Alarde dos corvos escrita por Jhonatan Nic


Capítulo 1
Capítulo 1 - A nova praga




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Era mais um início de semana, quente como qualquer outro dia na cidade do Rio. Eu havia chegado um pouco mais tarde no colégio por culpa do trânsito, então assim que subi a rampa de entrada vi que quase toda a turma já havia chegado. Estavam todos num pequeno "canteiro", como sempre, que não é nada mais que uma região de terra batida com alguns bancos e arbustos. O clima estava meio depressivo, alguns pareciam meio cansados, como se tivessem dormido pouco ou muito mal durante o final de semana, com exceção da Laura e de alguns outros, que estavam sempre bem animados . Subi a rampa em formato de "L" e fui ao encontro deles e falei com todos, mas logo percebi que Eusébio estava num dos bancos mais atrás, isolado do grupo. Trocamos poucas palavras. Ele reclamava de dores de cabeça e insônia, e parecia muito agitado pra quem aparentemente estava doente. Não falava muito, mas observava cada movimentaçãoao redor, como se estivesse caçando insetos ou coisas do tipo.

Depois de entrarmos, as duas primeiras aulas foram incrivelmente chatas e demoradas. Passei a maior parte do tempo observando os urubus que voavam pelos arredores e seguiam para o norte. Incrivelmente eram muitos. Eu tentava ignorá-los pois a presença deles me trazia a mente o cheiro de morte fresca, mas a quantidade de aves chegava a ser assustadora. Era como uma nuvem negra sobrevoando o céu em busca de carniça e mesmo que talvez a turma toda tivesse percebido, ninguém comentou uma só palavra sobre isso, nem mesmo eu, que sempre tenho algo pra comentar.

As aulas seguintes passaram bem rápido, mesmo que eu não ache química lá essas coisas. Acho que eu havia me interessado bastante pelas conversas sobre mutação e radiação. O Eusébio teve que ser encaminhado para a enfermaria no meio da aula, pois aparentava estar com uma febre bem alta e seu estado me parecia na verdade. Sophia saíra para ir ao banheiro fazia quase 20 minutos e nada dela voltar. Phillipe parecia bastante inquieto, como se algo no quadro ou na professora estivesse incomodando ele de alguma maneira. Até mesmo a Daisy, que geralmente é bem animada, parecia um pouco estranha, como se estivesse com medo de algo.

Ao final da aula, antes que pudéssemos sair da sala, a diretora nos apareceu para dar um recado a turma. Disse que dessa vez teríamos uma aula teórica de educação física, e que deveríamos então ficar até o horário normal na escola(o que não deixou a gente muito feliz, no caso). Depois de toda a reclamação geral da turma, saímos da sala para o intervalo. Algumas garotas foram ver o que teria acontecido com a Sophia, que aparentemente tinha desaparecido desde a aula de química. Eu fui com o resto do pessoal para o refeitório pelas escadas da parte um pouco mais atrás do colégio, percebendo uma inquietação geral na movimentação dos corredores. Quando chegamos ao pátio principal ficamos próximos do refeitório, sentados em um dos vários "bancos" em meia lua que são anexos as pilastras da área. Comentamos enfim sobre as coisas estranhas que tinham acontecido só naquele dia.Me lembro da gente ter conversado sobre muita coisa, mas também de que o Phillipe não havia dito uma palavra desde que havíamos chegado. Mesmo assim fiquei surpreso quando, repentinamente, ele começou a passar muito mal em frente a todos nós. Seus gritos eram agudos, como se estivesse sendo aberto de dentro para fora, parecia ser uma dor realmente alucinante. Ao fundo eu podia ouvir muita correria e gritos vindo de todo o colégio, mas não me preocupei em ver de onde vinha todo o barulho, eu estava concentrado no momento.

Todos no pátio tinham plena atenção no que estava acontecendo naquele momento. Muitos tentavam ajudar como podiam, indo procurar por ajuda de alguém em grupos pequenos, enquanto outros tentavam acalmá-lo para que parasse de agonizar. Até mesmo as funcionárias da cantina pareciam muito perplexas a respeito do que fazer naquele caso. Inesperadamente ele já estava no chão, se debatendo em convulsão. Várias pessoas tentavam segurá-lo, mas parecia não adiantar muito. Os que apenas observavam tinham em suas faces claramente a feição de medo, alguns até mesmo se retiravam para não ver aquela cena. Enquanto isso os barulhos vindos dos andares acima da escola pareciam estar cada vez mais altos, como se estivessem vindo em nossa direção; Era possível ouvir muitos objetos sendo destruídos por força bruta e principalmente gritos. Na verdade muitos desses gritos não pareciam tão normais assim para falar a verdade.

Tudo aconteceu muito rápido. Em pouco tempo Phillipe não estava mais se debatendo. Não parecia mais ter pulso. Eu podia ler no rosto de todos presentes o quanto estavam confusos e assombrados com o que acabara de acontecer, mas tudo foi interrompido por um momento mais desesperador; Cerca de 30 ou mais pessoas desciam as escadas para o pátio central (as mesmas escadas de onde viemos), como se estivessem realmente correndo pelas suas vidas. Ao fundo dessa multidão, podia-se perceber que muitos caíam e era deixados para trás, o que me fazia pensar que se tratava de algo muito mais sério que um incêndio; E realmente não era. Observei que assim que esses que caíam ficavam para trás, eram atacados por outros. Entretanto esse outros não pareciam exatamente como pessoas normais. Em sua maioria eram alunos, mas possuíam tom de pele pálida e muitas marcas pelo corpo, como se tivessem sido atacados por muitos cães. Seus uniformes e suas bocas em geral estavam cobertos por sangue e outras coisas que eu nem saberia dizer o que poderiam ser. Possuíam um olhar forte e um aspecto cansado, mas aparentemente podiam ser bem rápidos quando queriam. Só então eu percebi que não era algum tipo de rebelião escolar ou qualquer coisa assim; Eles não estavam simplesmente atacando. Eles estavam comendo. Exatamente, estavam devorando a carne das vítimas vivas, como se fossem bestas canibais.

Ao ver isso tudo acontecendo em tão pouco tempo, percebi que não era mais uma boa ideia ficar ali parado no meio do pátio. Enquanto todos se dirigiam as rampas de saída por causa do bloqueio feito pela obra, eu pensei em passar por lá mesmo. Não seria difícil. Corri em direção ao canteiro de obras que bloqueava o caminho entre o pátio e a saída principal, cortando caminho por algumas grades que dividem o pátio do refeitório, sem pensar muito para onde os outros da turma poderiam ter ido. Depois de atravessar o canteiro, que isolava o seu perímetro com umas espécie de "muro" branco, fui até o portão principal, mas me surpreendi. Tanto o portão principal como a porta de entrada (que é bem ao lado) estavam fechados, como se tivessem evacuado o local e deixado o resto das pessoas dentro do colégio para morrer. Havia alguns restos de corpos a beira da entrada, como se aquelas pessoas tivessem tentado abrir o portão a força, mas acabaram sendo devorados e agora só sobraram alguns membros e ossos.

O cheiro de carne e sangue fresco atrapalhava um pouco meu raciocínio. Tinha a oportunidade de ir embora bem na minha frente, simplesmente pulando o muro, mas sentia que muita gente da minha turma havia ficado lá dentro ainda. Acho que o instinto de aventura falou mais alto na minha cabeça. Subi a rampa principal em forma de "L" que dá acesso a parte interna do Colégio, aparentemente sempre vazia, mesmo numa situação como essas. Tentei prestar muita atenção nas partes mais discretas, como o canteiro em que a turma se reunia sempre e na parte mais próxima da entrada, que ficava a direita numa parte nivelada, que se estendia até o muro. Ainda podia ouvir antes mesmo de entrar os gritos e passos ao longo dos corredores, não muito distantes, o que me dava um maldito frio na barriga. Chegando no Hall de entrada, que dividia o meu caminho entre o corredor esquerdo e o direito, planejei o que eu iria fazer antes de mais nada; Primeiro, arrumar algum objeto letal pra me defender dessas criaturas, pois elas não pareciam ser muito amigáveis. Depois, traçar a minha rota de busca, focando em procurar nas salas, nos banheiros e em lugares em que a turma conhecia e que provavelmente pensariam em se esconder.

Com a maior cautela do mundo, fui para o corredor da esquerda, que era onde ficavam as salas do ensino médio. Aparentemente não tinha ninguém, mas isso não me deixava muito tranquilo. As salas estavam em sua maioria com as portas abertas, deixando seu interior exposto, revelando várias carteiras reviradas e vidraças quebradas. Manchas de sangue nas paredes e no chão, tanto das salas como do corredor, davam um aspecto de terror ao ambiente e acredite, isso não me dava nem um pouco de coragem a mais para continuar andando. Fui prosseguindo muito lentamente ao longo do corredor, e percebi a coisa mais útil em uma das primeiras salas à esquerda; Uma perna quebrada de uma carteira, que tinha uma das pontas pontiagudas, quase como em formato de lança. Com a minha nova arma em mãos, continuei meu caminho pelo corredor, avançando pelas salas. A poucos metros da nossa sala eu poderia dar adeus a minha sorte; Ao final do corredor estava uma das criaturas medonhas, e por mais pura coincidência era justamente o Eusébio.

Assim que me viu esboçou uma face de puro ódio. Eu nunca imaginei que alguma feição dele pudesse me deixar com medo um dia, mas aquela me deixou. De uma maneira medonha ele deu um grunhido muito estranho, como se fosse uma ave ou coisa do gênero morrendo, enquanto começava a correr em minha direção numa velocidade que eu achava ser um pouco exagerada pra qualquer pessoa. Num relance, corri contra sua direção, empunhando a minha mini-lança de metal com as duas mãos; Quando ficamos bem próximos, dei um salto apoiando meu pé contra a parede a esquerda, passando assim por cima dele. Virei na sala mais próxima à direita tentando despistá-lo, mas não demorou muito para ele me encontrar; Num ato quase que de desespero, joguei a perna de mesa em sua direção, para a entrada da sala, da forma como se arremessa uma lança. Nunca havia errado tão lindamente em toda minha vida.

Mais rápido do que eu poderia esperar ele se jogou em cima de mim, com uma força não não aparentava ter, mas suficiente pra me derrubar no chão com bastante impacto até. Eu o segurava pelos braços, não deixando ele tocar diretamente em mim com as mãos, mantendo o rosto dele a uma distância segura para o meu rosto. Eu tinha plena certeza que se tivesse a chance, ele iria arrancar a minha cara com duas ou três mordidas, portanto eu estava tentando mantê-lo fora do meu alcance.

Eu já estava quase sem forças. O pequeno Eusébio realmente era bastante forte em sua forma morto-vivo-canibal ou seja lá o que for, mas nos últimos momentos eu percebi que a situação iria mudar para melhor ou para pior; Ouvi passos bem próximos. Próximos o suficiente para atrair a atenção dele, que virou para verificar na mesma velocidade em que uma perna de carteira preta atingiu em cheio a sua cabeça, o jogando para o lado. Assim que caiu, antes que pudesse reagir ou até mesmo entender a situação (se é que essas coisas entendem algo), pude ver a ponta de metal cravando seu crânio, fazendo espirrar um pouco de sangue sobre o meu rosto. Acredite, pela primeira vez uma cena dessas me deixou bem aliviado. Só então fui ver que era a Bruna que havia me salvado. Eu não sabia se ficava grato ou impressionado. Nunca achei que alguém pudesse salvar alguém de modo tão heroico, parecia até ser a cena de um filme, principalmente pelas manchas de sangue em seu uniforme agora.

— Caralho... obrigado cara. — Agradeci, bem pasmo com tudo aquilo. — Isso foi realmente foda.

— Sim, foi foda, mas fiquei com pena do Eusébio, tadinho... Mas cara, afinal, o que está acontecendo? Todo mundo ficou maluco agora?

— Acho que a gente pode tentar descobrirsobre isso uma outra hora. Eu realmente acho que agora a gente tem que se preocupar em procurar os outros e se tivermos sorte achar todos vivos. Aparentemente o Eusébio não está mais na lista...

Não chegamos a ter uma conversa sobre o quão confuso tudo estava, apenas concordamos que deveríamos procurar pelos outros. Ela me deu minha pequena "lança" de metal e eu a ajudei a tirar umas das pernas da mesa de madeira que havia na sala e assim estávamos prontos para procurar pelos outros.

Ao longo do mesmo corredor ouvimos um barulho bem discreto vindo do banheiro feminino. Eu entrei enquanto ela me dava cobertura do lado de fora, já que eu não estava tão cansado de surpresas. Assim que entrei, ouvi uma voz conhecida, sussurrando algo. Alguém parecia estar falando sozinha, ou então orando, num misto de choro e palavras, parecendo estar muito aterrorizada. Antes de verificar as cabines uma por uma, resolvi deixar bem claro de que quem estava ali era humano, ou pelo menos não era nenhuma criatura homicida.

— Quem quer que esteja aí, não precisa se preocupar... Eu não vou machucar você... — Disse em tom de voz baixa para não assustá-la.

— Jhon? — Disse a pessoa escondida, que reconheci claramente pela voz.

Meus pensamentos pareciam estar corretos. Assim que saiu da última cabine, percebi que era a Tina, que estava se escondendo ali quando o tumulto todo começou. Não sei exatamente o que ela estava pedindo nas preces, mas acho que ao encontrar a gente ela acabara de ter seu pedido realizado. Assim que eu a vi pude perceber que estava muito mais segura por alguém ter encontrado ela, mas ainda estava muito assustada com tudo e seu rosto estava coberto de lágrimas. Ao me ver fora da cabine, me abraçou como se tivesse acabado de ter o pior pesadelo de sua vida.

— Tudo bem — Eu disse. — Vai ficar tudo bem. Precisamos procurar os outros agora, não podemos esperar por muito tempo. Eles estão contando com a gente.

As palavras pareciam motivá-la um pouco, e logo ela estava mais calma.

Agora que éramos três, precisávamos pensar em como faríamos para procurar os outros sem morrer. Decidimos que procuraríamos pelo andar que estávamos primeiro já que provavelmente a maioria estaria em lugares que conhecem na escola. Depois, verificaríamos no andar de baixo, porquê muito provavelmente o andar de cima estaria infestado e seria necessário mais gente para ajudar.

A esperança se refletia em nossos rostos.


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