Filhos da Guerra escrita por Nathalia Monteiro


Capítulo 2
Capitulo 2: Minha insanidade começa quando eu pego o telefone


Notas iniciais do capítulo

Espero que agrade.



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Colin me olhava com um meio sorriso, os olhos avermelhados pareciam queimar minha pele e institivamente dei um passo para trás. Eu sabia que tinha estragado tudo, ele sabia o que eu era! Mordi o lábio para me impedir de falar mais coisas para terminar de destruir minha vida, Colin já sabia muito, muito mais do que devia sobre ela.

Dei as costas para ele e caminhei até a cozinha como se tivesse duas torres de gelatina no lugar das pernas. Eu poderia ser mais burra? Claro que não! Eu devia ter rido quando ele me chamou de filha da guerra ou simplesmente saído andando, mas não, a super inteligente Liz não faria isso. Eu precisava me entregar de bandeja.

Entrei na cozinha batendo a porta e fazendo Bob dar um pulo com o susto. Ele virou-se e me avaliou por um momento, seus pensamentos eram um turbilhão de coisas sobre a lanchonete, a neve, seu gato que ficou sozinho, se ele deixará comida ou não para o bichano e, claro, o quando eu andava estranha nos últimos meses. Forcei um sorriso só para quebrar o clima pesado enquanto pegava a cafeteira lutando para ela não escorregar nas mãos soadas.

Enquanto voltava a lanchonete parei na porta da cozinha e observei Colin á distância, ele tinha se livrado do sobretudo revelando uma regata preta apesar de a neve caia lá fora e, por mais que eu queira negar, braços fortes e levemente bronzeados. Respirei fundo e caminhei ate sua mesa como a maior confiança que consegui fingir, o que chegava mais ou menos ao nível de gato assustado.

Colin me observou enquanto colocava a xicara sobre a mesa e depois servia o café lutando para não derrama-lo. Ele segurou meu pulso quando me virei para voltar ao balcão e durante aqueles poucos segundos que nossas peles se encontraram foi como se eu tivesse larva correndo pelas veias.

–Eles já levaram alguém que conhecia?-Ele perguntou com a voz suave.

Aquela pergunta trouxe de volta uma lembrança que eu havia banido para o canto mais remoto da minha consciência. Eu tinha seis anos de novo e estava olhando impotente enquanto dois soldados da Quinta Legião levavam consigo um garoto pouco mais velho que eu. Ele se debatia e gritava pela mãe enquanto todos em volta olhavam sem se manifestar.

Os gritos daquele garoto assombraram meus sonhos durante muito tempo depois disso.

–Não. –Menti me livrando do toque indesejado. –Eles nunca levaram ninguém.

–Bom, de mim eles levaram. – Colin tirou uma nota de dois dólares e jogou em cima da mesa junto com um papel amaçado. –Pode me ligar se precisar de ajuda.

Murmurei alguma coisa que esperou ter soado como ‘’Nunca vou ligar’’ e observei enquanto ele se levantava e caminhava ate a porta como passos rápidos e firmes.

Durante o caminho para casa naquela noite me peguei procurando por Colin em cada homem que passasse perto de mim, mesmo sabendo que os cabelos grandes e avermelhados e o porte atlético não eram características físicas comuns na população masculina da Quinta Legião, já que a maioria de seus homens ou estavam no exercito ou eram idosos. Com um arrepio lembrei-me daqueles que estavam nas mãos do governo.

Apresei o passo me concentrando nos montes de neve acinzentada que se juntavam nas beiradas das calçadas.

Iria apagar os acontecimentos daquele dia e seguiria a vida normalmente. Dente 2 semanas estaria na faculdade da Terceira Legião e Colin seria apenas uma lembrança desagradável. Mantive esse pensamento firme mesmo sentindo como se o pequeno pedaço de papel como alguns números escritos em vermelho no meu bolço pesasse uma tonelada.

A casa estava escura e fria quando abri a porta, mesmo sabendo que meus pais chegariam em menos de meia hora dos seus empregos senti uma pontada de solidão. Subi as escadas ouvindo as tabuas rangerem e quebrarem o silêncio da casa. A pequena distancia entre o topo da escada e o meu quarto pareceu uma maratona naquela noite e quando finalmente me joguei na cama soltei um suspiro alto de alivio por estar de volta à segurança do meu casulo.

De sobre a mesa de cabeceira a foto meu irmão me encarava com um sorriso congelado, os cabelos negros, como os meus, voavam desgrenhados enquanto ele sorria para a câmera. Nunca cheguei a ver aquele sorriso de verdade, ele morreu dois anos antes de eu nascer e três semanas antes de completar dezoito anos. Um acidente horrível de carro, minha mãe contara com lágrimas nos olhos.

Olhando para a fotografia naquele momento me perguntei não pela primeira vez se Josh foi como eu, um filho da guerra. Sentindo as lágrimas arderem nos meus olhos imaginei se seriamos amigos e se eu poderia contar para ele o que estava acontecendo.

–Não vai descer para comer?- Minha mãe perguntou parada no vão da porta, me arrancando dos meus devaneios e do meu poço de auto piedade.

–Já comi lá na lanchonete. –Forcei um sorriso para soar confiante e quando ela devolveu o sorriso passando a mão nos cabelos claros senti um impulso de contar o que eu era, mas antes que as palavras saíssem da minha boca voltei a fecha-la com medo.

Uma frase dita há muito tempo voltou a minha mente como uma tapa na cara: ‘’Como temos sorte de ser uma família normal.’’, minha mãe dissera sorrindo docemente para mim, então com 9 anos. Agora, olhando para o mesmo sorriso, percebi que jamais poderia dividir meu segredo com ela.

Acordei horas mais tarde com o meu próprio grito, estava soada e tremendo sob as cobertas e o pesadelo que me acordara passava em flashes pela minha cabeça. Dois soldados do governo me levando enquanto meus pais olhavam da porta de casa sem se mexerem, então eu estava lá com eles e a pessoa levada era Josh e depois Colin.

Estendi a mão tremula ate o celular percebendo que só tinha uma pessoa que poderia me entender e me ajudar por mais que eu não quisesse. Disquei os números e apertei o pedaço de papel com força enquanto o telefone chamava uma, duas vezes.

–Oi?- Uma voz sonolenta disse do outro lado.

–Pode me encontrar daqui a pouco? –Perguntei sentindo a boca seca. Eu quase podia ver o meio sorriso no rosto de Colin quando ele respondeu:

–Sabia que ia ligar, só não imaginei que seria tão cedo.


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