Chiptune Works! - Random Events escrita por Shirodan


Capítulo 16
Track 15 - Reasons Collide




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Não tem como não odiar uma pessoa que faça as coisas contra a sua vontade. Sim, isso deve soar muito egoísta em certas perspectivas, mas não na minha. Quero dizer, eu vejo alguém me forçar a fazer algo como fazer algo contra a minha vontade, porque tudo o que eu quero é ficar em casa. Ficar em casa é visto como nada pelas outras pessoas, o que me deixa em diversas situações complicadas, das quais eu saio sendo grosso ou mandando a pessoa ficar quieta ou até mesmo ignorando a pessoa. Em suma, eu odeio pessoas que te forçam a fazer as coisas, que ficam pondo pressão ou expectativas em suas ações porque eu quero fugir dessas coisas.

Em meio à toda a minha dúvida e confusão, eu começo a me virar. É óbvio que eu quero ir embora daquele lugar, daquela situação e daquele ponto de mudança eminente na minha vida. A inércia mental é de tudo que eu preciso aqui. Eu não preciso “melhorar” ou me “tornar mais sociável” porque eu sou feliz do jeito que estou. A mudança é completamente desnecessária e irracional, aqui e agora.

Mas a vida não é tão simples assim. Ayame Asuka não é tão simples assim. Agora eu entendo completamente o motivo da insistência dela em carregar minhas coisas. Eu jamais fugiria sem minhas guitarras. Jamais. Eu não trairia minhas companheiras dessa forma.

Mentira, trairia sim. Não é como se as guitarras tivessem algum sentimento, mesmo. É uma ilusão infantil e boba, a de que instrumentos têm sentimentos. As únicas coisas que possuem sentimentos nessa situação são as pessoas que tocam os instrumentos, e esses sentimentos são transmitidos às mãos, que desempenham da forma que você quiser dentro dos seus limites, obviamente.

Além do mais, eu não conheço alguém que ficaria com as guitarras de uma pessoa. Claro, também não conheço alguém que não ficaria. Falando a verdade, eu não conheço ninguém, mas eu acho que ela, Ayame Asuka, não faria algo chato e entediante como ficar com minhas duas guitarras.

Não, ela faria algo mais extremo e efetivo. Tal como pôr um braço na minha frente, abrir a porta e me empurrar pra dentro da sala onde os membros do clube estavam. Não só faria como fez, e de modo sutil, fazendo parecer como se fosse uma simples coincidência. Ou será que realmente foi uma coincidência?

Sinceramente, eu não sei e não tenho como saber. O comportamento dela é estranho demais, porque parece que ela é do tipo de pessoa alegre, mas às vezes ela mostra um rosto lúgubre ou alguma coisa assim, que me deixa em confusão mental. Ela é aberta ou fechada aos outros? Isso é só uma fachada ou isso é ela de verdade? Ela é uma pessoa fria e calculista ou uma pessoa simples e emotiva? Essas são coisas que eu provavelmente nunca saberei. Até porque, eu não quero saber. Não é do meu interesse, sinceramente.

Eu olho de soslaio para dentro daquela sala. Uma isolação sonora pior que a do meu quarto, com amplificadores piores que os do meu quarto. Ah, que horror. Pelo amor de Deus, escolham um lugar melhor pra fazer seus ensaios! Além do mais, a guitarra está do lado da bateria e o baixo está na frente da bateria. Isso definitivamente não combina, os sons ficam estranhos. Quem será que organiza os amplificadores desse estúdio?

Mas, mais importante que isso... Eu entrei nessa maldita sala, nesse maldito estúdio. Minha vida acabou aqui, e o meu carrasco está sorrindo feliz, enquanto entra pela porta com as minhas duas guitarras e minhas partituras em suas mãos.

A senpai de cabelos negros foi a primeira a me receber, seguida do senpai de cabelos castanhos e da Harumi Hiyori, que estuda junto comigo.

“Ah, Kuraragi-kun, você veio! Estávamos te esperando...”

Não, vocês não esperavam que eu viesse. Está estampado nas suas caras, pelo amor de Deus.

“Hmph, não é como se você conseguisse um lugar na banda só por vir a um ensaio...”

Você é o que? Uma mulher? Uma loli tsundere? Ou você realmente não me quer aqui?

Não que isso seja do meu interesse, obviamente.

“Eu falei que ele viria, Shiori-senpai, Makoto-senpai.”

“Sinceramente, eu achei que ele não viria.”

“Não me entendam mal, não é como se eu realmente tivesse vindo até aqui em meu estado mental sóbrio ou sano...”

“Que que você fez pra esse cara vir aqui, Asuka-senpai?”

“Eu? Nada demais...”

Ah, eu não aguento essa cena de encontro de amigos para se divertirem. Alguém me tira daqui, pelo santo amor de Deus... Quero dizer, bem agora, eu poderia estar lá em casa, tocando alguma coisa, dormindo, jogando algum jogo ou simplesmente olhando pro teto, o que seria bem melhor do que andar 6,4 km em um dia e ter que socializar com essas pessoas por 4 insanas e intermináveis horas. Sem falar que eu não sei o que eles vão tocar, e não vejo nenhuma partitura por perto, então provavelmente terei que improvisar. Improvisar é chato quando se toca pela primeira vez com alguém, ou algo assim. Foi o que eu li na internet.

“Você não toca teclado, Kuraragi?”

“Sim...”

“Kazuki Makoto.”

“... Kazuki-senpai.”

“Então por que você trouxe duas guitarras?”

“Por que a Ayame-senpai toca teclado, não? A única coisa que sobra é a guitarra, não?”

Dava pra ver que eles tinham preparado alguma coisa que envolvia eu toando teclado ou a Ayame Asuka tocando qualquer outra coisa que não me interessa. Por mim tanto faz o instrumento que eu vá tocar, porque eu não só consigo tocar qualquer instrumento como também tenho certo grau de excelência em todos os tipos de instrumentos. Eu acho.

“Kazuki-senpai, onde estão os consoles?”

“Consoles? Nós não temos ou usamos os consoles aqui.”

“Vocês usam trackers?”

“Sim, porque geralmente nós compomos coisas rápidas, que são difíceis, quase impossíveis de serem tocadas na vida real. Você não usava trackers, Wizard?”

Por algum motivo, eu não me senti bem com ele me chamando de Wizard. Creio que Bit Wizard tenha sido meu pseudônimo ao publicar música em 8-bits, mas ainda assim, é estranho. E o tom de reverência, como se ele estivesse falando com alguém muito superior à ele em hierarquia social, também não me agradou. Era como se ao ouvir aquele nome, o espaço vertical entre eu e os outros aumentava.

Acho que eu nunca expliquei os conceitos de distância horizontal ou vertical, mas, em suma, a distância horizontal me deixa em um patamar igual ao dos outros, então eu não chamo atenção. A distância vertical me deixa em um patamar diferente das pessoas, e isso chama a atenção. E eu odeio isso.

“Não, usava o método que, caso eu voltasse a fazer esse tipo de música, eu usaria até hoje.”

Em dúvida, a aparentemente curiosa por detalhes técnicos, Fukukawa-senpai me faz uma pergunta.

“Que método você usava, Kuraragi-kun?”

“Plugava o teclado no NES hackeado pra fazer as linhas mais rápidas. Mas agora eu vejo que fazer músicas com bases em 210 bpm e tempos assim é ruim.”

“Por que é ruim, Shion-kun?”

“Você não consegue ouvir as linhas do baixo e da guitarra base, que geralmente são as partes mais legais de uma música, ao meu ver.”

Me lembrando da conversa de uma semana ou “alguma coisa assim” dias atrás, Harumi Hiyori me questiona sobre um assunto do qual eu já havia tratado, porém havia esquecido. É comum isso acontecer, eu acho.

“Ah, sim, Kuraragi, você já descobriu o tipo de chiptune que você vai inventar?”

“Eu não quero ficar preso só ao chiptune convencional. Caso eu fosse entrar na banda de vocês, eu gostaria de mesclar chiptune com outros estilos. Eu acho que combinaria muito com funk’n’soul, com rock progressivo e com stoner rock. Definitivamente, não combinaria com música clássica, creio eu. E sem usar trackers, obviamente.”

“É, eu não errei em esperar algo assim de você.”

“Chiptune sem trackers... Pode ser interessante, Kuraragi.”

Ah, minha cota diária de falar com os outros já se esgotou, sinceramente. Eu não sinto mais resistência nenhum em pegar minhas coisas e sair na cara dura, talvez até mandando eles irem até o inferno ou pra acompanhante de luxo que te deu a luz.

Sinceramente, eu não consigo me integrar à isso. Mas nem um pouco. Mesmo se eu tentasse, eu não conseguiria pelo simples fato de que eu já excluí essa sociedade, essa realidade dos meus planos pro futuro, da minha visão de mundo e do meu estilo de vida em geral.

Todos que tinham a feliz e tola ilusão de que eu havia mudado de alguma forma, estão confrontados com uma imensa e impenetrável parede. A minha realidade. Vamos falar de realidade aqui, as pessoas não mudam ao decorrer da vida, elas só mudam como, onde e quando elas falam. Mas a essência em si é imutável, eu nunca vou deixar de evitar o convívio social, Ayame Asuka nunca vai deixar de forçar os outros a fazerem coisas que não são dos seus respectivos agrados, Harumi Hiyori nunca vai deixar de planejar as coisas por detrás dos panos, Kazuki Makoto nunca vai deixar de ser sincero, muito menos irá Fukukawa Shiori.

E a verdade, a essência, a realidade, elas são cruéis em sua própria e solitária maneira. E isso não me importa de qualquer forma, porque um dia eu vou morrer e tudo isso vai sumir completamente. O que vem depois também não me interessa.

Eu já jurei que farei as coisas de acordo com a minha própria vontade. E eu não sou falso para comigo mesmo. Não na maioria das vezes, eu acho.

E assim, eu me direciono até a porta. Um leve toque naquela porta pesada e difícil de ser aberta. Uma leve hesitação.

Falemos a verdade, eu não tenho motivo algum pra ficar aqui.

E muito menos pra voltar aqui.

E, por fim, um tênue acorde de Sol em uma Fender Stratocaster começa algo muito além de surpreendente. Começa uma graciosa, confusa e ainda assim bela sinfonia por 5 pessoas, e posteriormente, muito posteriormente, 6.

Mas, não sei se aquilo deveria ser chamado de sinfonia. Afinal de contas, foi a introdução da suíte de nossas vidas.


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