Chego em frente a um condomínio nos arredores de Vegas, ao lado de um cassino abandonado. Natalie disse casa número quatro-um-zero. O condomínio é enorme, com, eu acho, meia dúzia de fileiras de casas, algumas acabadas, outras mais bem cuidadas que a minha. Aperto o botão 410 e espero alguém atender, estou torcendo para que seja Noah, pois se o pai dele atender, eu acho que eu vou gaguejar de tanta vergonha, provavelmente Noah falou o motivo dele ter chegado completamente acabado em casa. Alguns minutos se passam e eu começo a ficar impaciente, aperto mais uma vez o botão e mais outra. Nada. Começo a apertar repetidamente o botão, mas mesmo assim ninguém atende. Quando iria apertar outra vez, ouço uma voz atrás de mim:

– O interfone não funciona.

Não preciso me virar para saber quem é o dono da voz.

– Eu cheguei primeiro que você? – pergunto sem me virar.

– Aí depende do ponto de vista – ele dá uma pausa. – Acabei de sair da sua casa, o que quer aqui?

– Eu vi que ficou chateado com alguma coisa – digo ainda sem me virar. – Se foi por causa do Josh e todo esse negócio de encontro, me desculpe, ok?

Ele demora um pouco antes de responder.

–Quer entrar?

***

A casa dele é de longe mais bem cuidada que a minha. Apesar de morar em um condomínio onde todas as casas são iguais, a dele é visivelmente diferente, o jardim limpo com a grama bem aparada – a moto estava bem ali, no meio do jardim, estranho como ninguém não a roubou ainda, é uma moto bonita –, uma porta de vidro fumê no centro, duas janelas, uma de cada lado da porta, ambas também de vidro fumê. Por ser a casa quatrocentos e dez, ela fica afastada do portão, sigo o caminho todo de cabeça baixa, me recuso a olhar para ele, talvez porque não queira ver o estrago que meu parceiro de encontro fez nele. Ao chegarmos em frente a porta, ele a arrasta para o lado e me deixa entrar primeiro, o olho de relance por segundos o suficiente para ver que ele está acabado. Dou apenas uns dois passos adentro antes de ouvir o barulho inconfundível de um micro-ondas sendo ligado. Noah entra e fica ao meu lado, vira a cabeça para a cozinha e grita:

– Pai, código lilás!

– Ficha – o pai dele responde da cozinha.

– Jolie, 17 anos, estatura mediana, olhos e cabelos castanhos, terceiro ano do Ensino Médio, sem ficha na polícia.

Eu não sei porque ele está falando minhas informações, mas a única coisa que consigo dizer é:

– Bem, teve aquela vez em Vegas...

– Sem ficha na polícia – ele diz entredentes, balançando a mão de um lado pro outro em frente ao pescoço.

– Parece ser uma boa garota – o pai dele diz. – Pode ir. – Noah faz um sinal com a cabeça como se dizendo “siga-me”, logo estamos em um corredor com duas portas à direita e uma à esquerda. Ele entra na segunda porta à direita, provavelmente é o quarto dele, o sigo e sem querer solto um som de espanto. Que quarto perfeito, meu Deus, o quarto dos meus sonhos. Com paredes azuis e brancas, os móveis da mesma cor, a cama com grandes colchas azuis e verde- água. O carpete é azul escuro e me dá uma vontade louca de me jogar nele e ficar por lá mesmo, pois parece ser tão fofinho. A claridade toda do quarto vem da grande janela transparente que quase ocupa toda a parede ao lado da cama. Uma das paredes brancas foi ocupada por muitas prateleiras de livros, livros grandes se quer saber. Tem uma escrivaninha do lado oposto da parede cheia de livros, e um computador preto repousa em cima dela, tem também – vocês não vão acreditar – um frigobar ao lado da escrivaninha. A parede do lado oposto da cama é azul e está completamente vazia, sem nenhum móvel ali, nem prateleiras de livro ou uma televisão, essa parede seria o lugar perfeito para uma televisão. Eu acho que fiquei tempo demais comtemplando o quarto pois Noah estala os dedos em frente ao meu rosto.

– O que houve? – ele pergunta, mas acho que ele sabe a resposta, pois está com um sorriso no rosto acabado.

– Seu quarto é perfeito – digo. – Você é rico?

– Não, mas meu pai investiu um pouco da herança deixada pelo meu avô aqui, os proprietários deixam qualquer um fazer melhorias nas casas, pois assim que sairmos, eles cobram mais caro por elas.

Espertos.

– Sabe que vocês poderiam, sei lá, ter comprado outra casa, não é?

– Sabemos sim – ele abre o frigobar, pega uma bolsa de gelo e coloca no olho – O que quer aqui?

– Eu já disse.

– Então tá – ele se senta na cama – Você disse que quer pedir desculpas, não?

Balanço a cabeça afirmativamente. Ele me olha com o olho bom semicerrado e fica assim por uns segundos até dizer:

– E por que?

Essa me pegou de surpresa. Eu sinceramente não sei porque eu estou pedindo desculpas. Eu sei que ele ficou chateado com algo, mas não sei com o quê, então eu praticamente não sei porque eu vim pedir desculpas e isso me deixa constrangida, constrangida por minha idiotice.

– Sinceramente, eu não sei, mas eu vi que você ficou chateado com algo.

– E você acha que foi por causa de quê?

– Olha, eu acho que foi porque eu não deixei você bater no Josh e também porque você foi nocauteado – digo cuidadosamente, mas saiu pior do que eu pensei. Ele me olha por uns segundos, seu rosto desprovido de expressão.

– Ah, então você acha que eu estou bravo pois aquele babaca me socou? Ham? – ele se levanta, subitamente furioso, me fazendo recuar alguns passos – Não, não é por isso, Jolie. Eu consigo aguentar uns socos, não se lembra daquele episódio com a Natalie, quando ela me socou no meio do refeitório? Só demorou alguns dias para eu me recuperar, como eu disse, eu aguento, só não aguento ver você morrendo para tentar ficar perfeita apenas para aquele imbecil te perceber. No começo, quando eu não te conhecia, eu não ligava muito, mas agora eu te conheço e eu me – ele tosse, como se estivesse querendo disfarçar – Enfim, quando um garoto gosta realmente de uma garota, essa garota não precisa fazer nada para agradar a esse garoto, ok? Nada. Mas você está querendo virar uma Candace da vida, usando saltos e roupas de marca, só para sair com aquele estúpido! Ele não gosta de você Jolie, mas você está cega demais para perceber quem realmente gosta.

Não vou mentir, eu parei de assimilar tudo na metade da frase – pelo menos eu acho que era a metade. Ele fala muito rápido, sem nem respirar direito, quase como se fizesse isso todos os dias, enquanto eu, se contar de um a dez perco o fôlego. Por que ele tem que ser melhor do que em tudo? Ok, eu acho que ele está esperando uma resposta minha, sorte que eu ouvi o suficiente da frase para poder formar uma frase...

Hmm... Não, não ouvi. Tudo bem, vou falar qualquer coisa mesmo.

– Isso foi algum tipo de indireta, Noah? – Ah, ótimo, que babaca que eu sou. Essa é uma frase lixo. Eu sou um lixo. Minha vida é um lixo – drama de adolescentes.

Eu acho que essa frase o deixou com raiva.

– Puta merda, quer saber, sai daqui, vai embora, Jolie.

Não, eu tenho certeza que essa frase o deixou com raiva.

– Mas...

– Suas desculpas foram aceitas, apenas vá embora – ele diz. Isso me deixa com raiva. Quem ele pensa que é para falar comigo desse jeito?

– Tudo bem, eu vou, mas não fale mais comigo, ok? Poxa, eu venho aqui na paz, para te pedir desculpa e é assim que você...

– Tchau, Jolie – ele me interrompe. Sei que ele está repetindo o que eu fiz lá em casa e agora posso saber o que ele sentiu.

Raiva. Desprezo.

Mesmo sabendo que fui eu quem começou com isso, não posso deixar de ficar furiosa com ele, pois é isso o que as mulheres adolescentes na TPM fazem, você não pode devolver na mesma moeda. É tipo assim: “Eu posso fazer e você não”. O olho durante alguns segundos.

– Até nunca mais, Noah.

E então eu saí. O pai dele estava no sofá e eu consegui ver seu rosto – era bonito para um coroa –, eu tenho vontade de dizer que o filho dele é um panaca, mas cadê a coragem? E ainda mais, eu estou começando a achar que a panaca aqui sou eu.