Tomoeda High escrita por Uma Qualquer


Capítulo 5
Espectador




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/481738/chapter/5

Ela saltou com um pulinho gracioso para o lado e estendeu uma mão para Syaoran, ajudando-o a se levantar. Usava um short jeans e um casaco vermelho e bege, em cujas costas havia um grande kanji dentro de um círculo branco. Em volta deles alguns jovens assobiavam, enquanto os mais velhos sacudiam a cabeça, indignados. Esses jovens de hoje, resmungavam. Cada dia mais desinibidos.

Mas ninguém estava tão indignado quanto o próprio Syaoran.

– Você tá LOUCA? –disse exasperado.

– Dois anos– a garota lhe mostrou dois dedos, quase enfiando-os nos olhos dele. – Sem me ligar. Sem mandar um e-mail. Sem me dar uma notícia sequer. Levando isso em conta, até que eu tô sã, sabe. O que eu quero mesmo é saber o que foi que deu em você. Veio pro Japão e esqueceu que tem mulher, foi?

A poucos metros dali, Tsubasa não sabia se tinha pena do irmão ou rolava de rir. Tinha esquecido como aquela garota era uma figura.

Então, viu Sakura e as amigas logo adiante, e percebeu a gravidade da situação.

– Mulher...? –Rika indagou. Mesmo com a distância, era impossível não ouvir o barraco dali. –Espera, o Li-kun é...

– Não, ele é novo demais pra isso– disse Naoko incrédula.

– Além do mais, ele é a última pessoa que a gente espera que seja casado– Chiharu afirmou, e voltou-se para Sakura em busca de confirmação.

– Sakura-chan?

Ela estava pálida. Mais que isso, gelada. Tomoyo se aproximou e tomou a mão dela, levando-a para longe dali.

– Tudo bem– ela murmurava fracamente, mesmo que Tomoyo não tivesse lhe perguntado nada. – Estou bem, sério.

– Certo– Tomoyo disse, sem largar a mão dela, que ia ficando mais e mais fria.

As duas deixaram o parque e foram até a estação de metrô mais próxima. Tomoyo tinha urgência em tirar a amiga de perto daquele monte de gente, porque sentia que Sakura podia desabar a qualquer hora. Não sabia se a cena tinha lhe afetado o bastante para isso, mas era melhor não arriscar.

Antes que passassem pela catraca, uma mão bronzeada tocou seu braço. Não precisou se virar para saber que era Tsubasa. Da outra vez, quando ele combinou com ela para encontrar a Kinomoto a sós no metrô, ela até conseguiu deixar Sakura sozinha uns instantes, mas nem pensava em fazer isso agora. Ela agarrou a mão da amiga, levando-a para onde o Li mais velho estava.

– Está tudo bem?

O rosto dele estava apreensivo e ansioso, fitando Sakura insistente. A garota assentiu sem muita energia.

– Vou levar ela pra casa – disse Tomoyo. –A Sakura teve um dia meio cheio.

– Entendo –ele falou pesaroso. –Bom, eu posso te levar em casa, Kinomoto-san. Tenho umas coisas pra conversar contigo.

– Eu... Não sei se é uma boa hora– Sakura disse, baixando o olhar.

– Eu também não sei– ajuntou Tomoyo.

O rapaz voltou-se para ela, como se pedisse ajuda. –Pensei que você confiava em mim, Daidoji-san...

Ela suspirou e olhou para Sakura, esperando. Não ia tomar aquela decisão pela sua amiga.

– Por favor– Tsubasa insistiu. –Preciso muito esclarecer o que houve.

– Pelo seu irmão? –Sakura ergueu os olhos verdes, trêmulos e embaçados. –Você sempre limpa a bagunça que ele faz ou algo assim?

A pergunta pegou o rapaz de surpresa. Ele sorriu em resposta; não esperava que ela tivesse tanta presença de espírito naquele momento.

– Meio que sim– disse. –Mas só quando o que acontece não é culpa dele.

Sakura respirou fundo. Virou-se para Tomoyo e disse que iria com o Li. A garota se despediu da amiga, e pelo olhar que lançou a Tsubasa, ele soube que era melhor não trair a confiança que ela depositava nele.

Deixaram a estação de metrô e pegaram um caminho bem longo. Tsubasa perguntou a Sakura o endereço dela, fez uns cálculos e soube o ponto onde poderiam pegar um ônibus até lá. A viagem era mais longa, mas o que Tsubasa queria era justamente tempo.

Passaram por um bairro residencial, onde as calçadas eram cheias de cerejeiras. Muitas ainda estavam em plena floração. A paisagem, o aroma da brisa e as pétalas que dançavam soltas pelo ar acalmaram o coração de Sakura por alguns instantes.

– O nome dela é Meiling– a voz de Tsubasa lhe chamou de volta à realidade. – É uma parente nossa, de um ramo distante dos Li. Prima em terceiro grau ou algo do tipo. Ela meio que é noiva do Syaoran.

– “Meio”? –Sakura indagou confusa. –Como é que uma pessoa é “meio” noiva de alguém?

– É que essa coisa não é obrigatória. Era uma tradição antiga que os primos mais distantes se casassem, mas hoje em dia ninguém no clã cobra isso. A Meiling acha que é a noiva do Syaoran. Ele discorda. Essa é a relação deles.

– Nossa– a garota murmurou. –Que complicado.

– Nem me fala.

Seguiram até um playground, onde pararam para descansar. Sentaram-se nos balanços, e Sakura segurou as cordas do brinquedo com força.

– Por que veio me contar essas coisas, Tsubasa-kun?

“Boa pergunta.”

– Achei que você merecia saber. Só isso.

– Não tem necessidade. Eu e Syaoran não temos nada... Somos só amigos, no fim das contas. Talvez até menos que isso.

Havia uma nota de mágoa muito clara na voz dela. Tsubasa sabia que ela estava chateada. Estava, porque sabia que ela gostava de seu irmão. E porque ele sabia como era a sensação de ver a pessoa de quem você gosta, junto com outra pessoa.

– Não fale isso– ele disse suavemente. – Meu irmão gosta de você. Realmente gosta.

“Puxa. Eu merecia um Nobel da Paz. Ou o prêmio de Babaca do Ano.”

Sakura ergueu o rosto para ele, os olhos transbordando. Tsubasa sobressaltou-se, levantou e foi até a garota.

– Desculpa– ela enxugou os olhos. Inutilmente, já que mais lágrimas brotavam. –É que... Eu sei que nós dois não temos nada, e é besteira pensar que poderíamos ter ou não... Eu não quero pensar nisso. Eu não preciso. Só preciso ver ele feliz, pra mim isso já basta. Pelo menos... Pelo menos era o que eu achava...

Ela baixou a cabeça, o corpo estremecendo numa tentativa de conter um espasmo de choro. Percebeu que algo estava estendido em sua direção, e ergueu o olhar. Tsubasa estava lhe dando um lenço.

– Obrigada– ela o apanhou, e não conteve um soluço. – Me... Me desculpa...

– Ei– o rapaz se abaixou diante dela, pondo a mão em seu ombro. –Não tem do que se desculpar. Está tudo bem.

Tentou abraçá-la, mas quando a garota se inclinou para correspondê-lo, desequilibrou-se para fora do balanço, caindo nos braços dele no gramado.

– Desculpa– ela exclamou aflita.

Então percebeu que ele ria, caído ali no chão com ela, e acabou sorrindo. Estava tudo bem.

A voz tranquila dele, sua atenção, seu calor. Sakura não precisava de muito mais do que isso para desabar em lágrimas. Escondeu o rosto no peito dele, o lenço sobre os olhos para não molhar a camisa do rapaz, e ficou ali até se sentir mais calma.

– Doeu– ela confessou. –Quando vi eles dois. Não consegui pensar sobre o que eu estava vendo, só pensava que aquilo doía. Doía muito.

Estava abrigada em seu colo, e Tsubasa pensava em como era perfeito, Sakura em seus braços. Seria maravilhoso se ela não estivesse chorando por causa de outro homem, e melhor ainda se ele não fosse seu irmão. Só o que podia fazer era lhe consolar, lhe confortar. Mais nada.

– Melhor eu ir pra casa agora– ela enxugou as ultimas lágrimas e se levantou. – Você não tá machucado, tá?

– Não– ele sorriu, levantando-se também.

– Obrigada pelo lenço. Eu vou lavar e te devolver depois... Não sabia que ainda existiam garotos que usavam lenço hoje em dia.

– O cavalheirismo não morreu. Quanto quer apostar que o Phantom-kun também usa?

Um sorriso iluminou o rosto dela, aqueceu o peito dele. Enquanto se afastava, Tsubasa pensava que poderia tê-la puxado para si naquele momento. Que poderia tê-la abraçado mais uma vez. Mas ela era sua amiga, a primeira garota a quem seu irmão amava.

Pouco importava se ela era a sua primeira também.

Enquanto a seguia, tropeçou numa coisa caída no gramado. Era um pequeno bloco de anotações. Devia ter escapado da maleta de Sakura, no momento em que caiu com tudo em cima dele. Quase a chamou para devolver o objeto, quando sentiu a trama fibrosa da capa, e notou a gravura da raposa. Num reflexo, enfiou o bloco na própria maleta.

– Vamos? – Sakura chamou-o da calçada.

– Sim –ele seguiu-a apressado.

Levou-a ao ponto de ônibus, onde se despediu dela. Ficou ali sentado, vendo o veículo sumir no horizonte, e então resolveu pegar o bloquinho e abri-lo. A página tinha três linhas escritas.

Vai ficar vendo ela partir? Sério?

Que pena. Pensei que você a amasse.

Ou será que essa palavra também é forte demais para você?

O susto lhe fez largar o bloco no chão, como se tivesse tomado um choque. Aquela coisa tinha falado com ele? Tsubasa o apanhou novamente, procurando a folha. Ela havia sumido.

Aturdido, resolveu começar da primeira página. As folhas eram bem finas, e poucas páginas estavam escritas. A caligrafia redonda e bem desenhada de Sakura tomava o começo do bloco, mas algumas delas continham uma escrita fina, de letras pequenas e elegantes. Intrigado, começou a ler.

“Pequeno diário – eu devia te chamar assim? Acho que não. Você é pequeno, mas não um diário. Não sei se consigo escrever em você todos os dias. Talvez eu tente, não sei. De qualquer jeito, tenho medo de passar a borracha aqui e rasgar uma página sua... Vai que uma alma penada vem me buscar?

Enfim, só estou escrevendo aqui porque realmente não tenho com quem desabafar.

Estou gostando de alguém – gostando? Não seria amando? Acho que não. É uma palavra forte demais. Parece coisa de quem vai casar, ter filhos e viver feliz pra sempre, e eu nunca nem beijei ninguém.

Então, tem essa pessoa e eu gosto muito dela. Acontece que eu nunca gostei de ninguém, então tenho um monte de dúvidas. Não sei o que fazer. Não sei se ele gosta de mim. Não sei se há algum motivo pra ele gostar de mim. E não sei como fazer pra parar com essa coisa apertando meu coração, nem como dormir sem pensar nele. Ou acordar. Ou passar o resto do dia. Bom, é isso.”

Pequena garota – eu devo te chamar assim, embora você não seja simplesmente uma garota pequena – seu segredo está seguro comigo.

Amor é uma palavra forte sim. Reservada para sentimentos fortes. Se o que quer que você está sentindo é forte e mexe com você, é amor. Ou paixão, ou desejo, que são derivados do amor. Não tenha medo de chamar o que sente de amor. Amor não é para ser imaculado ao pé do altar. Amor é para ser sentido todos os dias.

Mesmo uma pequena garota como você pode senti-lo. E mesmo você pode ser amada.

Não deseje que a coisa que aperta seu coração pare. Porque, no momento em que isso acontecer, você vai desejar que nunca tivesse acontecido. Vai desejar que essa coisa tivesse apertado o seu pequeno grande coração, até estrangulá-lo.

Ame muito. Ame até morrer.

Minhas cordiais saudações.

“Encontrei com ele no corredor antes da prova começar. Desejamos boa sorte um ao outro. Quase saí correndo, mas ele foi embora antes disso. Eu sei que eu estava nervosa, mas o que foi que deu nele?”

Homens são idiotas. Quanto mais cedo se conformar com isso, melhor.

“Quanto menos o vejo, mais eu sinto a falta dele. Que estranho.”

E ainda acha que amor é uma palavra forte demais?

A essa altura, a pequena garota já terá descoberto uma verdade amarga. Que, assim como ela ama, outras pessoas também amam. E às vezes, elas amam a mesma pessoa que ela.

A pequena garota sentirá seu coração doer. Se a coisa que o apertava não tivesse preparado o seu pequeno grande músculo para as dores do amor, ele teria cedido, e a pequena garota estaria estirada no chão do parque a uma hora dessas.

E agora, entra em cena o pequeno garoto.

Ou, como eu gosto de chamar, o senhor espectador. Ou, como a pequena garota o chamou, o limpador de bagunças do irmão.

Será que ele não se cansa de ser tão gente fina? É só o que eu gostaria de saber. Consolando a pequena garota, como se não estivesse louco de vontade de mandar o irmão às favas e beijá-la, sem nem perguntar o que ela acha. Como se não quisesse que ela fosse sua, e não dele. Como se não invejasse o olhar de amor que ela lança ao irmão.

Como se não a desejasse.

Que bom que ele ao menos sabe onde ela mora, não é mesmo?

Minhas cordiais saudações.

As páginas seguintes estavam em branco. Quando Tsubasa voltou para as folhas escritas, apenas o que Sakura escreveu se encontrava ali.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada a todos que estão lendo e comentando! Responderei aos coments aos poucos, podem deixar. E não deixem de dar sua opinião!
Té maisinho, pessoal =D



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Tomoeda High" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.