A Lenda do Lobisomem escrita por Leonardo Alves, Gabriel S


Capítulo 1
Capítulo Único




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Sob um céu escuro e uma enorme lua cheia que iluminava a noite, estava uma pequena casa e, dentro dela, uma família humilde. Ali, onde o chão de terra jamais havia sido tocado por outra luz senão a do sol e da lua; onde os dias eram tão quentes que podiam fritar o pé de quem andasse descalço, e as noites frias e tão escuras que o número de estrelas era incontável, é que eles viviam. A pequena casa era feita de uma combinação de barro e madeira, e tudo o que podia ser visto ao seu redor era verde. Estava completamente isolada: a moradia humana mais próxima se encontrava a vários quilômetros dali.

Dentro da casinha, uma lamparina envolta em teia de aranha tremia no canto do imóvel composto de apenas um cômodo com várias espécies de besouro voando ao redor de sua luz. A leve claridade desenhava três enormes sombras na parede de barro. Abaixo de um quadro antigo de Jesus, uma mãe ninava sua filha no colo enquanto o pai as observava com um sorriso no rosto.

O momento de tranquilidade durou apenas alguns segundos, até que um uivo cortou a noite e sobressaltou a família. O homem se agachou junto à parede e olhou por um buraco que havia nela. Só conseguiu ver o mato balançando ao sabor do vento forte que corria lá fora, mas continuou atento. De perto dali veio o som de grama sendo pisada. Algo se aproximando? Ou talvez alguém?!

De repente, dois cachorros surgiram no seu campo de visão. Pareciam brigar por algum pedaço de carne e então começaram a rosnar e latir um para o outro. O chefe da família suspirou aliviado. Naquele lugar simples, diferente das grandes cidades, as pessoas ainda encaravam muitas das lendas com indiscutível seriedade. O homem se pôs de pé e voltou-se para sua mulher, que o olhava com uma expressão assustada e apertava o bebê contra o peito em um abraço protetor. Ele forçou um sorriso e balançou a cabeça negativamente em um gesto tranquilizador.

— Já tá na hora das minhas duas rainhas deitarem pra descansar — a voz masculina surgiu, ainda um pouco falha por causa da adrenalina que corria no sangue.

— Descanso… Eu nem sei mais o que é isso. Essa danadinha não parou quieta hoje, ficou chorando o dia todo. E desde que ela nasceu que eu não durmo uma noite inteira sem acordar — falou a mulher em um tom baixo para não acordar o bebê, mais como um desabafo do que como uma reclamação de verdade. Em resposta, recebeu um beijo na testa e um sorriso caloroso do seu marido.

Eles eram um casal jovem, mas ela já conseguia notar as marcas de cansaço e desgaste que começavam a surgir no rosto do seu amado por conta das longas horas de trabalho pesado. Ainda assim, mantinha a mesma expressão gentil pela qual ela tinha se apaixonado. Sorriu de volta para ele e tornou a olhar para a menina, contemplando-a.

— Mas com uma mãe tão atenciosa e esforçada dessas, é certo que vai virar uma boa moça pra dar orgulhos pros pais — disse ele, também observando aquele ser que carregava uma aura de inocência que só aqueles que ainda não conheciam o mundo podiam ter.

A menina dormia levemente com um pequeno sorriso em suas feições delicadas, como se estivesse ouvindo a conversa dos adultos. Estava enrolada em uma manta vermelha que a própria mãe havia tricotado para ela poucos dias antes e, em um gesto inconsciente, seus dedos esfregavam vagarosamente o macio tecido de lã.

Foi com essa imagem em mente que os pais apagaram o lampião e se ajeitaram para dormir, o bebê em um berço improvisado que ficava do lado da cama, bem próximo à mãe. Assim, cheios de esperanças sobre a nova vida que estava apenas começando para eles, se deixaram levar para o mundo dos sonhos sob o teto daquela casa precária.

Naquela madrugada, bem como em todas as outras depois de ser mãe, a moça despertou. Normalmente acordava com o choro da filha, o choro de quando ela sentia fome. Daquela vez a menina não havia chorado, no entanto o costume de fazer isso tantas vezes aproximadamente no mesmo horário foi suficiente para tirar a mãe de seu sono. Talvez fosse melhor continuar dormindo aquele dia, pois a cena que presenciou foi aterrorizante e seria a sua segunda pior memória.

Bem ao seu lado, em meio às sombras, uma sombra ainda maior repousava na escuridão. Dela vinha o som de uma respiração rápida como a de um animal. À medida que seus olhos se acostumavam à escuridão, a monstruosa criatura parecia crescer mais e mais. Por um breve momento, um facho de luz vindo da lua invadiu a casa através uma brecha no telhado e iluminou aquele ser horripilante. A claridade então revelou dois raivosos globos oculares em brasa. Sua íris era de um castanho beirando o vermelho. A esclera mostrava-se completamente irritada, quase que em carne viva. Ele inclinou a cabeça um pouco para frente e a luz percorreu seu focinho. Sua boca mal podia comportar os enormes dentes afiados que escapavam da mesma e uma saliva gosmenta escorria lentamente por ela.

A moça havia crescido ouvindo uma lenda. Quando criança, depois de seu avô ter lhe contado sobre a lenda do lobisomem, passou muitas noites sem conseguir dormir direito, apavorada enquanto lembrava aquela história. Agora ela não conseguia pensar em outra coisa enquanto a lenda viva se materializava bem ao seu lado, perto de sua filha.

Sua filha! Quando finalmente pensou no seu pequeno bebê ao lado da cama é que teve coragem para se mexer. Sem levantar da cama avançou em direção ao berço improvisado onde ficava a filha e foi surpreendida ao ver que ela se encontrava envolta nas escuras e enormes mãos do monstro à sua frente. Em uma tentativa desesperada de recuperar seu bebê, foi pra cima do lobisomem, abriu a boca e antes que pudesse emitir o grito formado em sua garganta, foi golpeada pela pata do monstro que veio acompanhada de um grunhido feroz.

Caiu desacordada na cama exatamente no mesmo local onde havia adormecido pela primeira vez naquela noite, mas agora com parte do crânio exposto.

Aos poucos, um sentimento inquietante de urgência foi despertando a jovem mulher até que todas as memórias daquela madrugada voltaram de uma vez com a intensidade de um soco no rosto. Levantou sobressaltada e olhou à sua volta. O sol já havia despontado e se infiltrava pelas várias frestas que existiam na estrutura da casa. Nenhuma figura negra e apavorante.

Por um segundo de alívio pensou que tudo não havia passado de um pesadelo, mas logo se deu conta da dor que latejava na lateral de sua cabeça. Com lágrimas já começando a descer copiosamente por seu rosto, levou as mãos trêmulas para o local e sentiu, horrorizada, a textura lisa e pegajosa do ferimento que possuía. Virou rapidamente e olhou para o berço. Vazio.

— Não! — soltou num gemido de pura mágoa e aflição que vinha diretamente da alma. Segurou firme nas bordas do berço e o chacoalhou de olhos arregalados como se estivesse querendo espantar uma miragem. No entanto, aquilo era apenas a realidade. Voltou-se para o marido que dormia profundamente do outro lado da cama e o segurou furiosamente nos braços.

— Acorda! Levaram nosso bebê. Acorda! Por que você não acordou antes?! — gritava entre a tristeza e a raiva, até que por um mágico momento o mundo todo se calou em silêncio. E então, um grito de puro horror irrompeu de dentro da humilde casa e se propagou por vários metros longe dali. Entre os dentes do marido adormecido, a mulher vislumbrou pequenos fiapos de uma manta vermelha.


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Notas finais do capítulo

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