Sentimentos insanos escrita por Freddie Allan Hasckel


Capítulo 3
Capítulo 3




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Segunda-feira,

8 de Junho de 1953

Caro confidente,

Foi uma noite bastante atribulada, pois sonhos têm o efeito de pesadelos sobre mim, mesmo acreditando que a maioria deles não passava de meras recordações.

Clarie e eu correndo de mãos dadas pela rua de nossa casa, devíamos ter por volta dos doze anos. Ela encostou exausta no grande carvalho no quintal de sua casa, recordo-me que anos mais tarde a mesma arvore teve que ser derrubada, apoiei os meus dois braços sobre o seu ombro, nossas respirações tão próximas e ofegantes se misturavam.

– Você... – soltei sem pensar.

– O que? – perguntou ela acariciando suavemente a minha bochecha com a ponta dos dedos.

– é tão linda que não parece ser desse mundo, um anjo talvez. Sabe aquela sensação gostosa que temos após acordar de um sonho bom, que você espreguiça sorrindo antes mesmo de abrir os olhos, e então o medo surge, pois o que está por vir pode exterminar toda essa paz? Acontece o oposto comigo todas as noites antes de dormir após passar o dia com você, pois não importa o quão bom seja o meu sonho, ele nunca vai superar a realidade, você faz de nossos momentos os melhores da minha vida, as vezes penso que te inventei, que você não passa de uma ilusão perfeita criada pela minha cabeça – eu revelei evitando fitar os seus olhos verdes, eu estava parecendo um tomate devido a tonalidade vermelha que meu rosto assumira, não restava um milímetro do minha face que não estivesse em tal coloração.

– Isso é real o suficiente para você – disse ela antes de colar os lábios aos meus. Nós nunca esquecemos o primeiro beijo, bom ou ruim, ele sempre estará entre nossas recordações mais preciosas. Quanto ao meu, não tive o que reclamar, seus lábios eram macios e doces, encaixavam-se perfeitamente aos meus. Não poderia ter sido mais inocente, nossas línguas sequer trocaram caricias naquele instante, mas uma corrente elétrica percorreu cada centímetro de meu corpo.

Um barulho estranho me acordou, depois de alguns segundos pude perceber que era o vigia noturno socando a porta de meu quarto, talvez eu tenha reagido de forma exagerada a tal sonho.

Levei algumas horas para voltar a dormir, e então despertar novamente com a sirene do hospício. Após o banho das cinco encontrei Thomas na fila o remédio, ele ainda estava abobado, então fingi tomar os meus remédios e tentei me livrar dos dele, tarefa fácil, logo que havia apenas um comprimido no copo do homem, devido a sessão de eletrochoque que ele realizara no dia anterior.

Quando estávamos à mesa do café da manhã, e eu dava o mingau de aveia em sua boca como se ele fosse uma criança devido a sua incapacidade de se alimentar sozinho, reparei que os enfermeiros encaravam-me mais do que o usual. Toda essa superproteção me fez esquecer de cometer as famosas e corriqueiras maluquices.

– Desculpa, eu sei que é um péssimo jeito de começar uma amizade, mas um dia você vai me agradecer por isso! – lamentei, e então agarrei o seu cabelo próximo a nuca e comecei a chocar sua cabeça contra o prato com aquele liquido gosmento. Logo um enfermeiro me agarrou por trás, e eu não pude me conter, cai na gargalhada enquanto batia as pernas e braços na intenção de me livrar dele. Qualquer pessoa que observasse essa cena de maneira imparcial acreditaria piamente que eu pertenço a esse lugar. Acalmei-me apenas quando vi um outro enfermeiro caminhar em nossa direção com uma seringa nas mãos, tornando assim a sua aplicação desnecessária. Andei em círculos durante alguns minutos, talvez uma hora, antes de retornar ao lado de meu companheiro, que por ironia do destino já se encontrava consideravelmente melhor.

– 397! – exclamou ele balançando a cabeça de forma negativa enquanto ria.

– Thomas, é tão bom vê-lo melhor! – foi impossível me conter e não abraça-lo, estava tão alegre com a sua uma recuperação, alegre como jamais tinha me sentido desde que me jogaram nesse hospício.

– Vê se da próxima vez não me afoga em um prato de aveia! – ele chamou minha atenção, eu sabia que ele não estava bravo, afinal, caímos na gargalhada no instante seguinte.

– Quem sabe... Se você parar tão cabeça dura, posso te dar umas dicas de sobrevivência se quiser, esse lugar não busca nossa melhora, Tom, somos meras marionetes nas mãos deles – bati na sua cabeça com certa força.

– Eu acredito em você, não precisa mais argumentar, só diga o que tenho que fazer. – Tom e eu tivemos uma longa conversa naquele dia, longa o suficiente para a solidificar a nossa amizade, e claro, fora intercalada por pequenos surtos. Em um deles acabei comendo diversas pecinhas do tabuleiro de dama que nos é emprestado, não foi nada agradável, ainda sinto uma delas entalada no meu esôfago.

Expliquei ao homem sem muitos detalhes sobre os remédios, uns não passam de placebo, esses são dados aos loucos de verdade para que não haja melhora, outros são sedativos, dados a todos os agitados sem exceção, e também existem as “pílulas da loucura”, que são dadas a nós, os internos sem motivos. E com menos detalhes ainda narrei o meu plano de fuga, ocultando o pequeno detalhe quanto o assalto ao banco, pois se não toda credibilidade que conquistei até agora iria escoar ralo abaixo.

E foi assim que terminou mais um dos meus dias no Hospício Marshall, o primeiro de poucos que tive um saldo positivo, uma amizade.


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