Aquele calor estava me matando! Tirando um elástico do bolso do avental, amarrei meu cabelo em um coque improvisado. Abanei minha blusa um pouco na tentativa de me refrescar, pra falar a verdade não tive muito sucesso. Observava atentamente o casal da mesa 12, depois de alguns minutos, respirei fundo, estalei meu dedo médio(um tique meu, fazia todo vez para me preparar antes de começar o ''trabalho''), tirei o lápis detrás da minha orelha, peguei o bloquinho ao lado e comecei a suavemente deslizar a ponta do lápis pelo papel. Com o passar dos segundos linhas e formas começaram a se interligar formando traços, expressões, até formarem os rostos daquelas duas pessoas que pareciam terem sido feitas uma para outra. Continuei com atenção focada neles e no bloco de papel que estava no meu colo, mordi meu lábio inferior, cada vez mais compenetrada no desenho. Mas algo me fez perder totalmente o foco, o rapaz de cabelos castanhos e olhos cor de mel(lindos aliás) sorriu mostrando seu conjunto dentes brancos perfeitos, ele deslizou sua mão devagar pela mesa coberta com um forro xadrez, quadriculado com vermelho e branco(bem típico de uma pizzaria italiana) até a mão da moça com cabelos ruivos. Ela era muito bonita, tinha olhos com um cinza profundo, seu rosto era levemente coberto por sardas que casavam perfeitamente com a cor de seus cabelos, além disso, possuía um sorriso meigo e delicado, os dois aparentavam ter a mesma idade que eu. Quando suas mãos se tocaram os dois sorriram quase que sincronicamente, ela levou sua outra mão que estava livre por cima da dele e acariciou-a de leve. Aquilo fez um turbilhão de recordações invadirem minha mente, e a saudade que eu queria justamente enganar me atingiu novamente ao me lembrar daqueles olhos verdes e aquelas covinhas tão charmosas que me hipnotizavam. Voltei minha atenção para o casal apaixonado, eles haviam se aproximado durante meu devaneio. Ele acariciava o rosto dela carinhosamente, e colocou uma mechinha de cabelo atrás da sua orelha. Mais uma vez as lembranças me acertaram em cheio, León sempre fazia aquilo comigo, não sei se era uma mania ou apenas uma forma de demonstrar o carinho que tinha por mim.

Aquele definitivamente estava sendo um dia torturante. Em vez de ficar feliz por saber que o veria daqui a dois dias a ansiedade estava acabando comigo! Estou sendo muito confusa não é? Vou começar desde o começo: me chamo Violetta Castillo, tenho 19 anos, vou cursar o segundo ano da faculdade de artes visuais na UNY. Moro em Nova York, mas estou passando as férias da faculdade com meu pai em Buenos Aires. Essa é a parte chata da minha vida, já que no momento estou vivendo meus indesejados ''quinze minutos de fama''. Não porque eu posei nua ou tive um caso com um milionário, nada disso, isso é por causa do meu namorado, León Vargas. A alguns meses ele fez uma ótima pontuação e chegou bem perto de ganhar o Campeonato Internacional de MotoCross, que foi uma disputa entre os países da América, ele representava o México, seu país de origem. O que mais chamou atenção do público foi o fato dele ser praticamente um iniciante. Mas ninguém melhor do que eu sabe o quanto ele mereceu aquilo, já que passou os meses antecedentes todos treinando. Junte isso com uma boa camada de talento e carisma, o que dá? Reconhecimento mundial, fãs obcecadas enlouquecidas, etc. Desde então a vida dele virou uma loucura, León passa a maior parte do tempo treinando para o campeonato mundial, que ocorrerá daqui a vários meses, mas como ele me explicou esse meio é muito competitivo. Nesse último mês, ele viajou pela Europa toda numa espécie de turnê, onde participou de várias competições menores, apenas para ser conhecido pelo continente. Fiquei muito chateada, já que pensei que enfim poderíamos passar minhas férias juntos, mas ele prometeu que nos falaríamos todos os dias sem falta, e foi fiel a sua promessa. Ligava-me no mínimo uma vez por dia, apenas para dizer um boa noite ou para perguntar como foi meu dia. Nos falávamos quase todos os dias por vídeo, e ele sempre me mandava cartões postais, onde nunca deixava de mencionar o desejo que tinha de que eu estivesse ao seu lado.

Tive quase cem por cento de certeza de que o tínhamos antes do seu repentino sucesso acabaria, visto que agora ele poderia escolher a garota que quisesse. Mas para minha enorme surpresa, León continuou comigo. Sempre continuou sendo um namorado atencioso e carinhoso. Eu o amava de todo o coração, tanto que quando iria entrar pra faculdade, escolhi a de Universidade de Nova York, para poder ficar perto dele, que morava lá. Mas isso não vem ao caso, o que importa é que nesse momento ele deve estar a caminho de Nova York, meu destino daqui a dois dias. Poderemos passar o final de semana juntos antes das minhas aulas retornarem. Voltei à realidade ao sentir um cutucão no meu ombro.

–Violetta estou te chamando à meia hora!

–Desculpe papai-falei me levantando rapidamente, só então percebi que o casalzinho havia ido embora.

–Tem um cliente na mesa 09-disse apontando para uma mesa nos fundos, sua cara não era das melhores.

–Tudo bem-me virei e fui em direção a mesa. Em silêncio peguei o bloco de papel e o lápis, os posicionando para escrever algo-Boa tarde, pizzaria D'guste, o que deseja?

Era um rapaz que usava um boné e óculos escuros, cobria parte do rosto com o cardápio. Quando me viu continuou do mesmo jeito.

–Eu gostaria de uma porção grande de Violetta por favor-franzi o cenho. Já estava pronta pra tocar aquele idiota dali, mas congelei quando ele tirou o cardápio do rosto, retirou os óculos escuros revelando aquela imensidão verde. Abri a boca muda, como assim?

–Le-le-ón?-perguntei substituindo aquela expressão de perplexidade por um sorriso enorme. Ele apenas fez um movimento com a cabeça com se dissesse ''sim'', e sorriu mostrando aquelas covinhas lindas.

Senti algumas lágrimas de felicidade caírem dos meus olhos, mas as ignorei, e quando retomei o controle sobre meu corpo, pulei em seu colo me pendurando em seu pescoço. Só que eu não calculei que com aquele movimento a cadeira poderia ceder nos levando ao chão, e foi o que aconteceu. Quando percebi a situação em que estávamos, comecei a gargalhar com meu nervosismo. Quando parei e olhei para León que estava em cima de mim, vi que me fitava com um olhar de ternura e admiração. Bem devagar inclinei meu pescoço, ele fez o mesmo, parei na metade do caminho e fechei os olhos ansiando por aquilo como nunca. Senti um braço forte apertar de leve a minha cintura, foi então que aqueles lábios quentes e macios dos quais senti tanta falta colaram nos meus. Era um beijo misto, que continha saudade, carinho, e paixão. Levei a mão até seu cabelo o acariciando, não nos separamos por alguns segundos maravilhosos. Durante aquela maravilhosa demonstração de afeto, ouvi um pigarreio que julguei ser da voz grossa e firme do meu pai, descolamos nossos lábios na hora. Papai estava de pé nos encarando. Ele nunca foi muito com a cara do León, isso piorou depois que me mudei pra Nova York por sua causa, e pra completar estávamos naquela posição.

–Querem que eu traga um colchão pra que vocês fiquem mais confortáveis?-morri de vergonha, ainda bem que León decidiu falar por nós.

–Não, obrigada senhor Castillo- pareceu ignorar a ironia e mau-humor do meu pai.

Ele bufou e saiu caminhando. Senti o peso de León sair de cima de mim, vi que ele estava de pé e me estendeu a mão, a segurei e me levantei também. Fui para frente dele e puxei sua mão, comecei a guiá-lo até a cozinha. Quando cruzávamos o cômodo, ouvi vários cochichos e até um assobio que com certeza veio do idiota do Maxi. Apenas ignorei e levei León até a porta dos fundos, ao sairmos nos deparamos com a rua tranquila e quase deserta. Soltei sua mão e me sentei no meio-fio, senti a sua calça de algodão roçar na minha perna, então percebi que ele havia se sentado do meu lado. Ao me virar senti algo rodear minha cintura e me puxar, passei os braços em volta do seu tórax e deitei a cabeça em seu ombro, estava delirando por inalar o cheiro tão bom da sua colônia. Soltei um suspiro profundo, me perguntando o porque dele estar em Buenos Aires. Após alguns minutos silenciosos, percebi que havíamos trocado pouquíssimas palavras. Me afastando um pouco, passei o polegar de leve na bochecha de Léon, que não tirou os braços da minha cintura um minuto.

–Pensei que tivesse ido pra Nova York.

–Eu ia, mas aí decidi dar uma passadinha e fazer uma surpresinha pra garota mais inteligente, linda, e perfeita de Buenos Aires-tirei seus braços de mim, e me virei de costas para ele, cruzando os braços na altura do peito.

–Posso saber quem é essa garota?-perguntei fingindo estar brava.

–É você-senti sua pele quente colar na minha, pude notar também um leve beijo no meu pescoço. Me virei e entrelacei os dedos na sua nuca.

–Aé?

–É, só toma cuidado porque minha namorada é bem ciumenta.

–Então quer dizer que vamos viver um amor proibido?-indaguei entre risadas que soltava da sua tamanha criancice.

–Sim, um intenso e tórrido amor proibido-falou fazendo um charme exagerado, típico de galãs de novelas mexicanas.

–Adorei a ideia-me aproximei e lhe dei um selinho demorado, que durou o tempo suficiente para que pudéssemos sentir o gosto dos lábios um do outro. Quando nos separamos, ele segurou meu queixo delicadamente.

–Você não tem noção de quanta saudade senti de você-me olhava aparentemente feliz, com aquelas duas esmeraldas brilhando como nunca.

–Tenho sim, porque eu fiquei com mais saudade ainda-León arqueou as sobrancelhas incrédulo.

–Impossível!

Sem me dar chance de responder, acabou com o espaço que havia entre nós com um beijo calmo e lento. Sem pressa movimentávamos nossos lábios em sincronia, durante ele me perguntava se León fez aquilo para me calar e ganhar a discussão, ou se o fez simplesmente porque estava com saudades, preferi acreditar na segunda hipótese. Afastei aqueles pensamentos totalmente inconvenientes da minha mente, e me concentrei apenas em desfrutar da sensação maravilhosa que o toque recíproco dos nossos lábios me proporcionava.