulo

E entãããããão? O que acharam hosters?
Tentei mostrar bem como foi essa looooonga semana para os dois, mas ainda tem bastante coisa para acontecer. Coloquei alguns diálogos diferentes ali no final para dar um ar mais natural para a história. Espero que eles não tenham ficado deslocados demais.
Digam-me suas opiniões leitores que eu tanto amo hahahahah
Até sexta que vem :*