Selfless and Brave. escrita por comfortablynumb


Capítulo 14
Elastic Heart




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/478548/chapter/14

And another one bites the dust

Oh why can I not conquer love

And I might have thought that we were one

Wanted to fight this war without weapons

And I wanted it I wanted it bad

But there were so many red flags

Now another one bites the dust

Yeah let's be clear I'll trust no one

Sinto o trem desacelerar e o silêncio do local é assustador. Desde a noite passada todos permaneceram quietos, alguns cansados demais pela exaustante noite, enquanto outros permaneciam calados devido a raiva. Meus olhos doem, e meu corpo também, mas dou de ombros ao perceber que quase todos os iniciandos já pularam.

Solto um suspiro e pulo. Meu corpo atinge o chão de maneira brusca e vejo Shauna oferecendo sua mão a mim. Seguro-a e reprimo um grito de dor, tal dor proveniente da pancada na nuca.

– Sigam-me - diz Amah.

Diante de mim, há uma cerca de metal com arame farpado no topo. Ao caminhar, vejo que a cerca é enorme, em uma linha perpendicular ao horizonte. Do outro lado da cerca, há uma aglomeração de árvores. Guardas da Audácia também circulam por ali. Amah nos guia até o portão, que bloqueia a estrada depredada que leva à cidade. Quando todos já estão desajeitadamente organizados, dois soldados abrem cada lado do portão que é duas vezes mais alto e muitas vezes mais largo que eles. Quando aberto, consigo observar as fazendas da Amizade e um aglomerado de pessoas vestidas em amarelo e vermelho acenam.

– Qual é o propósito disso? - Mia diz, sua voz trêmula.

– Não é nada pessoal. - Amah sorri fraco. - Só estou lhe mostrando onde vocês pararão caso o nome de vocês seja um dos últimos na classificação.

– Iremos para a Amizade? - um garoto loiro retruca num tom sarcástico. - Então essa daí não precisava sequer sair de sua facção de origem.

– Não. - Amah revira os olhos. - Irão patrulhar a cerca. Talvez a Amizade abra algumas exceções e permita que patrulhem suas fazendas. - o instrutor olha diretamente a Mia. - De qualquer jeito, estamos aqui para ajudar a descarregar os alimentos da Amizade e distribui-los às facções. - ele conclui e todos continuam em silêncio. - Agora!

Com o seu grito, todos obedecem. Sigo Mia e realizo a tarefa, perdendo-me em pensamentos. Reflito sobre o meu desempenho na Audácia e sinto uma pontada na cabeça. Sei que o julgamento humano é precipitado, mas minha consciência leva-me a julgar meu desempenho insuficiente. Entretanto, tal pensamento alimenta ainda mais o meu desejo de lutar. O meu desejo de vencer.

– Mia! - vejo uma garota de pele branca e cabelos cacheados se aproximar. Mia, que com dificuldade carregava uma caixa de alimentos, joga o objeto no chão e abraça a garota.

– Alice! - a garota de cabelos negros repicados e olhos azuis claros exclama em resposta.

– Você... Uau, o que houve? - Alice indaga, fazendo uma careta.

– Ah, eu mudei - ela diz com um sorriso, pondo a mão em seus cabelos.

– Não quis dizer isso. O que houve com o seu rosto?

Olho de relance a face da garota. Há um corte próximo a sua bochecha esquerda que vai até seu lábio inferior.

– Ah. - Mia revira os olhos. - Apenas um corte que ganhei no caça à bandeira.

Franzo o cenho. Como conseguiria um corte daqueles?

– Vocês estavam usando espadas, ou algo do tipo?

– Não. - Mia sorri, desviando o olhar. - Como estão as coisas na Amizade?

– Pacíficas até demais. Os pais estão sentindo a sua falta. Sabe, ouvi que há como você trabalhar por aqui, mesmo estando na Audácia...

– É um trabalho para perdedores. - diz um garoto de longe. Eric.

– Qual é o seu problema? Não está com hematomas demais para ainda ter tempo de cuidar da minha vida? - questiona Mia. - Hematomas que você ganhou de um Careta. - zomba a garota.

Diferentemente de todas as outras vezes que me chamaram de Careta, não murmuro desta vez. Apenas encaro Eric, que mantém a costumeira expressão taciturna em seu rosto. Ele retribui o olhar e rapidamente se aproxima de Mia.

As mãos de Eric agora se encontravam nos braços da garota. Ela se debatia e sua irmã mantinha uma expressão confusa e desesperada, enquanto os dois se afastavam dela.

– Facção antes do sangue. - Eric sussurrava nos ouvidos de Mia, não baixo o suficiente para fazer com que eu não ouvisse. - Facção antes do sangue! - agora ele berra, chamando a atenção de Amah e de alguns iniciandos.

– Algum problema? - Amah pergunta, arqueando as sobrancelhas.

– Essa garota estava tagarelando com aquele membro da Amizade. - Eric apontou à sua esquerda. Não havia mais ninguém ali.

Permito-me sorrir, e Mia faz o mesmo.

– Acho que a iniciação está te fazendo ter alucinações. - Amah retruca, ainda com a sobrancelha arqueada. - De qualquer modo, quem você pensa que é para repreender algum iniciando? Ponha-se no seu lugar. Você é tão inferior quanto ela. - ele aponta para a garota, que está com os braços presos por Eric.

Ele a solta e sai do local, sendo repreendido pelo instrutor.

– Onde você pensa que está indo? Ainda há muito a se fazer.

– Exatamente. - concorda Mia. - Ponha-se no seu lugar. - ela ri com escárnio.

+++

Caminhando pelo Fosso em direção ao refeitório, percebo que a dor incessante começava a dar sinais de melhora. Clary e Joseph me acompanhavam e dois pareciam ter esquecido do embate na noite passada.

– Posso fazer uma pergunta? - indaga Clary.

– Claro.

– Quais foram os medos que vocês enfrentaram durante o primeiro estágio?

– Acho melhor o "Quatro" responder primeiro. - Joseph faz as aspas com os dedos e eu rio.

Apesar da risada, sinto-me desconfortável com a pergunta. Em poucos segundos, lembro-me da paisagem do medo.

Pule.

Atire.

Encolha-se.

Agrida-o.

Todas essas palavras parecem ecoar em minha mente. Entretanto, acordo do devaneio e cito os meus três primeiros medos.

– Três medos? - Clary ri. - Você só pode estar de brincadeira.

– Escolhi o número quatro para ser modesto. - faço uma pausa e sorrio. - Na verdade, o quarto medo é algo pessoal demais para revelar.

– Tenho motefobia... - Joseph diz. - Quero dizer, medo de mariposas... - ele é interrompido pela risada escandalosa de Clary.

– Mariposas? - ela respira ofegante. - Quem diabos tem medo de mariposas?

– Eu! Na verdade, é um medo muito comum segundo as estatísticas das paisagens do medo. - Joseph murmura. - E cale a boca e me deixe continuar. Por fim, tenho medo de tentativas de estupro e também de escolhas...

– Escolhas? - eu pergunto.

– Caso eu tivesse que escolher entre duas pessoas que eu amo. Não aguentaria a pressão.

Anuo com a cabeça. Entretanto, não compreendo. Por toda a minha vida vivi me escondendo de um pesadelo, de um homem que deveria me proteger. Me amar. A sensação de amar alguém foi tirada de mim com a morte de minha mãe. Desvio os meus pensamentos quando ele prossegue.

– Uma das coisas que me perturbam é o que detrás da cerca. Além disso, também temo isolamento, morrer afogado, e por último, mas não menos importante, aranhas.

– Tenho medo de ficar sozinha. Medo de matar minha família. Medo de leões. Medo de morrer queimada. Medo de soterramento. Medo de morrer à deriva. Medo de virar uma sem-facção e por fim, medo da humilhação.

– Medo de leões? - Joseph e eu pronunciamos, quase uníssono. Clary sorri e assente.

– Sim. Eu sabia que vocês se surpreenderiam!

– Por que fez uma tatuagem de leão, afinal?

– Porque acredito na liberdade do medo, e negá-lo tem poder em minhas decisões.

– Parafraseando o manifesto da Audácia. - lancei um sorriso à garota, que fez o mesmo.

Chegando ao refeitório, sentamo-nos numa mesa onde estão Maddie, Pharrel e Zeke. Eles mantinham um olhar preocupado.

– O que houve? - Clary pergunta, sentando-se ao lado de Zeke.

– Georgie. - ele responde.

– O que houve com o irmão da tatuadora? - ela arqueia as sobrancelhas.

– Está morto. Possivelmente cometeu suicídio. Seu corpo foi encontrado no abismo. Eu simplesmente não entendo... Ele estava feliz, vivendo a sua vida, namorando. O que poderia ter causado isso?

– Talvez não seja por acaso. - sussurra Joseph.

– Como assim?

– Ahn... Nada.

– Se sabe de alguma coisa, é melhor abrir a boca!

– O que eu quero dizer é que há uma série de fatores que podem desencadear o suicídio de alguém. Desde depressão devido a alguma experiência traumática a um distúrbio causado em sua fisiologia.

– Georgie não era depressivo. Ela tinha um bom emprego, um namorado e era bem visto em nossa facção. Inclusive, em sua iniciação fora o primeiro. Só é difícil de acreditar.

– Isso é estranho. - Zeke complementa. - Não é a primeira vez que um alguém supostamente bem-sucedido se suicida. Sabe, Clary? Lukas Niehaus, um dos iniciandos da turma de Tori e Georgie também cometera suicídio.

– Divergentes. - ouço Maddie pronunciar em voz baixa.

Por alguns segundos, recordo-me de meu pai comentando sobre os divergentes. Pessoas que não se encaixam no sistema de facções de Chicago. Pessoas que poderiam apresentar problemas ao governo. Pessoas que poderiam derrubar o sistema. Sinto um arrepio na nuca. Como uma característica simples poderia derrubar milhares de pessoas encarregadas de proteger-nos contra o caos?

– Os planos de Jeanine. - Maddie continua, desta vez um pouco mais alto.

– O quê? - pergunta Zeke.

– Jeanine, a líder da Erudição, vem tomando medidas precipitadas a fim de manter a paz em Chicago. Uma dessas medidas seria a extinção da população "danificada", pois eles apresentam uma ameaça ao sistema, visto que são incontroláveis. ela defende esse genocídio pois acredita que a natureza humana é errônea, sendo assim, qualquer um que obedeça o instinto em vez de obedecer os soros deve ser morto. Ela os chama de divergentes.

– Isso é contraditório. Ela mata pessoas a fim de proteger Chicago, mas matá-las pode desencadear uma guerra. Perturba a paz. - digo.

– Justamente por isso ela faz parecer um suicídio. - Pharrel comenta.

– Como vocês sabem disso? - indaga Clary.

– É o que mais se comentava durante os nossos últimos dias na Erudição.

Levanto-me do assento e caminho em passos rápidos até a entrada do Fosso. passos os dedos nas assimétricas pedras do local, enquanto vou em direção ao estúdio de tatuagem. Minha respiração é irregular, embora eu não saiba o porquê. Desejo encontrar Tori. Mais que isso, desejo pôr um fim nas incessantes perguntas que atordoam minha mente toda vez que eu estou desperto.

– Sinto muito pela sua perda. - falo, enquanto braço Tori. Ela retribui e consigo ouvir os soluços abafados em minha camisa.

– Obrigada pelo apoio. - ela limpa as lágrimas e se vira, voltando a manusear os objetos do estúdio. Permaneço ali, observando o local. - O que mais quer?

– Eu preciso lhe perguntar... A morte de seu irmão tem algo a ver com divergentes?

Ela me lança um olhar confuso.

– Não sei do que você está falando.

– Claro que sabe!

– Saia da minha frente. - ela diz e eu permaneço imóvel.

– Sairei daqui quando eu tiver as minhas respostas.

– Tobias, eu não sei o que você pensa que está fazendo, mas se acha que eu sou apenas uma tatuadora frágil, está redondamente enganado. Eu poderia quebrar todos os seus ossos em alguns minutos se eu quisesse. Mas não quero. Só quero que me deixe em paz!

Concedo-lhe a passagem, mas continuo seguindo-a. Ao sair do estúdio, ela solta um longo suspiro.

– Eu não saio dando informações sigilosas a qualquer babaca careta. Eu sei o que as palavras podem fazer. Elas são mais perigosas que qualquer arma. Mas sei da sua condição, Quatro. E você não deveria estar aqui.

– Minha condição?

– Você é Divergente! - ela exclama, não se importando com a importância de sua frase. - Eu poderia lhe entregar agora caso meu irmão estivesse vivo.

– Foi uma escolha dele ter morrido. Não entendo a correlação entre minha divergência e ele.

Os pequenos olhos de Tori me fitam. Estamos passando pelo abismo, que agora permanece silencioso. De repente, vejo as mãos de Tori alcançando o meu pescoço. Apesar de pequena seus braços são fortes. A tatuadora pressiona seu corpo contra o meu, e eu caio no chão. Ainda de pé, ela pisa com o pé direito sob os meus pulmões.

– Georgie não teve escolha, ele foi morto! Morto por ser igual a você. Por ser divergente! - sua voz ecoa. - Era essa a sua pergunta?

Ela tira seu pé de cima de mim e eu respiro com dificuldade.

– Seria bem mais fácil se você tivesse morrido no lugar dele. ele teve uma família. Ele tinha a mim. Você é apenas uma merda de desperdício.

Vejo o pequeno corpo de Tori saindo dali, mas permaneço caído no chão. Ainda recuperando o fôlego, fecho os meus olhos, reprimindo as lágrimas. Não pelas palavras de Tori, mas por mim. Sei que não há lugar para mim em Chicago.

Sei que estou correndo perigo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Selfless and Brave." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.