Em um momento na vida, nós passamos por precipícios. Que nos levam a temer nunca mais ver o dia de amanhã. Que nos levam a loucura. Que nos fazem cair em um abismo de trevas.

É mais fácil viver no escuro. Você não é notado por nada que iria te machucar, mas também não é notado por nada que te faria sorrir, ao menos uma vez.

Por nove anos eu vivi nas trevas. Na invisibilidade, no nada. Os poucos que me viam não me dirigiam a palavra. Quem em sã consciência falaria com alguém invisível?

Até hoje... ninguém

Mas um dia somos forçados a ir para luz. Eu tinha apenas nove anos. Não sabiao que estava acontecendo. Não sabia por que me olhavam com agonia. Como se tivessem pena de mim. E eu nunca desprezei tanto um sentimento como a pena.

Todos se vestiam de negro e muitos choravam desolados. Eu não entendia o porque. Vários deles vieram me abraçar e dizer que sentiam muito, mas pelo que? Eles não haviam feito nada pra mim.

Foi então que eu vi. Uma grande caixa negra com um formato estranho. Vi várias flores dentro e no meio delas, eu vi um rosto. Um rosto familiar. Um rosto triste e pálido.

-Mãe? Por que esta dormindo nessa caixa estranha? -Perguntei encarando-a- Mãe? Vamos mamãe, quero ir pra casa. Mamãe por que você não responde?

-Ruby, venha para fora. -Falou tia Marie pegando-me pelo braço e me afastando de minha mãe.

-Mãe! Mãe, não vá embora...

Tia Marie me deu um tapa no braço, mas fingi não ter sentido dor.

-Cale-se Ruby!

-Onde está meu pai?

-Ele não é bem vindo aqui -Disse ela com desprezo.

-Por que não?

-Ele... você é muito nova pra entender, Ruby -Comentou me fuzilando com o olhar.

-Não sou não! Já tenho dez anos e sei me cuidar!

Tia Marie soltou um riso fraco e me olhou como o mesmo ódio de sempre.

"Não me olhe assim!Não! Não!"Eu berrava em minha mente.

Minha cabeça girava. Todas aquelas pessoas de preto. Todos os olhos em mim. Todas as lágrimas. Eu mal reconhecia metade deles. Por que vieram ver minha mãe justo agora?

Eu gostava de ser invisível. Sempre gostei, mas agora que eu tinha um holofote em cima de mim, isso ardia. Era como se eles pudessem ver o que eu sentia.

-PAREM DE OLHAR PRA MIM! -Berrei para eles.

Todos os presentes me olharam estupefatos. Alguns cochichavam coisas e possuíam expressões de desaprovação.

-Levem a daqui! -Ordenou tia Marie.

-Me levar? Pra onde?

-Pra um lugar em que nunca mais precisemos ver você, monstro!

Monstro? Eu não era um monstro.

Senti braços me cercarem e tirarem meus pés do chão. Gritei e me debati, mas eu era pequena e fraca.

Algo tapou minha boca. Tinha um cheiro doce e nauseante. Minha respiração foi ficando fraca e meus olhos pesados.

"Monstro"

Por fim deixei a escuridão me consumir como antes. Doeria menos...