Nascidos da Noite - Livro Rigor Mortis escrita por Léo Silva


Capítulo 10
Capítulo 10 - Kassius e Clarissa




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Gigante dos Mares

Kassius olhou dentro dos olhos da alma de Clarissa Valverde.

Clarissa não desviou o olhar, por mais que desejasse. Mesmo em projeção astral, tinha de admitir que temia Kassius – com se ele pudesse lhe fazer mal, ainda que seu corpo estivesse tão distante. Mesmo se estivessem em universos diferentes, Clarissa sabia que ainda temeria Kassius. Mas precisava ser forte se queria vencê-lo.

— Não imaginei que o encontraria tão facilmente – disse Clarissa.

— Você me encontrou porque eu quis assim. Se desejasse, poderia disfarçar minha aura com a facilidade com que troco de roupas.

— Você é um verme, Kassius, e morrerá como um.

Kassius não se abalou. Estava sentado sobre a cama, com as pernas em posição de lótus perfeita e os braços relaxados.

— Aprendi com o próprio Babaji, em uma das minhas vidas passadas antes de me tornar imortal, quando passei uma temporada no Himalaia – disse Kassius.

— Impressionante, considerando que neste momento deveria estar agonizando com uma estaca enfiada no peito, e não meditando.

— Você já foi mais sutil, Clarissa.

— O momento de sutilezas passou.

O vampiro esboçou um sorriso estranho.

— E posso saber como enfiará essa estaca em meu peito, considerando que já esteve muito mais próxima de fazê-lo e não o fez?

Clarissa cerrou os punhos. Não deveria ter descido para confrontar Kassius. Deveria apenas ter se certificado de sua localização e retornado ao seu corpo. Com a ajuda de Dominic talvez pudessem interceptar o navio e, de alguma forma, destruir Kassius antes que ele pisasse em terra firme.

— Nós vamos detê-lo, Kassius, não importa o que você faça ou para onde fuja. Nós vamos encontrá-lo e matá-lo.

Kassius deixou a posição de lótus e caminhou até a alma de Clarissa.

— Pode tentar o quanto quiser – disse ele, sorrindo. – Muitos tentaram com o passar dos anos. E todos falharam miseravelmente. Eu aprendi estratégias de batalha com Genghis Khan em pessoa. Aprendi a lutar com espadas com Miyamoto Musashi. Aprendi t'ai chi ch'uan com Yang Luchan. Domino muitos dons das trevas, enquanto que parte dos mortais ou semi-vivos possui, no máximo, um dom, a maioria nenhum. Você não tem nenhum dom, não é Clarissa?

— Isso não importa!

— Claro que importa... Você é uma criança brincando sozinha no escuro, e nós sabemos o que acontece com crianças sozinhas no escuro...

Clarissa cerrou os olhos. Sentiu frio, de repente foi como se as sensações voltassem ao seu corpo, mesmo estando fora dele. Então, olhou para o banheiro. Havia um braço caído junto à banheira. O corpo estava protegido por cortinas de plástico.

— Já está cometendo suas atrocidades?

Kassius olhou de soslaio para a porta.

— Ah, está falando de nosso velho amigo. Acho que vai ficar feliz em revê-lo.

Clarissa flutuou lentamente até o banheiro. Kassius a seguiu. Atravessou-a para chegar até a cortina, então, a puxou, revelando um corpo musculoso, onde a cabeça de Isaac estava costurada.

— Não pode ser! Isaac está morto!

— Estava! Esqueci de te falar... Eu o ressuscitei, mas acho que ele não ficou muito satisfeito com seu novo corpo.

Os olhos de Clarissa se estreitaram.

— O que está planejando? Douglas...

— Bingo! Você é boa, deveria apostar na loteria.

— Não pode ser...

Kassius apenas riu enquanto Clarissa flutuava de volta ao hotel, pensando que isso os deixaria ocupados por um tempo. Tempo, aí estava algo que não lhe faltava. Tinha todo o tempo do mundo para conquistar seus objetivos.

                                                    ***

Os olhos de Clarissa se abriram.

Sentiu a mão que segurava o crucifixo queimar, por isso deixou-o cair com um barulho estridente de metal contra o chão.

Douglas assustou-se. Estava com os olhos fechados enquanto conduzia o ritual. Ao ver a amiga desperta, correu para perto dela e ajoelhou-se.

— Clarissa, está tudo bem? Encontrou Kassius?

Clarissa olhou para Douglas com um sorriso maquiavélico no rosto. Então, atirou o copo de água-benta contra o rosto dele, cegando-o temporariamente. Depois, saltou sobre Douglas, apertando seu pescoço com ambas as mãos.

— Clarissa! Pare!

— Você tem que morrer... Eu quero seu corpo! Mas para isso preciso que sua alma saia dele!

Douglas olhou dentro dos olhos de Clarissa, mas foi a alma de Isaac que ele viu dentro dela. E ele tentava sufocá-lo.

 – Isaac?

— Surpreso? – Isaac babava, com um sorriso maquiavélico no rosto. – Velhos amigos sempre se reencontram, deveria saber disso Douglas.

— Nunca fomos amigos...

— O que é uma pena. Se fôssemos, talvez não estivéssemos nesta situação agora!

Clarissa estava em cima de Douglas, tentando sufocá-lo, e ele lutava para não morrer. Não poderia machucá-la, ela era sua amiga – talvez mais do que isso. Mas, também, não poderia sucumbir sem lutar.

                                                ***

Flórida, lugar não identificado

Juliette foi levada até um grande salão, sustentado por enormes colunas de mármore branco de vinte metros de altura. O salão era todo branco, inclusive o chão, e tinha enormes janelas por onde entrava a luminosidade matinal.

A mulher empurrou Juliette na cadeira de rodas, na qual ela adaptara um frasco de soro fisiológico, e voltara a perfurar sua veia – a contragosto de Juliette. Durante cinco minutos percorreram o grande salão, e quando chegaram no final elas viram um jovem ajoelhado diante de um enorme crucifixo. Ao perceber a presença das duas, ele se levantou, e voltou-se para elas.

— Bom dia senhoras – disse ele.

— Bom dia meu senhor – Disse a mulher, e olhando para Juliette, continuou. – Ela insistiu em vê-lo, meu senhor, apesar de eu ter explicado que estava em suas orações matinais.

O homem sorriu.

Era um jovem de corpo atlético e cabelos curtos. Vestia-se feito um cavaleiro medieval, com direito a uma bela capa branca, com o desenho de um sol amarelo no centro dela. A Ordem do Sol Nascente, pensou Juliette.

— Tudo bem, eu já terminei... Pode nos deixar a sós por um minuto, Celeste? Eu cuido da nossa amiga.

A mulher que se chamava Celeste fez uma reverência e deixou-os. Quase não se ouviam seus passos enquanto ela se afastava pelo enorme salão, deixando Juliette e o jovem para trás.

— Meu nome é Gadric, e eu sou um cavaleiro juramentado da Ordem do Sol Nascente. Resgatamos você e seu amigo dos escombros da caverna... Você se lembra disso, Juliette?

— E onde está o Evan? Clarissa e Douglas?

— Apenas Evan está entre nós...

Juliette negou com um movimento da cabeça.

— Está dizendo que Clarissa e Douglas...

— Estou dizendo que encontramos apenas Evan nos escombros, e nenhum sinal dos outros...

De repente tudo pareceu ficar mais claro na mente de Juliette. Ela lembrou-se de que foram à caverna atrás da Pedra Primeira, o marco que os levaria a encontrar o caminho até o Santuário que, segundo Kassius, representava um perigo aos seus planos. Até então Kassius parecia ser um dos mocinhos, então ele revelara sua verdadeira identidade, e tudo se perdeu em uma explosão.

— Você estava lá quando tudo aconteceu... Viu a explosão?

Gadric sorriu.

— Vi cada passo do seu grupo, desde que chegaram à Flórida, até o fatídico incidente.

Juliette juntou as peças em sua mente.

— Incidente... A bomba... Você... Foi você que matou o Isaac.

— Sim. Cortei a cabeça dele com minha espada. Ele era um adorador das trevas.

Gadric ajoelhou-se, ficando no mesmo nível dos olhos de Juliette. Seus belos olhos verdes parecia brilhar.

— A Ordem do Sol Nascente guarda esses marcos desde que eles foram criados para proteger nosso mundo das trevas. E temo que o dia do Juízo Final esteja próximo, pois eu vi a própria encarnação do mal diante de mim...

— Kassius – sussurrou Juliette.

Por um instante ficaram em silêncio. Foi como se algo se arrastasse no fundo de seus corpos, com se algo mudasse os rumos de seus destinos.

— Achei que trabalhassem para ele... Mas depois percebi que eram enganados por ele.

Gadric se levantou.

— Foi só por isso que sobreviveram – concluiu.

— Por que estou aqui?

Os olhos de Gadric se estreitaram dentro das órbitas.

— Porque é da vontade de Deus, Juliette. Quer motivo maior do que este? Agora, por que não vamos dar uma volta? Evan deve estar louco para vê-la.

Juliette concordou com um movimento dos olhos. Estava desnorteada com as últimas revelações. Kassius era, realmente, tão poderoso assim? Se assim fosse, então eles o haviam subestimado. Não tinham a menor chance contra Kassius se ele realmente fosse o mensageiro do Apocalipse.

Enquanto Gadric empurrava a cadeira de rodas de Juliette, ela pensou em três coisas. A primeira delas era Evan, em como sentia sua falta e temia por, um dia perdê-lo definitivamente. A segunda foi sua família, seus pais que rezavam em casa por sua segurança. A terceira foi em seus amigos. Clarissa e Douglas, perdidos por aí, à mercê de Kassius.

                                                   ***

Encontraram Evan junto com outros jovens.

Com um arco na mão, ele atirava flechas contra um boneco de palha. Antes que Juliette e Gadric se aproximassem, ela o viu acertar o boneco bem no meio do peito. Uma jovem vibrou e se jogou sobre Evan, abraçando-o por um longo tempo.

— Evan! – gritou Juliette.

Ele olhou para trás, e sorriu. Desvencilhou-se da jovem e correu até Juliette. Ajoelhou-se em frente à cadeira de rodas e segurou as mãos de Juliette. Beijou-a nas faces.

— Juliette, você acordou – disse ele com os olhos marejados. – Não sabe como eu fiquei preocupado.

— Está tudo bem comigo... E com você?

Juliette olhou rapidamente por cima do ombro de Evan, e viu a garota que o abraçara anteriormente. Ela não disfarçou sua expressão de poucos amigos por ter sido abandonada.

— Estava treinando arco-e-flecha com a Luna.

— Percebi que está bem à vontade aqui.

Gadric, que até aquele momento se mantivera calado, tocou de leve o ombro de Juliette.

— Não se preocupe, Evan está em boas mãos. Minha irmã Luna é a melhor guerreira daqui. Evan aprenderá muito sobre técnicas de batalha com ela, tenha a certeza disso.

Juliette voltou a encarar a garota que se chamava Luna e era irmã de Gadric. Ela era uma jovem de um metro e meio de altura, longos cabelos loiros e pele branca como gelo. Tinha uma expressão terrivelmente séria – especialmente quando não gostava de alguém. E Juliette sentiu que Luna talvez não gostasse dela.

— Evan... Onde estão Clarissa e Douglas?

Evan se levantou. Pareceu horrivelmente desolado.

— Eu não sei, Juliette, depois da explosão e do desabamento tudo ficou confuso... Só me lembro de cair e cair até...

Ele colocou a mão sobre a testa.

— Até não me lembrar de mais nada... É isso... Então a Ordem do Sol Nascente nos encontrou, e eu acordei em uma cama de hospital.

— Nós precisamos encontrá-los – insistiu Juliette.

Gadric se colocou entre Evan e Juliette.

— Aqui vocês estão seguros, nenhum vampiro conseguirá entrar, nem mesmo o mais poderoso deles – garantiu ele. – E eu sei que vocês eram importantes para Kassius.

Os olhos do cavaleiro foram de Juliette para Evan e retornaram à Juliette.

— Não vou mentir para você... Éramos importante para Kassius – disse Juliette.

— Engana-se, ainda são. E se saírem daqui, serei obrigado a segui-los para garantir que ficarão seguros.

Gadric olhou para Evan com compaixão nos olhos.

— É você o mensageiro?

Evan riu. Negou com um movimento dos ombros. Os olhos do cavaleiro se voltaram para Juliette.

— Isso reduz as possibilidades a você, Juliette. Mulher, terás a alma rasgada por uma espada em chamas.

Juliette sentiu-se corar.

— Acho que Kassius não seguirá mais o plano original, então, pouco importa se há ou não um mensageiro ou mensagem.

                                                ***

Gadric levou-os até uma enorme biblioteca.

Foram até um livro que parecia ter milhares de páginas, e ele abriu uma em específico. Começou a ler:

“1Então Deus, desgostoso com a atitude de Seu filho, castigou-o com a vida eterna. Ele veria todos os dias e todas as noites que se seguiriam, todas as estrelas que nasceriam e morreriam, todas as criaturas que ainda habitariam a terra, e nada poderia feri-lo.

2Seu filho, porém, cansado da vida eterna, alimentou-se de sangue humano, e passou a matar para saciar sua sede, deixando Deus irado.

3Deus, então, deu poder ao Sol para ferir seu filho, e Ele passou a andar somente à noite. E todos os que ele feria, se tornavam um dos seus, e se afastavam para sempre de Deus porque eles passaram a se esconder nas Trevas.”  

— Kassius domina os nove Dons das Trevas. A maioria dos vampiros e alguns humanos possuem apenas um dom, ou nenhum. Em cada uma de suas vidas, Kassius desenvolveu um deles. O Dom da Incorporação, pelo qual ele recebe espíritos. O Dom das Ciências Ocultas, pelo qual ele produz sua magia. O Dom da Invocação dos Espíritos, pelo qual ele pode clamar por auxílio das trevas. O Dom da Projeção Astral, pelo qual ele pode fazer com que sua alma deixe o corpo. O Dom da Profecia, pelo qual ele pode saber o futuro e o passado. O Dom da Necromancia, pelo qual ele conversa com os mortos e é capaz de trazê-los de volta à vida. O Dom da Cura, pelo qual ele pode curar e causar doenças. O Dom do Controle Mental, através do qual ele pode influenciar os outros a fazerem o que ele quer. E, finalmente, talvez o mais perigoso de todos os dons: O Dom da Transmutação, pelo qual ele pode adquirir diferentes formas, de outra pessoa a um demônio alado de sete cabeças.

Juliette estava atônita. Olhou para Evan com evidente desespero nos olhos.

— Isso não fez sentido, ele não demonstrou possui nenhum destes dons...

— Kassius é ardiloso, Juliette. Não se deixe enganar por sua aparência frágil de bom moço. Talvez ele ainda não domine perfeitamente todos estes dons nesta vida, mas tenha a certeza de que ele os possui. Quando todas as Pedras Primeiras estiverem quebradas e a magia que elas encerram vagar livre, Kassius retornará ao Portão dos Infernos, em Popocatépetl, e iniciará o Apocalipse, liberando a passagem dos seus para este mundo. Ele trará uma noite sem fim, o Sol nunca mais nascerá, e vampiros andarão sobre a Terra iluminados por uma Lua Vermelha.

— Como você sabe disso tudo?

Gadric suspirou profundamente antes de responder. E quando falou, pareceu extrair as palavras do fundo de sua alma.

— Porque eu estava lá quando o primeiro deles saiu.


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