Nascidos da Noite - Livro Rigor Mortis escrita por Léo Silva


Capítulo 3
Capítulo 3 – Espelho d’água




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Uma das vantagens de ser vampiro é não fazer ideia da temperatura do ambiente, simplesmente porque se está morto.

Kassius caminhava pela praia da ilha deserta, com Betegelse ao seu lado. A mansão dos Monte Branco parecia diminuir de tamanho enquanto ele deixava suas pegadas na areia – porque assim queria, pois poderia flutuar sobre a areia. O sol desaparecia no mar lento e melancólico.

Devia muito à Betegelse.

Sem ela sua empreitada seria um fracasso total. Graças a ela, agora era um dos poucos seres da noite a poder caminhar sobre a luz do sol sem morrer queimado. Quase podia sentir o fragmento de lápis lazúli dentro do tecido cardíaco, onde ela habilmente o introduzira. Agora, se quisessem tirar dele aquela vantagem teriam de arrancar-lhe o coração.

Pensou em Clarissa.

Em como ela fora fraca e estúpida. Confiar em um vampiro? Não poderia ter sido mais idiota, mais fácil de ludibriar. Kassius não tinha nenhum sentimento verdadeiro desde a Idade Média. Nem amor, nem ódio. Felicidade. Nostalgia. Carinho. Medo. Nada. Quando se morre abre-se mão de tudo o que faz os vivos o que são. A única coisa que ainda sentia era sede – uma sede intensa e insaciável.

E o jantar logo surgiu, como se alguém atendesse a seus desejos.

Um pequeno barco passou com três pessoas em cima. Um homem e duas mulheres. Eles acenaram para Kassius, que sorriu e acenou de volta. O barco fez a curva e voltou, desacelerando.

Estavam muito próximos. Uma das garotas pulou no mar e nadou até a praia. Era loura, magra e linda. Lentamente caminhou areia afora, na direção de Kassius. Os outros dois pularam em seguida.

— Oi, meu nome é Lauren, quer ficar com a gente?

— Na verdade, eu prefiro mais calor em uma apresentação – falou Kassius, abrindo os braços.

Lauren riu. Os outros dois caminhavam na direção dele.

Não era culpa dela – Kassius exercera sua atração, de forma que ela não pudesse escapar. Se ele quisesse, ela latiria para ele como um cãozinho. Apesar de se sentir meio enferrujado, tinha de admitir que era como andar de bicicleta.

Ela deixou-se envolver pelos braços de Kassius, que imediatamente estendeu suas presas e cravou-as no pescoço da loira, que gritou o mais alto que pode. O sol se punha, e ele se alimentava.

Os outros dois gritaram, então tentaram voltar para o barco, correndo pelas ondas baixas.

Tentaram, porque Betegelse agarrou o homem e mordeu o pescoço dele com força. A outra mulher conseguiu voltar para o barco, mas como não sabia pilotar, ficou lá, chorando, agachada no convés.

Kassius deixou que a loira caísse na areia. Betegelse ainda estava agarrada ao rapaz, que parara de lutar contra algo que não poderia vencer e murchava nos braços da vampira.

— Vai deixá-la viver? – perguntou Betegelse, largando o pescoço do rapaz por dois segundos.

Kassius assentiu com os olhos.

— Quando o sol nascer, ela terá o destino que merece por ser tão estúpida.

Todos os humanos são estúpidos, pensou.

E continuou sua caminhada pela praia que escurecia.

***

O Gigante dos Mares, um transatlântico de luxo, fazia um cruzeiro pela Flórida, e seu destino final era a América do Sul – mais precisamente o Brasil. Era fácil demais.

Kassius poderia comprar as passagens e Betegelse viajaria em segurança, dentro de um caixote de madeira completamente lacrado. O inconveniente seria ficar em alto mar por tanto tempo – se bem que isso daria a ele bons momentos de reflexão. Pensar melhor em como atingir seus objetivos nada modestos.

Betegelse viu o noticiário da noite.  O Brasil estava sob Lei Marcial, e provavelmente todos os aeroportos seriam fortemente vigiados. O navio, por outro lado, oferecia a possibilidade de descerem antes de atracarem – evitando o inconveniente da polícia.

A repórter de um grande canal parecia apreensiva.

— Uma junta militar tomou o poder hoje à noite. O General Sobral e Silva fez o pronunciamento direto de Brasília. O presidente está exilado em Honduras, e não se sabe até quando a liberdade de imprensa será respeitada – dizia ela. – A população, neste momento, tomou a Avenida Brasil. São milhares de pessoas pedindo novas eleições...

Atrás da repórter uma multidão se formava. De repente policiais a cavalo apareceram, digladiando com os manifestantes. Bombas eram lançadas, e tiros ecoavam pelo ar. Pessoas corriam para todos os lados, gritando.

— O Brasil está um caos – falou Betegelse antes de desligar a televisão.

Kassius sorriu.

— Não muito diferente de sempre.

— Mas agora que os militares estão no poder, o que acha que acontecerá com os semi-vivos?

— Nossa situação nunca foi das melhores, Bete. Não vejo como possa piorar.


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