Pompeii escrita por Liza Maia


Capítulo 2
Capítulo 1 - Mudez psicológica


Notas iniciais do capítulo

Ahoy! :)
Eu de novo aqui.
Boa leitura!



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Após relembrar da minha trágica história de surdez, decidi finalmente me levantar. O dia estava nublado, como na maioria das vezes já que estávamos no inverno. O frio lá fora parecia cortar a roupa das pessoas, já que todos estavam o mais perto possível uns dos outros.

Vesti-me como sempre: uma calça preta bem grossa, blusa de manga comprida de alguma cor neutra, suéter por cima, moletom e casaco com capuz, e um tênis de qualquer marca. Não sou muito de me apegar á lojas, como All Star, ou Vans. Eu uso o que me faz sentir confortável e ponto.

Escovei os dentes e saí do quarto já esperando pelo vento gelado que sempre recebo assim que abro a porta, mas desta vez ele não veio. Franzi o cenho e olhei para os lados, tentando descobrir porque fora diferente desta vez. Encontrei a janela no final do corredor fechada, e descobri o porquê.

Dei de ombros e até me senti melhor sem receber uma rajada fria logo ao acordar.

Desci as escadas a passos de lesma. Não estava com muita vontade de ir para escola logo de manhã, como sempre, mas ao sentir um cheiro delicioso de chocolate quente, eu pareci Usain Bolt descendo aqueles degraus.

Sentei no banco em frente á bancada num pulo e me arrumei para receber a bebida quente mais gostosa do mundo para se tomar em dias gelados, porém a decepção logo veio quando vi que na verdade aquilo não era para mim, e sim para minha irmã, que estava sentada no sofá tossindo e fungando. Mesmo com vinte e sete anos, Amy ainda morava com nossa mãe. Ela trabalhava em uma padaria junto comigo, e ainda ajudava nas despesas da casa.

Fiquei com um semblante desolado e andei de um jeito molenga até o sofá.

– Ah, oi Nick. – me cumprimentou minha irmã.

Assenti e meu sentei ao seu lado.

– Hoje eu não vou trabalhar já que fiquei doente. Por favor, avise lá no trabalho.

Observei-a pelo canto do olho enquanto engolia o líquido maravilhoso e tive tanta inveja dela. Queria eu estar doente para poder receber algo tão bom para beber! Saí de meus devaneios e a encarei por alguns segundos, com as sobrancelhas arqueadas, tentando passar mentalmente a frase que eu queria lhe dizer. Não foi preciso, já que ela logo decifrou minha expressão facial.

– Claro, claro. Eu escrevo um bilhete para você entregar. – falou enquanto assoprava a fumaça com cheiro de chocolate que saía da caneca.

Você, caro leitor, não deve estar entendendo porcaria alguma, não é? Bom, deixe-me facilitar para você: eu sou mudo.

Eu não nasci assim, claro. Sempre falei, e bastante até, para falar a verdade, mas após meu acidente auditivo, eu comecei a falar muito menos. Muito menos mesmo. Eu achava que se não conseguia ouvir minha própria voz, como teria certeza de que estava falando a palavra certa? Então simplesmente fui parando de falar aos poucos. Aos dez anos, minhas únicas frases completas eram: “Sim, eu quero” ou “Não, obrigado”. Aos onze, nem isso mais saía de minha boca.

Quando sofri o acidente, minha mãe e meu pai me colocaram em uma aula para aprender a língua dos sinais. Também fizeram várias outras coisas, como me tirar da escola, por exemplo. O bullyng não era tão falado como é hoje, mas meus pais ainda assim tiveram medo de eu ser maltratado no colégio, então comecei a ter aulas particulares.

O estado não gostou nada disso, mas acabou concordando após minha mãe dar vários argumentos fortes o bastante para não serem questionados.

Quando aprendi a língua dos sinais, minha mãe decidiu que faria o mesmo, para poder me entender. Amy nem se deu ao trabalho; achava frescura eu ficar mudo. Portanto, minha mudez era psicológica.

Levantei-me d sofá e fui até a cozinha. Mexi as mãos para minha mãe e ela entende logo de primeira. Anos tento que ver o filho mexendo as mãos freneticamente foram um ótimo treino para ela aprender mais rápido.

Ah, e eu também sabia ler o lábio das pessoas. Acreditem, é mais fácil do que parece.

– Nick, você não está doente. Vai tomar café. – me respondeu.

Fingi estar chorando e fui marchando me sentar novamente no banquinho em frente á bancada. Fiquei ali esperando pelo meu horrível café enquanto olhava para o relógio, contando os segundos. Esta era a minha maior diversão, já que Amy estava vendo TV agora, e tirar o controle de sua mão seria suicídio.

Dez segundos se passaram e eu já pude sentir o cheiro do nojento café a minha frente.

– Beba logo, Nick. – minha mãe me impôs.

Fiz uma careta com a língua para fora, mas acabei engolindo aquilo. Ela alega que café além de nos deixar acordados ainda nos deixa mais felizes e animados. Bem, se ele tivesse um gosto tão bom quanto chocolate quente, talvez isso realmente fosse verdade!

Tremi os ombros num sinal de repugnância e saí dali. Peguei minha mochila, coloquei-a no ombro e fui até a sala. Sentei-me mais uma vez ao lado de Amy e fiquei assistindo ao mesmo que ela: Friends. Um seriado super engraçado.

Eu entendia o que os personagens falavam apenas olhando para seus lábios; foi assim que eu aprendi o espanhol e também várias outras línguas. É bem mais difícil, claro, já que eu não sei a pronúncia correta, mas mesmo assim ajuda bastante. Sempre que posso assistir á televisão coloco em alguma novela mexicana ou em algum seriado espanhol da Disney para treinar. É bem divertido.

– Boa sorte no primeiro dia de aula. – desejou Amy á mim.

Assenti com a cabeça e levantei-me. Caminhei até a porta e fiquei encarando-a, com medo de abri-la.

Até os meus seis anos eu ia á uma escola normal, e tinha amigos. Eles eram sempre muito calorosos comigo, e sempre me convidavam para brincar no parquinho. No entanto, com o tempo, eu parei de ver eles. A única pessoa que continuou a falar comigo durante todos esses anos fora Althea, minha amiga desde que me conheço por gente. Ela é minha vizinha, e também amiga de Amy, então está quase sempre aqui em casa.

Como ela não é daqui – Althea é grega, assim como seus pais, por isso eles estão sempre viajando –, sempre fora difícil fazer amizade com outras crianças. Althea é muito bonita e engraçada, mas muito tímida também. Ela morre de medo de falar com as pessoas e elas não gostarem dela.

Já lhe falei várias vezes que aquilo era coisa de sua cabeça, mas Althea não me escuta.

Fui aproximando, em câmera lenta, minha mão direita até a maçaneta da porta. Estava tomando coragem para abri-la e ver como o mundo estava hoje. Porém a porta se abriu antes que eu pudesse encostar sequer um dedo nela, revelando uma garota de cabelos loiros escuros e olhos verdes sorrindo. Esta era Althea.

Como de costume, ela estava de roupas escuras e um cachecol colorido. Ela coleciona cachecóis, e tem de vários tipos, cores e modelos. Usa um a cada dia e se orgulha muito de seu hobbie. Ela estava com seus cabelos medianos soltos e a parte de cima coberta por uma touca vermelha de lã.

Lembrei-me da minha própria touca e a apanhei na mesa ao lado da porta de entrada.

– Oi Nick! – me cumprimentou.

Acenei e dei um sorrisinho de lado para ela. Althea entrou sem nem pedir permissão, já que sabia que fazer isso seria bobagem; ela já era praticamente da família, já que até o Natal ela passava conosco.

– Lindo dia, não? – perguntou retoricamente.

Elevei e abaixei os ombros, num gesto que indica “Não sei, pode ser, você que sabe”, e ela riu.

Althea também aprendeu a falar em língua dos sinais, mas muitas vezes tinha preguiça. E já que eu sabia ler seus lábios, ela nem se dava ao trabalho de mover as mãos.

– Você já vai, Nick? – perguntou-me.

Fiz alguns sinais indicando que minha mãe me levaria, o que a fez se assustar.

– Nem pense em chegar no seu primeiro dia de aula no segundo ano do Ensino Médio com sua mãe do lado, Nick! Seria tipo escrever na testa de caneta permanente: “Filhinho da mamãe”. – explicou-me.

Ah, não. Começaram as regras adolescentes. Eu já tinha as visto nos filmes e as estudado bastante. Elas eram super complicadas, e envolviam vários quesitos dos quais eu não podia participar. Um deles era ter uma boa audição, e se isto fosse uma matéria escolar eu seria reprovado sem nem mesmo assistir á primeira aula!

Suspirei pesadamente e fiquei desapontado; eu queria que minha mãe fosse junto justamente para explicar aos outros sobre meus problemas, já que se ela não fosse junto eu teria que fazer isso, e algo assim era meio impossível, a menos que eu escrevesse.

Expliquei tudo isso para Althea e ela parou para pensar por alguns instantes.

– E se eu explicar isso aos professores e ás pessoas? Assim nós ficamos juntos na escola. – deu a ideia.

Balancei a cabeça para os lados e refleti por alguns instantes; realmente era uma boa ideia, assim eu não ficaria conhecido como “filhinho da mamãe” e ainda teria companhia pelo resto do semestre, no mínimo.

Concordei com ela e avisei á minha mãe que Althea iria comigo para a escola. Expliquei toda a situação, e ela concordou em não ir comigo sem nem dar um sequer argumento. Estranhei no começo, mas logo depois entendi. Minha mãe, afinal, também já foi uma adolescente. Ela entende que apelidos de começo de ano ficam marcados pelo resto de sua vida escolar.

Voltei para a porta e Althea me esperava lá, encostada no batente, mexendo em seu celular. Contei-lhe da notícia e ela ficou animadíssima; disse que me mostraria o colégio inteiro, me apresentaria á todos que ela conhecia.

Althea me explicou que ela não era muito popular, e se desculpou por isso. Por mim estava tudo bem, já que, se não fosse por ela, nem mesmo um amigo eu teria.


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Notas finais do capítulo

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